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Full text of "A faculdade de letras da universidade de Coimbra ao país"

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Faculòaòe  Òe  Letras 


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Universiòaòe  Òe  Coimbra 


ao  País 


Coimbra 

Tipografia  França  Amaòo 

1919 


A 
Faculòaòe  òe  Letras 

I 


Universiòaòe  òe  Coimbra 

ao  País 


A 


Faculòaòe  òe  Letras 


òa 


Universiòaòe  òe  Coimbra 


ao  País 


Coimbra 

Tipografia  França  Amaòo 

1919 


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I 

A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade 

de  Coimbra 
tem  p  dever  moral  de  falar 

A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra 
não  pode  por  mais  tempo  ficar  silenciosa  perante  a 
série  de  ocorrências  motivadas  pelo  seu  procedimento 
do  dia  14  de  maio  próximo  passado.  No  uso  dum 
legítimo  direito,  sempre  reconhecido  em  princípio  e  de 
facto  no  nosso,  como  em  todos  os  países  civilizados, 
resolveu,  na  sessão  ordinária  daquele  dia,  representar 
junto  do  sr.  Ministro  da  Instrução  contra  a  publicação 
de  dois  Decretos  da  sua  autoria  imediata : 

a)  Pelo  primeiro  desses  Decretos  era  remodelada  a 
Secção  de  Filosofia  das  Faculdades  de  LetraS  —  sem 
com  a  Faculdade  se  ter  observado  a  deferência  duma 
simples  consulta ; 

b)  Pelo  segundo  eram  providos  nos  dois  logares, 
criados  por  essa  remodelação,  indivíduos  àcêrca  dos 
quais   nada,   absolutamente   nada,  constava   aos  vogais 


da  Faculdade,  que  os  impusesse  como  «  pessoas  de 
reconhecida  competência  scientífica  »,  —  e  sobre  a 
nomeação  dos  quais  também  não  recaíra  a  mínima 
consulta. 


II 

Significado  do  seu   protesto 

A  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  estranhou  o 
facto  e  estranhou-o  em  termos  serenos,  correctos, 
levantados,  olhando  a  questão  sob  o  .ponto  de  vista 
puramente  pedagógico,  à  luz  dos  interesses  do  ensino. 
Nada  mais  do  que  isto.  Onde  descobrir  nesse  proce- 
dimento uma  falta  de  respeito  ?  Onde  a  sombra  dum 
incitamento  à  indisciplina  académica  ? 

Podia  a  Faculdade  calar-se,  seria,  talvez,  melhor 
resignar-se,  submeter-se,  deixar  passar,  sofrer,  enfim,  o 
vexame.  O  tempo  não  vai  para  protestos,  nem  para 
assomos  de  altivez,  disse-se  . . . 

Sim.  Concordamos.  Era  uma  atitude,  por  ventura 
aquela,  que  fazia  um  dia  dizer  ao  filósofo  de  Koenigs- 
berg:  —  Que  admira  que  nos  esmaguem,  se  nós  nos 
fazemos  vermes  ?  . . . 

Sim.  Concordamos.  O  momento  seria  inoportuno, 
ouvimos  classificá-lo  de  impertinente.  Mas  alguma 
cousa  de  mais  nobre  e  de  mais  digno,  de  mais  alto  e 
de    mais   puro,    se    levantou    perante    a    Faculdade  — 


nobre  e  digno  e  alto  e  puro  como  o  ideal  — ,  e  que 
era  preciso  afirmar  contra  todas  as  conveniências, 
contra  todos  os  comodismos,  e  quaisquer  que  fossem 
as  consequências,  que  dessa  afirmação  proviessem. 
Confclamava-o   o   Direito,   impunha-o  o   Dever. 

E  a  Faculdade,  para  honra  sua  e  do  professorado 
superior  de  Portugal,  cujos  interesses,  afinal,  estão  em 
jogo  em  toda  esta  questão,  não  se  calou.  Tendo  exa- 
minado numa  reunião  prévia  o  assunto  e  debatido 'os 
termos  duma  «  Exposição  ao  Governo  »,  serenamente, 
após  uns  dias  de  intervalo,  de  novo  examinou  essa 
Exposição,  corrigindo,  limando,  aperfeiçoando,  de  forma 
a  tirar-lhe  o  mínimo  pretexto  de  agravo,  de  maneira  a 
fazer   desaparecer  qualquer   base   de  susceptibilidades. 

A  Faculdade  não  pretendia  agravar  ninguém. 

Mostrar  que  se  havia  sentido,  isso  sim.  Afirmar  bem 
alto  que  prezava  muito  a  sua  dignidade  e  indepen- 
dência, e  que  colocava  uma  e  outra  muito  acima  dos 
interesses  venais,  isso  ê  certo  que  entrava  nos  seus 
claros  propósitos. 

E  fê-lo,  e  em  tais  termos,  que  os  Senados  universi- 
tários de  Coimbra  e  de  Lisboa,  grande  número  de 
jornais,  muitas  das  figuras  intelectuais  do  País,  aplau- 
diram o  seu  procedimento,  perfilhando  atê  aquelas 
altas  Corporaçõis  a  doutrina  por  ela  exarada  na  acta 
da  sua  Sessão  célebre. 


8 


III 
O  Sr.  Ministro  da  Instrução  responde 


Como  respondeu  o  Sr.  Ministro  da  Instrução  à 
atitude  da  Faculdade  ? 

^  Mandando,  senão  ouvi-la,  porque  os  factos  se 
achavam  consumados,  pelo  menos,  esclarecê-la  e  eluci- 
dá-la, submetendo-lhe,  por  exemplo,  o  curriculum 
vitae  dos  dois  Professores  agraciados,  para  que  se 
ficasse  sabendo,  quanto  mais  não  fosse,  quam  justa  e 
merecida  havia  sido  essa  escolha?    Não. 

Respondeu . . .  com  mais  dous  Decretos,  que  vin- 
culam o  seu  nome  para  sempre  á  historia  desta  diver- 
tida cousa,  que  ainda  em  Portugal  se  continua  a  chamar 
Pedagogia : 

1.0  —  Por  um  desses  decretos  demitio  o  Reitor 
efectivo  da  Universidade,  Prof.  Mendes  dos  Remédios, 
e  nomeou  para  o  seu  logar  o  tam  tristemente  célebre 
Sr.  Coelho  de  Carvalho ;  e 

2.0  —  Pelo  outro  extinguio  a  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra,  anexando-a  à  Universidade  do  Porto. 


Que  ferocidade,  santo  Deus ! 
Que  génio  tam  sanguinário ! 

Che  fai,  alma  ?  che  pensi  ?  avrem  mai  pace  ? 
Avrem  mai  trégua  ?  o  d  aurem  guerra  eterna  ? 


IV 
o  Reitor  Sr.  Coelho  de  Carvalho 

♦  Arrancar  à  Universidade  de  Coimbra  a  sua  Faculdade 
de  Letras  era  uma  monstruosidade  sob  o  ponto  de  vista 
pedagógico.    Seria  fastidioso  demonstrá-lo. 

O  Sr.  Ministro  da  Instrução  deixou-se  vencer  de 
ódio  num  momento  de  hiper-tensão  nervosa  provocada 
por  despeitados  conselhos  mesquinhos,  não  tendo,  como 
não  tinha,  e  não  tem  ainda,  —  aqui  o  afirmamos  sem 
receio  de  contestação,  —  o  mais  simples,  o  mais  perfun- 
ctório,  o  mais  elementar  conhecimento  da  Faculdade  de  Letras 
da  Universidade  de  Coimbra  —  que  êle.  Ministro,  nunca  visi- 
tou, cujos  processos  de  ensino  ignora,  cujo  material  dídático 
desconhece  em  absoluto,  e  de  cujos  Professores,  talvez  só 
vaga  notícia  tenha. 

O  ódio  é  máo  conselheiro,  afirma-o  a  Sabedoria  das 
nações,  e  mais  uma  vez  se  provou  .  .  . 

Mas  ao  erro  pedagógico  acresceu  outro,  não  menos 
grave,  mas  mais  irritante,  embora  de  diversa  natureza 
—  a  nomeação  do  Sr.  Coelho  de  Carvalho  para  o  alto 


10 


carg-o  de  Reitor.  Com  efeito,  o  Sr.  Coelho  de  Carvalho 
era  um  homem  a  quem  totalmente  faltavam  as  qualidades 
essenciais  para  o  desempenho  desse  melindroso  cargo. 
A  sua  vida  em  Coimbra  compreende  duas  fases  distintas : 
uma  dominada  pela  esperança  de  ser  Prof.  da  Faculdade 
de  Letras  e  Reitor  eleito  da  Universidade ;  outra  domi- 
nada pela  decepção  dessas  aspirações. 

Acobertou-se  primeiramente  com  a  capa  de  amigo 
da  Universidade,  proclamando-a  até,  sem  verdade  nem 
sinceridade,  a  primeira  e  única  Universidade  —  as  outras 
Universidades  não  passavam  de  «  Escolas  Gerais  »  — 
dizendo-se,  a  quem  queria  ouvi-lo,  um  simples  manda- 
tário das  Faculdades,  investido  numa  missão  transitória 
de  pacificação.  Nada  mais.  E  foi  colhendo  adesõis, 
algumas  simpatias.  Era  tam  amigo  da  Universidade! 
Arquitectava  reformas,  delineava  projectos,  esboçava 
grandezas  —  desenvolvimento  hospitalar  compreen- 
dendo um  grande  sanatório  para  tuberculosos,  compra 
de  prédios  para  rasgadas  instalações,  congressos  scien- 
tíficos,  tudo  muito  grande,  tudo  com  muito  dinheiro, 
enfim,  miragens,  verdadeiros  deslumbramentos  de  Fata- 
Morgana. 

Como  se  desfez  este  sonho  de  blasé,  que  declarava 
odiar  Lisboa  com  os  seus  dissolventes  cafés,  os  seus 
duvidosos  bastidores  de  teatro,  a  sua  política  de  intri- 
gantes, e  aborrecer  por  egual  um  fim-de-vida  nas  terras 
cálidas  do  Algarve,  onde  nem  sequer  a  linda  flor  das 
amendoeiras  conseguiu  dar  um  raiozinho  de  policromia 


11 


aos  seus  versos  desbotados,  aos  quais  se  poderia  aplicar 
o  que  Boileau  escreveu  um  dia  de  Chapelain: 

De  son  rude  marteau  martelant  le  bon  sens 
II  fit  de  mauvais  vers  douze  fois  douze  cents  ? 

Ruío  tudo  'Com  fragor  na  vida  tràg-ico-hilariante  deste 
homem,  desde  que  adquirio  a  convicção  irrefragavel  de 
que  nunca  seria  proposto  Prof.  da  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra. 

Nunca  1 

Não  experimentaria  a  sensação  desse  look-out  exces- 
sivamente perigoso  para  os  seus  cansados  anos,  tam 
repletos  de  imprevistas  peripécias. 

Nunca ! 

Estava  primeiro  a  ala-de-namorados  dos  Novos,  entre 
os  quais  o  Dr.  Gonçalves  Cerejeira,  o  Dr.  Joaquim  de 
Carvalho . . . ,  depois  mais  novos,  nimbados  de  mirtos  viri- 
dentes  e  de  talento,  e  depois  ainda  outros  mais  novos, 
já  a  trepar  à  encosta  do  monte,  onde  começa  de  asso- 
mar o  sol  em  raios  prometedores  de  esperança . . . 

Nunca  1 

E  assim  chegou  o  periodo  da  decepção,  o  segundo 
periodo  da  vida  do  Sr.  Coelho  de  Carvalho.  E  então  é 
que  aparece  o  homem,  que  aí  está  —  afrontando  o 
Professorado,  a  Academia,  a  Cidade,  que  enredou  tudo, 
que  emaranhou  tudo,  iludindo  até  o  Governo,  que  dele 
confiou,  em  hora  aziaga,  o  encargo  de  restabelecer  a  paz 
e  a  tranquilidade  nesta  linda  terra  de  Coimbra . . . 


12 


V 

Supostas  acusaçõis 

à  Faculdade,  —  isto  é  —  a  4  dentre  os  seus 

19  Professores  e  Assistentes! 

.  . .  Mas  quais  sam  os  crimes  da  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra,  dos  seus  Professores?  Ninguém  ainda 
os  apontou,  ninguém  pôde  concretizá-los.  Ouvem-se 
somente  acusaçõis  vagas  e  sem  consistência,  idênticas, 
afinal,  às  que,  em  todos  os  tempos,  teem  assacado  à 
Universidade  de  Coimbra. 

Quere-se  fazer  acreditar  que  a  Faculdade  ê  consti- 
tuida  por  Professores  da  extincta  Faculdade  de  Teologia. 
Insinua-se  que,  sendo  assim,  esses  Professores  não 
podem  deixar  de  ser  inimigos  das  instituiçõis,  republi- 
canas, adversos,  naturalmente,  às  doutrinas  liberais. 
Mas  esconde-se  que  dos  dezanove  Professores  e  Assis- 
tentes atuais,  afinal,  apenas  quatro  vieram  da  Faculdade 
de  Teologia. 

Quatro  ! 

E  não  é  essa  origem  para  aqueles  tam  poucos  que 
rialmente  provieram  dessa  gloriosa  Faculdade,  senão 
um  título,   de   que   muito   se   orgulham. 

O  primeiro,  —  o  Dr.  António  de  Vasconcelos  está 
não  longe  do  termo  desta  selva  selvagia,  áspera  e 
forte . . .    Tem  mais  de  32  anos  de  Professorado. 


13 


O  Dr.  Mendes  dos  Remédios  tem  22  anos  de 
ininterrupto  ensino  superior,  cumulado  com  mais  de 
12  na  direcção  da  Biblioteca  Central  da  Universidade. 

O  Dr.  Oliveira  Guimarães  tem  mais  de  16  anos  de 
vida  professoral,  àlêm  duma  constante  lide  como  inte- 
merato e  infatigável  Pedagogo,  que  é. 


VI 

Da  Faculdade  de  Teologia  à  Faculdade 

de  Letras 

Agora,  oiçam  os  que  quiserem  ouvir  —  não  palavras 
de  recriminação,  nem  de  ódio,  mas  palavras  de  ver- 
dade e  de  justiça,  que  hão-de  ajudar  a  definir  os  Pro- 
fessores apontados  à  ira  inconsciente  das  multidões 
desorientadas. 

A  Faculdade  de  Teologia  tem  uma  história  das  mais 
gloriosas,  servindo  sempre  a  Pátria  e  a  Religião  nobre- 
mente, com  muito  notável  espírito  de  independência  e  de 
superioridade.  A  convivência  mútua  de  Professores  e 
de  Estudantes  dentro  do  meio  intelectual,  que  sempre 
foi  Coimbra,  dava  a  todos  um  logar  de  destaque  nas 
lutas  da  cultura.  Eram  citados  os  actos  grandes  da 
Faculdade  como  os  duma  grande  Escola  de  agudeza 
de  espírito,  de  erudição  e  de  saber.    Muitas  das  inova- 


14 


çõis    scientificas,    mal    apontavam    lá    fora,    logo   eram 
conhecidas    na    Atenas    lusitana. 

Citavam-se  sem  medo  nas  suas  aulas  os  livros  mais 
avançados  nos  domínios  interdependentes  ou  laterais 
das  doutrinas,  que  lá  se  professavam.  Pode  vêr-se 
ainda  pelos  registos  da  Biblioteca  Central  até  onde  ia 
a  atualização  do  seu  ensino.  O  estudante  nas  suas 
aulas  não  tinha  nada  o  ar  bisonho  e  tímido  dum  ini- 
ciado ou  dum  esotérico.  Era  alguém  a  quem  se  conce- 
dia o  livre  exame  das  doutrinas,  que  expendia.  Nenhum 
Professor  tinha  o  espírito  intolerante  nem  nas  maté- 
rias, que  ensinava,  nem  na  forma  como  as  expunha. 

Era  a  verdadeira  Escola  da  maior  tolerância  no  alto 
e  nobre  sentido  da  palavra,  porque  não  excluía  a  mais 
sincera  estima. 

Ainda  então  não  dominava  no  glorioso  baluarte  da 
Sciéncia  um  famigerado  lápis  verde  denunciando  inqui- 
sitorialmente  alguma  Hberdade  de  opinião  . . .  Esse  lápis 
verde  que  define,  só  per  si,  uma  mentalidade  e  uma  . 
consciência  e  que  seria,  séculos  atrás,  o  tição  execrando 
que  condenaria  implacavelmente  a  nossa  Bíblia  nacio- 
nal, os  Lusíadas,  que  todavia  outro  lápis  —  e  dum 
frade !  —  deixou  escapar  intacta  à  nossa  admiração ! 

As  aulas  eram,  por  vezes,  a  Agora,  onde  se  declama- 
vam teorias  de  arripiar  os  mais  fleugmáticos. 

Que  de  recordaçõis  de  nomes  e  de  scenas  inesque- 
cidas ! 

Pois  bem  ! 

Nessa  Escola  nos  educávamos  todos ;  aí  se  cimenta- 
vam amizades. para  a  vida. 


15 


Nessa  oficina,  onde  se  temperava  a  inteligência  e  o 
caracter,  tinham  logar  preferente  na  estima  de  todos 
os  Professores  da  Faculdade  de  Teologia.  Quando 
veio  a  Republica,  a  Faculdade  foi  suprimida,  não  por 
lhe  ser  hostil,  ou  sequer  adversa,  mas  por  ser  consi- 
derada como  que  inútil,  como  que  um  órgão  sem 
função. 

Com  efeito,  nos  últimos  anos  do  antigo  regime,  a 
frequência  da  Faculdade  de  Teologia  deminuira  dia  a 
dia  e  progressivamente.  Não  analisaremos  aqui  as 
causas,  que  eram  múltiplas,  mas  não  deixaremos  de 
apontar  como  uma  das  principais  a  acusação,  que  lhe 
era  feita,  de  ser  uma  Faculdade  demasiadamente  secular 
—  pas  assez  écclésiastique,  como  a  classificou  Lião  XIII. 

Essa  fama  pl-oviera-lhe  da  chamada  Questão  da  Facul- 
dade de  Teologia,  em  que  esta,  só,  abandonada  dos 
Governos,  sem  influência  política,  nem  acção  diplo- 
mática, teve^  de  sustentar  tremenda  luta  pela  liber- 
dade do  seu  ensino,  como  uma  instituição  do  Estado, 
de  quem  dependia  e  a  quem  tinha  de  prestar  contas. 
Olhada  com  desconfiança  pelos  poderes  eclesiásticos, 
a  Faculdade,  desde  então,  principalmente,  arrastou  uma 
vida  inglória.  Por  seu  lado,  os  Governos  parece  que 
não  tinham  compreendido  bem  a  função  importante, 
que  no  nosso  meio  ela  podia  e  devia  desempenhar.  Era 
então  o  caso  de  parafrasear  um  dito  célebre  e  dizer  — 
que  a  Faculdade  estava  de  mal  com  os  Bispos  por 
causa  do  Estado,  de  mal  com  o  Estado  por  causa  dos 
Bispos. 

O  que  se  não  disse  então !    O  que  se  não  escreveu ! 


16 


Mas  a  vida  da  Faculdade  estava  terminada.  E  quando 
um  dia  a  própria  Faculdade  disso  se  convenceu,  ela 
mesma  resolveu  pedir  a  sua  transformação  numa  h  acui- 
dade de  Letras. 


VII 

o   Dr.  António  José  de  Almeida 
cria  a  Faculdade  de  Letras 

Ela  própria,  ou  melhor,  a  Universidade.    Foi  em  1907. 

Uma  comissão  composta  de  Professores  das  diversas 
Faculdades  universitárias  foi  a  Lisboa  para  de  propósito 
procurar  entender-se  com  o  Presidente  do  Conselho, 
ao  tempo  o  Sr.  João  Franco,  a  quem  dirigio  o  pedido. 
Surgiram  depois  diversos  e  numerosos  embaraços  e 
estorvos,  que  não  vêem  para  o  caso.  Apareceram 
protestos,  abrio-se  a  campanha  nos  jornais,  estabele- 
ceu-se  a  luta. 

Podia  ser  invocadq  aqui  o  testemunho,  entre  outros, 
do  Dr.  António  José  de  Almeida,  para  declarar,  se 
fosse  preciso,  com  quem  se  encontrou  desde  essa 
primeira  hora,  e  como  o  problema  lhe  era  exposto  com 
o  maior  desassombro,  mas  também  com  a  mais  absoluta 
lialdade,  e  que  assim  se  podia  cifrar  —  a  Faculdade  de 
Teologia,  como  a  quere  Roma,  não  a  quere  o  Estado ; 
e  como  a  quere  o  Estado  não  convém  a  Roma. 

Não  havia' conciliação  possivel.    E  não  houve. 


17 


O  problema  tinha  de  ser  resolvido,  como  o  foi. 
O  Dr.  António  José  de  Almeida,  uma  vez  no  governo 
provisório,  auxiliado  poderosamente  pelo  Dr.  Angelo 
da  Fonseca,  Director  Geral  da  Instrução  Pública,  meteu 
ombros  à  dificil  empresa  da  remodelação  do  ensino. 
Dois  Decretos  resolveram,  com  justiça  e  notável  sereni- 
dade, um  assunto,  a  tantos  títulos  delicado,  que  se  caísse 
nas  mãos  de  outrem  tam  facilmente  se  prestaria  a  atos 
de  vingança  e  de  desprimor  —  o  Decreto  de  23  de 
outubro  de  1910,  que  virtualmente  extinguia  a  Facul- 
dade de  Teologia,  e  o  Decreto  de  9  de  maio  de  1911, 
que  no  seu  art.  61  .o  dispunha  que  os  Professores  da 
extinta  Faculdade  fossem  colocados,  conforme  as  suas 
aptidões,  nas  Faculdades  de  Letras  de  Lisboa  ou  de 
Coimbra  (1). 


VIU 

o  "Curriculum  vitae" 

dos  19  Professores  e  Assistentes 

da  Faculdade  de  Letras 

Sam  em  número  de  dezanove  os  Professores  e  Assis- 
tentes, que  estão  prestando  serviço  na  Faculdade  de 
Letras  de  Coimbra.  Quem  sam?  Quais  os  seus  títulos 
scientificos  ?    Veja  o  curriculum  vitae  publicado  no  l.o 


(1)  Cfr.  mais  o  Decreto  com  força  de  lei  de  19  de  abril  de  1911  e 
o  Decreto  de  17  de  junho  do  mesmo  ano. 
2 


18 


Apêndice  deste  opúsculo  quem  tiver  interesse  ou  curio- 
sidade de  o  saber.  Aqui  só  queremos  acentuar  que 
esse  grupo  de  Professores  foi  recrutado,  mercê  mais 
das  circunstancias  do  que  da  lei,  por  uma  verdadeira 
selecção  de  aptidõis.  Como  dissemos  já,  da  Faculdade 
de  Teologia  só  ha  4  Professores.  Dos  outros,  sam  3 
da  Faculdade  de  Sciencias  —  os  Professores  Gonçál- 
vez  Guimarãis,  Ferraz  de  Carvalho  e  Tamagnini ;  1  da 
Faculdade  de  Direito,  o  Dr.  Magalhães  Colaço ;  2  sam 
estrangeiros  os  Srs.  John  Opie  (inglês)  e  Marius  Riquier 
(francês).,  Eugénio  de  Castro  entrou  na  Faculdade, 
como  a  Senhora  D.  Carolina  Michaélis  de  Vasconcelos, 
par  droit  de  conquête.  Dos  Assistentes,  que  todos  sam 
graduados  por  esta  Faculdade,  um  veio  da  Faculdade 
de  Letras  de  Lisboa,  outro  tem  um  curso  em  Roma, 
três  sam  diplomados  já  por  outra  Faculdade,  e  dois  só 
enfim,  sam  exclusivamente  da  Faculdade  de  Coimbra. 
Todos  podem  dizer-se  self  rnade  men.  Se  fossem  vivos 
alguns  que  à  Faculdade  prestaram  relevantes  serviços 
orgulhar-nos  hiamos  de  referir  os  nomes  dos  Professores 
Francisco  Martins  e  Carlos  de  Mesquita,  e  se  tivesse 
podido  corresponder  ao  apêlo,  que  oportunamente  lhe 
foi,  com  amiga  insistência,  dirigido,  no  grupo  dos 
Professores  brilharia  com  o  seu  grande  mérito  o  nome 
do  Prof.  António  Augusto  Gonçalves. 

Pode  haver  melhor;  há,  decerto,  corporaçõis  scienti- 
ficas  mais  distintas  no  País,  mas  não  envergonha  a 
Nação  quem  assim  apresenta  titulos,  que  nam  sam 
inteiramente,  parece-nos,  dos  que  pode  conceder  o 
favoritismo  politico  ou  outro,  não  importa  o  nome. 


19 


IX 
Dois  Assistentes 

Não  podemos  traçar  aqui  o  perfil  intelectual  de  cada 
um  dos  colaboradores  da  grande  obra,  em  que  todos 
trabalhamos.  Ficam  estas  simples  notas,  cumprindo-nos 
destacar,  de  justiça,  dous  nomes,  que  foram  trazidos  à 
ribalta  com  os  torvos  intuitos . . .  que  já  diremos ;  os 
Drs.  Gonçalves  Cerejeira  e  Joaquim  de  Carvalho. 

Dr.  Gonçalves  Cerejeira.  —  Tem  uma  formosa  inte- 
ligência este  moço  já  diplomado  em  duas  Faculdades. 
Os  seus  cursos  foram  sempre  brilhantes  e  haviam-no 
designado  de  há  muito,  por  eleição  tácita  de  condiscí- 
pulos e  contemporâneos,  para  o  logar  que  já  começava 
a  desempenhar  com  aplauso  de  discípulos,  e  não-discí- 
■pulos,  pois  as  suas  aulas  eram  concorridas  de  vários 
rapazes  de  diversos  cursos,  ansiosos  de  ouvirem  a  sua 
palavra  elegantíssima  e  erudita.  Os  dous  trabalhos, 
que  escreveu  com  destino  à  Faculdade  de  Letras,  intitu- 
lam-se  O  Renascimento  em  Portugal  —  Clenardo,  de 
183  e  191  -f  156  páginas,  respectivamente.  Que  digam 
do  valor  desses  trabalhos  todos  os  que  já  lhe  poisaram 
os  olhos !  Através  dessa  complicada  figura  de  renas- 
cente  e  humanista,  é  uma  sociedade  que  se  desenha  a 
agoa-forte   no   quadro   geral   da   história  da  civilização 


20 


quinhentista.  Pela  primeira  vez  se  pqcle  apreciar  em 
bela  tradução  literária,  onde  não  chega  a  babugem  de 
certos  plumitivos,  o  que  de  mais  interessante  para  nós 
aparece  nas  Cartas  do  grande  flamengo.  E  por  todas 
essas  páginas  do  claro  sol  do  pensamento  se  afirma 
uma  erudição  sólida,  ao  mesmo  tempo  que  brilhante, 
um  saber  extenso  e  fundo,  em  que  não  se  sabe  que 
mais  admirar  —  se  o  paisagista  da  história,  se  o  filósofo 
da  civilização,  se  o  intérprete-filólogo  dominador  dum 
latim,  que  só  encanecidos  mestres  poderiam  atingir. 

Dr.  Joaquim  de  Carvalho.  —  Fale  em  favor  deste 
moço-Professor,  também  já  diplomado  em  duas  Facul- 
dades, a  sua  dedicação  ao  estudo,  a  sua  incansável  ânsia 
de  saber,  que  de  longe,  ainda  assim,  se  divisam  através 
dos  seus  livros  —  António  de  Gouveia  e  o  Aristotelismo 
da  Renascença^  e  Leão  Hebreu,  Filósofo,  que  honrariam 
qualquer  Académico  de  nome,  em  qualquer  meio  inte- 
lectual. Inteligência  lúcida,  espírito  penetrante,  inclina- 
ção preferente  de  analista  de  almas,  o  Dr.  Joaquim  de 
Carvalho  trouxe  à  luz,  como  fizera  o  seu  colega,  figuras 
mal  esboçadas,  que  se  perdiam  a  distância,  episodica- 
mente, e  que  sam,  entretanto,  personagens  da  estatura 
dos  gigantes  intelectuais.  Quem  em  Portugal  ouvira 
falar  de  Leão  Hebreu  ?  ^  Estes  medíocres  tradutores,  que 
fizeram  uma  reputação  cambaleante  de  café  através  de 
traduçõis,  onde  defrontaram  tal  personagem  ?  Custou- 
Ihes  a  leitura  das  páginas  cerradas,  de  profunda  inves- 
tigação e  íntima  análise  desse  sectário  do  Platonismo, 
e  não  querem  confessar  a  vergonha  de  não  chegarem 


21 


ao  fim  dessa  viagem  de  penetração  de  espíritos,  guiados 
pelo  talento  superior  do  moço  vigofoso,  fisicamente 
tam  frágil,  que  é  Joaquim  de  Carvalho. 

Estes  foram  os  candidatos  que  a  Faculdade  de  Letras, 
na  impossibilidade  de  concluir  as  provas  dum  concurso, 
como  todos  preferiam,  propôs  ao  Governo,  ao  abrigo 
do  disposto  na  lei  Universitária,  que  fossem  promovi- 
dos   a    Professores.     Eis   aqui   a  proposta   votada   por 

unanimidade : 

Proposta 

Temos  a  honra  de  propor  ao  Conselho  da  Faculdade  de  Letras, 
baseados  no  art.  55.°  do  Estatuto  universitário,  que  ao  governo  seja 
proposta  a  nomeação,  com  dispensa  das  provas  públicas,  do  Dr. 
Manuel  Gonçalvez  Cerejeira  para  o  logar  vago  de  professor  ordinário 
do  4.0  grupo  (Sciências  históricas),  e  do  Dr.  Joaquim  de  Carvalho 
para  o  logar  vago  de  professor,  ordinário  do  6.0  grupo  (Sciências 
filosóficas). 

Servem  de  base  a  estas  propostas  os  importantes  trabalhos  de 
investigação  original  por  estes  Doutores  realizados,  e  de  que  teem 
dado  sobejas  provas :  —  a)  nos  seus  exames  brilhantes  de  Bacha- 
relato e  de  Doutoramento,  respectivamente  na  secção  de  Sciências 
históricas  e  geográficas  e  na  de  Sciências  filosóficas,  nos  quais  obti- 
veram a  classificação  de  Muito  bom,  o  primeiro  com  19  e  20  valores, 
o  segundo  com  19  valores;  —  b)  nas  provas  de  concurso  para  Assis- 
tentes desta  Faculdade  y  —  c)  nos  dois  volumes  que  cada  um  deles 
publicou,  os  do  primeiro  subordinados  ao  título  geral  —  O  Renasci- 
mento em  Portugal  —  os  do  segundo  intitulados  —  António  de  Gou- 
vêa  e  o  Aristotelismo  da  Renascença  —  e  —  Leão  Hebreu,  filósofo ; 
—  d)  nos  serviços  de  que  foram  incumbidos  pelo  Conselho  da  Facul- 
dade, e  de  que  se  teem  desempenhado  pela  forma  superior,  na  regên- 
cia das  cadeiras  de  História  antiga  e  História  medieval  o  primeiro,  e 
de  Filosofia  e  História  geral  da  civilização   o   segundo  ;  —  e)  nos 


22 


diversos  júris  de  exames  de  Bacharelato  e  Licenciatura  de  que  teem 
sido  vogais ;  --  /)  finalmente  o  primeiro  nos  trabalhos  que  tem  reali- 
zado no  Arquivo  da  Universidade,  de  que  é  arquivista-paleógrafo,  e 
na  direcção  dos  trabalhos  práticos  dos  cursos  de  História  de  Portu- 
gal, Paleografia,  Epigrafia  e  Diplomática  de  que  se  acha  incumbido. 

Coimbra,  em  sessão  do  Conselho  da  Faculdade  de  Letras,  aos  7  de 
maio  de  1919. 

(a)  Dr.  António  de  Vasconcelos,  professor  ordinário  da  secção  de 
Sciências  históricas. 

(a)  Dr.  Alves  dos  Santos,  professor  ordinário  da  secção  de  Sciên- 
cias filosóficas. 


X 
Uma  scena  histórica 

Esta  proposta  foi  entregue  ao  Reitor  a  8  de  maio,  e 
a  14  passava-se  na  Reitoria  uma  scena,  que  ha-de  ficar 
marcada  na  história,  porque  nesse  dia  alguma  cousa  se 
passou  a  dentro  daquelas  salas,  que  nunca  jamais  ali  se 
vira,  nem  nos  tempos  ominosos  em  que  dominava  em 
Portugal  despoticamente  o  tribunal  de  ódios  e  de 
sangues,  que  se  chamou  o  Santo-Ofício. 

Nessa  Reitoria,  onde  dominou,  não  há  muitos  anos,  o 
génio  bondoso  de  Manoel  de  Arriaga,  cuja  figura  nós 
ainda  divisamos,  simpática,  serena,  atraente,  —  aí,  o  moço 
Joaquim  de  Carvalho  infligio  ao  Reitor  sr.  Coelho  de 
Carvalho  uma  tremenda  lição  de  nobre  e  altiva  inde- 
pendência —  declarando-lhe  que  não  aceitava  a  nomea- 
ção, que  o  separasse  do  seu  colega,  como  ele,  Reitor, 


23 


pretendia.  Ambos  propostos  pela  Faculdade  de  Letras 
com  a  mesma  base  em  valores  pedagógicos,  a  sua 
proposta,  isolada,  fazia  surgir  um  coeficiente,  que  ele 
não   admitia. 

Não  enrubesceu,  talvez,  o  sr.  Coelho  de  Carvalho, 
mas  havia  de  tremer.  Essa  nobreza  de  consciência 
ser-lhe  hia  opressiva.  Havia  de  queimá-lo,  lá  dentro, 
tanta  altivez,  tam  galharda  sobranceria. 


XI 
Orientação  do  ensino  da  Faculdade 

O  que  poderia  escrever-se  sob  esta  rubrica  não  seria 
positivamente  um  capítulo,  dava  uma  monografia.  Mas 
é  forçoso  apresentar,  embora  de  fugida,  uma  idéa  do 
que  se  diz  e  do  como  se  diz  no  ensino  das  diversas 
disciplinas  da  Faculdade.  Esta  matéria  compreender-se 
ia  melhor  com  a  publicação  dos  Sumários,  que  agora  é 
totalmente  impossível  fazer.  Note-se  também  que  há, 
de  momento.  Professores  ou  doentes,  ou  ausentes,  cuja 
consulta  foi  impossível  realizar. 

Por  outro  lado  a  Faculdade  não  teve  até  hoje  o 
mínimo  auxílio  financeiro,  afora  o  fornecido  para  as 
obras  do  seu  edifício.  —  Mobiliário,  instrumentação 
scientifica,  livraria . . .  tudo  tem  saído  dos  seus  mingoí^- 
dos  recursos. 


24 


O  que  é  mais  de  lamentar  é  não  se  poder  dispender 
qualquer  verba,  embora  modesta,  para  viagens  scienti- 
ficas,  que  urge  fazer,  numerosas  e  repetidas,  e  para 
custear  a  vinda  de  Professores  estrangeiros,  em  que  há 
tanto  tempo  se  pensa.  Faculte  este  intercâmbio  quem 
tem  a  missão  de  governar,  que  é,  decerto  missão  mais 
justa,  mais  gloriosa  e  mais  patriótica  que  a  de  inutilizar 
iniciativas. 
.    Mas  digamos  como  se  ensina  na  Faculdade. 

Seguiremos    a    ordem    das   secções   estabelecidas   na 
Lei  orgânica. 


% 

1  -  FILOLOGIA  CLÁSSICA.     [  Profs.  -  Oliveira  Guimarãis, 
Gonçálvez    Guimarãis ;    Assistentes  —  Carlos    Ventura    e 

J.  Neves  J. 

São  três  as  disciplinas  abrangidas  por  aquela  desi- 
gnação :  1)  Gramática  comparada  do  grego  e  do  latim, 
primeiro  denominada  Filologia  Clássica;  2)  Lingua  e 
literatura  latina  e  3)  Literatura  grega. 

1)  —  Gramática  comparada  do  grego  e  do  latim. 
O  titulo  anterior  não  tem  precisamente  o  mesmo 
sentido.  Há  até  diferenças  notáveis.  A  Filologia 
Clássica  aplica  ao  grego  e  ao  latim  os  principios  e 
as  leis  da  sciência  linguística  geral,  ao  passo  que  a 
gramática  comparada  tratando  sobretudo  da  estrutura 
da  lingua  e  das  regras,  que  auxiliam  a  sua  compreensão 
e  prática,   completa   com   o   exclusivo   do   seu   objecto 


25 


o  estudo,  precedentemente  efectuado,  das  duas  outras 
cadeiras.  Nestas,  sendo  ainda  a  lingua  o  objecto 
principal,  há  com  efeito  outros  assuntos,  que  não 
podem  apartar-se  como  a  história  da  literatura,  a 
mitologia,  a  religião,  a  arqueologia,  etc,  que  teem  de 
expor-se  onde  e  quando  vem  a  propósito  para  melhor 
inteligência  dos  textos.  Se  anteriormente  na  Filologia 
clássica  e  agora  na  Gramática  comparada,  se  segue 
este  critério  é  porque  é  absurdo  professar  em  uma 
única  cadeira  as  numerosas  matérias  incluidas  por 
Salomão  Reinach,  por  ex.,  no  seu  Manual  de  Filologia 
clássica,  quase  todas  objecto  doutras  tantas  cadeiras 
ensinadas  nas  Faculdades  de  Letras.  Quanto  mais  não 
fosse,  a  analogia  com  o  que  se  faz  nas  Filologias  româ- 
nica e  germânica,  devia  excluir  toda  a  dúvida. 

No  ensino  desta  disciplina  não  se  perde  nunca  de 
vista  que  a  Filologia  é,  por  todas  as  razões,  uma 
sciência  na  verdadeira  acepção  do  termo,  compreen- 
dendo o  estudo  da  linguagem  como  fenómeno  natural. 
A  teoria  dos  sons  é  exposta  com  a  observância  rigo- 
rosa dos  principios  da  acústica.  Pela  teoria  musical, 
cujo  conhecimento  é  dos  mais  poderosos  auxiliares  para 
quem  pretenda  realizar  estudos  na  Fonética  (veja-se  de 
•  quanto  pode  servir  nas  investigações  sobre  a  acentua- 
ção) fazem-se  numerosas  digressões. 

O  estudo  do  mecanismo  da  produção  dos  sons  é 
sempre  precedido  do  estudo  fisiológico  dos  órgãos, 
que  compõem  o  aparelho  fonador.  A  história  do 
alfabeto,  que  tanta  importância  tem  para  a  fixação  da 
pronúncia     das     línguas     clássicas,    é    todos    os    anos 


26 


tratada  com  a  amplitude  requerida  (1).  Observações 
idênticas  se  aplicam  pelo  que  respeita  ao  rigor  empre- 
gado nos  outros  assuntos  tanto  da  fonética,  como  da 
morfologia,  das  línguas  grega  e  latina. 

2)  Língua  e  literatura  latina  e  3)  Lingua  e  literatura 
grega.  O  oue  vamos  dizer  aplica-se,  mutatis  mutandis, 
à  lingua  e  literatura  grega.  O  mesmo  método,  a  mesma 
fé  nos  resultados,  que  esperamos  colher  e  que  já  foram 
em  parte  colhidos. 

Um  dos  primeiros  cuidados  do  Prof.  no  seu  ensino 
deve  ser  o  alijamento  dos  velhos  processos  rotineiros 
e  viciosos.  Na  Filologia  clássica,  particularmente,  come- 
çou-se  pela  pronúncia  —  do  latim  e  do  grego  —  dum 
modo  especial,  e  por  motivos  óbvios,  da  do  latim. 
Além  do  exemplo  da  Inglaterra,  América,  etc,  aí 
estavam  os  trabalhos  de  fonética  histórica  e  compa- 
rativa a  atestar  que,  para  proceder  a  qualquer  estudo 
sério,  se  tornava  indispensável  desembaraçar-nos  pre- 
viamente duma  pronúncia  que,  sobre  ser  falsa,  é  até 
ridícula. 

^  Que  maior  absurdo  do  que  querer  ensinar  segundo 
critérios  scientíficos  a  língua  latina  ou  qualquer  outra 
sem  procurar  pronunciá-la  convenientemente  ? 

Rompemos  pois  com  a  rotina. 


(1)  Sobre  o  alfabeto,  o  Prof.  de  Gramática  comparada,  Dr.  Gon- 
çálvez  Guimarãis  tem  pronto  a  entrar  no  preio  um  trabalho  em  que 
há  novidades  não  só  para  os  nacionais  como  para  os  estrangeiros, 
novidades  que  há  quatro  anos  teem  gozado  o  privilegio  de  ouvir  os 
alunos,  que  passam  pela  referida  cadeira. 


27 


O  estudo  da  evolução  das  línguas  clássicas  e  a 
comparação  das  formas  duma  língua  para  a  outra,  ou 
seja  a  aplicação  dos  métodos  histórico  e  comparativo, 
é  um  trabaliio  constante.  Na  tradução  tem-se  em  vista 
fazer  que  o  aluno  aprenda  a  tirar  do  texto  o  máximo 
de  sentido,  o  que  só  se  consegue  analisando  com 
método  e  rigor  os  pontos  em  que  possa  haver  dificul- 
dades de  qualquer  natureza.  E  a  melhor  maneira  de 
fazer  compreender  o  valor  das  regras,  que  se  lhe 
ensinam.  O  conhecimento  da  História  das  literaturas 
clássicas  é,  tanto  quanto  possível,  feito  sobre  os  textos. 

Relativamente  à  métrica  o  que  os  livros  dizem  é 
quase  nada  e  isso  ainda  não  isento  de  defeitos. 

^  Será  preciso  mencionar  que  procuramos  fazer  a 
leitura  títmica  ao  mesmo  tempo  que  a  gramatical? 

Foi  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  a  única  que 
até  hoje  seguio  tal  método  no  nosso  país.  E  que  série 
de  efeitos  melódicos  se  não  arrancam  á  combinação 
das  duas  leituras !  Além  desses  efeitos  meramente 
melódicos,  gratos  ao  ouvido,  a  acentuação  rítmica 
desperta  idéas,  dirigindo-se  portanto,  em  certos  casos, 
ao  pensamento. 

II  —  FILOLOGIA  ROMÂNICA.    [  Profs,  Mendes  dos  Remédios, 
Eugénio  de  Castro.    Prof.  contratado  —  Marius  Riquier  j. 

A)  —  Historia  da  Literatura  Portuguesa.  —  O 
estudo  da  Filologia  Românica  tem  merecido  à  Facul- 
dade as  maiores  atenções.  Tanto  os  Cursos  de  lingoas, 
como    os   das   literaturas,   teem-se   dirigido   sempre   no 


28 


intuito  de  despertar  nos  alunos  a  curiosidade  de  saber 
e  de  investigar,  o  gosto,  o  interesse,  a  sugestão  de 
vocaçô^es. 

As  indicações  que  passamos  a  fornecer  sam  muito 
rápidas  e,  além  disso,  incompletas  pela  impossibilidade 
de  apresentar  dados  sobre  as  disciplinas  propriamente 
filológicas,  pelos  motivos  já  apontados  atrás. 

A  Literatura  Portuguesa  que  figurava  até  1917  apenas 
como  um  curso  anual  desdobrou-se,  desde  o  começo 
do  ano  lectivo  dessa  data,  em  cadeira  bienal.  Pôde 
assim  estudar-se  com  mais  atenção  o  programa,  que, se 
dividio  em  duas  secçõis :  a)  uma  desde  as  origens  até 
o  século  XVI  e  b)  outra  do  século  XVII  à  atualidade. 
O  livro  dos  SuTTiários,  a  que  já  se  tem  aludido,  e  que 
pode  ser  consultado  por  quem  quer  que  seja,  diz  da 
extensão,  natureza,  e  espírito,  com  que  é  feito  o  curso. 
Repetidamente  se  afirma  a  necessidade  do  trabalho 
pessoal,  a  indispensabilidade  da  leitura  das  obras,  que 
se  analisam,  o  interesse  das  pesquisas  nos  Arquivos,  a 
surpresa,  que  pode  coroar  tais  fadigas,  com  e  pela 
descoberta  de  documentos  originais.  A  opinião  do 
Professor  pode  tomar-se  como  um  ponto  de  partida  ; 
fazê-la  nossa,  quando  o  queiramos,  por  convicção  fun- 
damentada e  não  por  dogmatismo,  tal  é  o  objectivo. 
As  liçõis  sam,  quanto  possível,  de  literatura  compa- 
rada, fugindo-se  ao  perigo  de  exposiçõis  restritamente 
cronológicas.  As  Bibliotecas  Central  e  a  privativa  da 
Faculdade  fornecem  um  material  de  ensino  precioso, 
estando  longe  todavia,  por  motivos  que  não  vêem  ao 
caso,   dos    desiderain   dos   Professores.     A   bibliografia 


29 


dos  assuntos  é  seguida  com  o  maior  cuidado  —  saber 
onde  se  estudam  os  assuntos  já  é  meia  conquista  na 
investigação  e  na  cultura.  O  l.o  curso  do  corrente 
ano  lectivo  terminou  com  o  seguinte  tema:  «  Gil  Vicente 
representa  o  espírito  da  sua  época,  sendo,  pela  sua 
obra,  um  verdadeiro  Poeta,  mais  que  nacional,  um 
Poeta  peninsular  e  um  eco  do  espírito  do  seu 
século.     Tratar- se  hia  de  Camões,  se. . .  > 

Estava-se  a  23  de  maio,  em  que  se  conhecia  de  cer- 
teza o  que  parecia  inacreditável  —  a  extincção  da 
Faculdade. 

No  2.0  curso  o  boletim  da  última  lição,  a  22  do 
mesmo  mês,  diz  assim :  «  O  teatro  no  século  XVIII 
representado,  por  uni  lado,  na  sua  feição  eru- 
dita em  Quita,  em  Figueiredo,  pelo  outro,  pelo 
seu  aspecto  popular  em  António  José  da  Silva. 
A  "Castro"  de  Reis  Quita  e  alguns  "tipos''  das 
comédias  do  Judeu  ». 

Dada  a  importância  dos  trabalhos  escritos  na  atual 
reforma  fez-se  sentir  aos  alunos  quanto  convinha  que 
lhes  dedicassem  toda  a  sua  atenção.  As  matérias  eram 
primeiramente  tratadas  com  largueza.  E  assim  depois 
de  ter  exposto  a  natureza  das  escolas  clássicas,  do  sim- 
bolismo, do  futurismo,  etc.  passou-se  aos  alunos  este 
trabalho :  «  A  que  condições  deve  satisfazer  um  docu- 
mento literário  para  ser  verdadeiramente  considerado 
tal?  »  Era  toda  uma  filosofia  de  gosto,  de  crítica,  de 
arte,  que  se  pedia.  Depois  de  ter  analisado  a  obra  de 
D.  Francisco  Manoel  de  Melo  deu-se  lhes  este  tema : 
«Analise  do  ultimo  Apôlogo  (Hospital  das  Letras), 


30 


aclarando  os  problemas  bibliográficos  que  ele 
levanta  >.  Era  um  largo,  um  profundíssimo  trabalho 
de  averiguações  critico-bibliográficas,  exageradamente 
difícil,  talvez,  mas  era  uma  tentativa  de  experiência, 
uma  «  experiência  para  vêr  >,  na  frase  de  Claude  Ber- 
nard.  Procurou-se  sempre  manter  viva  a  curiosidade 
dos  alunos,  atualizando  os  problemas,  mostrando  como 
nas  outras  Universidades  se  procedia,  comemorando 
quando  a  propósito  o  falecimento  dos  grandes  Mes- 
tres das  Literaturas  Românicas,  como  o  de  Ernesto 
Mónaci,  de  Egídio  Gorra,  que  ocorreram  durante  o  ano 
lectivo,  etc. 

Frequentemente  eram  lidos  trechos  para  documentar 
os  juízos  ou  afirmaçõis  feitas,  e  ainda  para  despertar  o 
interesse  dos  alunos,  mostrar  as  belezas  ou  defeitos 
dos  autores,  etc. 

B)  —  Historia  da  Lingiia  e  da  Literatura 
Francesa.  —  No  curso  de  «  Historia  da  Língua  e  da 
Literatura  Francesa  »,  faz-se  principalmente  o  estudo 
da  historia  da  literatura,  procurando  sempre  e  acima 
de  tudo  despertar  e  desenvolver  o  gosto  literário. 
O  ensino,  evitando  a  menor  afirmação  dogmática, 
baseia-se  na  leitura  comentada  dos  textos,  não  se 
abandonando  um  instante  a  preocupação  de  velar 
discretamente  pontos  de  vista  pessoais,  e  deixando-se 
assim  a  máxima  liberdade  de  emoção  e  de  crítica, 
mas  intervindo  zelosamente  ao  parsar  duma  beleza 
despercebida  ou  de  qualquer  expressão  obscura. 

Na  impossibilidade  de,  nos  dois  escassos  anos  do 
curso,  fazer    o   estudo   de  toda  a  história  da  literatura 


31 


francesa,  tem-se  escolhido  para  objecto  das  lições  os 
escritores  mais  representativos,  que  vão  desde  o  princí- 
pio do  século  XVII  até  1870  pouco  mais  ou  menos,  e 
feito  a  leitura  integral  das  seguintes  obras :  Le  Cid  e 
Horace  de  Corneille,  Art  poétique  de  Boileau,  Femmes 
Savantes  de  Molière,  Phèdre  de  Racine,  Atala  e  René 
de  Chateaubriand,  Premières  méditations  poétiques  de 
Lamartine,  Hernâni  de  V  Hugo,  e  a  leitura  de  trechos 
caraterísticos  de  Malherbe,  Pascal,  La  Fontaine,  M.me 
de  Sévigné,  Voltaire,  Montesquieu,  J.  J.  Rousseau, 
Diderot,  B.  Saint-Pierre,  Buffon,  A.  Chénier,  M.me  de 
Staêl,  A.  de  Vigny,  etc. 

Ill  -  FILOLOGIA  GERMÂNICA.  |  Profs.  D.  Carolina  Michaêlis 
de  Vasconcelos;  Assistentes  —  Ferrand  e  Providencia  da 
Costa;  Prof.  contratado  —  J.  Opie]. 

Os  programas  das  cadeiras  de  Lingua  e  Literatura 
alemã  e  inglesa  comportam  o  estudo  de :  a)  épocas  lite- 
rárias, como  a  Elizabethana,  a  de  Frederico  o  Grande, 
etc;  b)  movimentos  literários,  como  o  romantismo  inglês 
ou  alemão ;  c)  géneros  literários,  como  o  teatro  inglês, 
a  novela  na  literatura  alemã,  a  balada  artística  alemã, 
etc.  ;  d)  grandes  autores,  ou  autores  mais  caraterísticos 
duma  época  ou  dum  movimento,  como  Shakespeare, 
Milton,  Pope,  Goethe,  Schiller,  etc. 

O  desenvolvimento  destes  assuntos  é  baseado  na  con- 
sulta constante  dos  documentos  literários  mais  impor- 
tantes, de  que,  em  geral,  há  vários  exemplares  na 
Biblioteca   da   Faculdade   e   que  são  distribuídos  pelos 


alunos  durante  a  lição.  À  apreciação  desses  documentos, 
à  sua  análise  literária,  histórico-literária  ou  linguistica, 
dedica-se  um  cuidado  especial,  procurando  interessar  no 
estudo  e  na  investigação  literária  os  alunos,  pedindo- 
Ihes  que  analisem  eles  próprios  os  documentos,  que  se 
teem  de  consultar  nas  lições  magistrais,  obrigando-os 
depois  a  um  estudo  mais  demorado,  se  porventura  estes 
documentos  voltam  a  ser  lidos  nas  aulas  práticas. 

Procura-se  desenvolver,  acima  de  tudo,  o  gosto  lite- 
rário pela  leitura  e  crítica  das  jóias  destas  literaturas 
e  dá-se  sempre  a  mais  completa  liberdade  de  apre- 
ciação. 

Uma  cadeira  importante  deste  grupo  é  a  de  Filologia 
Germânica,  onde  se  tem  dado  desenvolvimento  especial 
ao  estudo  da  fonética  comparada  do  inglês  e  do  alemão, 
visto  que  o  conhecimento  dos  fenómenos  fonéticos  cons- 
titui a  base  de  todo  o  estudo  consciencioso  em  matéria 
de  filologia.  É  assim  que  nas  lições  da  Gramática 
Comparada  se  tem  insistido  particularmente  no  estudo 
do  vocalismo  e  do  consonantismo  germânico,  e  sobre- 
tudo no  do  anglo-alemão.  O  estudo  histórico-filológico 
do  vocalismo  inglês,  indispensável  para  a  compreensão 
da  singular  discordância  entre  a  grafia  e  a  pronúncia 
do  inglês  atual,  tem  merecido  particular  atenção  ao 
professor  desta  cadeira.  Para  que  o  estudo  da  filologia 
tenha  uma  feição  essencialmente  prática,  as  lições  magis- 
trais são  completadas  com  a  análise  e  o  comentário 
filológicos  de  trechos  ingleses  e  alemães,  análise  e 
comentário  feitos  pelos  alunos  sob  a  direcção  do  res- 
pectivo professor. 


33 


O  estudo  desenvolvido  e  profundo  da  fonologia  tem 
outro-sim  a  vantagem  de  despertar  nos  futuros  profes- 
sores liceais  de  inglês  e  de  alemão  o  interesse  pela 
fonética  e  justa  pronúncia  das  duas  línguas,  interesse 
que  é  condição  essencial  para  que  um  professor  daque- 
les idiomas  possa  cabal  e  proficuamente  desempenhar  a 
sua  missão. 

IV  —  SCIÉNCIAS  HISTÓRICAS.   [  Profs.  —  A.  de  Vasconcelos 
e  Magalhães  Collaço ;  Assistente  —  Gonçalves  Cerejeira  ]. 

O  ensino  da  História  ainda  não  é  certamente  o  que 
pode  ser ;  mas  ^  em  oito  anos,  havendo  que  fazer  tudo 
de  novo,  sem  auxílios  do  Estado,  podia  sequer  conse- 
guir-se  mais  e  melhor  ? 

O  carácter  do  ensino.  —  De  todo  o  princípio 
( sem  casa,  sem  material  de  estudo . . . )  o  ensino  visou 
a  ser  ensino  superior^  e  tem  a  Faculdade  a  consciência 
de  que  não  tem  sido  inteiramente  baldado  o  seu 
esforço.  Havia  que  evitar  o  perigo  de  fazer  do  ensino 
da  História  um  ensino  de . . .  histórias,  porventura 
brilhante  rememoração  de  factos  notáveis,  que  de  um 
género  retórico  nunca  elevaria  a  História  á  dignidade 
de  sciéncia.  Enriquecia-se  a  memória,  mas  nem  se 
aprendia  a  compreender  o  passado,  nem  a  reconstituí-lo 
por  meio  de  rigoroso  processo  crítico. 

Outra  tem  sido  a  orientação  na  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra :  o  seu  ensino  da  História  tem  ficado  fiel, 
sem   prejuízo   da   particular  feição  de  espírito  de  cada 
professor,  a  estes  caracteres : 
3 


34 


A)  objectivo,  —  Apoiando-se  sempre  que  é  pos- 
sível na  análise  directa  das  fontes  e  indicando  constan- 
temente a  bibliografia  especial  do  assunto,  toma  mais 
a  feição  de  repensamento  de  determinado  processus 
lógico  a  que  o  professor  convida  os  seus  alunos,  do 
que  a  de  um  ensino  dogmático.  Não  se  dirige  tanto  a 
fornecer  uma  doutrina  feita,  como  a  iniciar  o  discípulo 
nos  processos  do  trabalho  scientífico.  E  antes  uma 
colaboração,  ou  talvez  iniciação,  que  a  exposição  cate- 
drática de  resultados.  Longe  de  atrofiar  a  iniciativa 
intelectual  do  aluno,  procura-se  despertá-la,  criando 
quanto  possivel  vocações  de  investigadores. 

B)  crítico.  —  A  crítica  exerce-se  em  dois  sentidos, 
segundo  o  assunto  e  o  professor,  quasi  sempre  simul- 
taneamente :  a  crítica  dos  documentos  e  a  crítica  dos 
factos.  Pela  primeira  estabelecem-se  os  factos,  pela 
segunda  julgam-se.  Entende  a  Faculdade  que,  posto 
deva  (  quanto  possa  )  excitar  vocações  de  investigadores 
pelo  exercício  da  crítica  heurística,  não  pode  renunciar 
a  uma  função  de  cultura,  que  não  será  plenamente 
realizada  sem  a  segunda  —  procurando  saber,  com- 
preender e  definir  o  sentido  da  evolução  histórica. 

C)  atualizado.  —  Basta  considerar  os  livros  citados 
nas  diversas  cadeiras  e  cursos,  e  os  esforços  na  organi- 
zação da  biblioteca  privativa.  Se  há  ensejo,  não  se 
desinteressa  tão  pouco  o  ensino  das  questões  que 
agitam  a  opinião :  haja  vista  as  lições  que  na  cadeira 
de  História  Medieval  foram  feitas,  durante  a  guerra, 
enaltecendo  as  conquistas  do  espírito  latino  nas  origens 
da  nossa  civilização  e  criticando  o  livro  pangermanista 


35 


de  Chamberlain,  La  génese  du  A7A'.*"''  siècle,  como 
consta  dos  registos  respectivos. 

Porque  o  ensino  da  História  tem  visado  a  ser  um 
ensino  superior,  não  há  razão  para  admirar  que  fique 
antes  intensivo  que  extensivo,  como  sucede  nas  Faculda- 
des de  Letras  das  Universidades  estrangeiras.  Fazer  um 
ensino  extensivo  na  Faculdade  seria  reeditar  inutilmente 
o  ensino  secundário,  com  o  inconveniente  de  ser  ainda 
mais . . .  superficial,  por  menos  largueza  de  tempo  :  em 
vez  de  se  criar  sciencia,  repetir-se  ia  sempre  a  anedocta 
histórica  (que  é  preciso  conhecer,  mas  em  que  se  não 
pôde  ficar) ;  não  se  educariam  possíveis  aprendizes  de 
historiadores  na  severa  disciplina  do  método  histórico, 
mas  cultivar-se-iam  superficiais  declamadores ;  o  profes- 
sor teria  que  esterilizar  as  suas  aptidões  de  criação 
pessoal  para  a  sacrificar  a  um  exclusivo  trabalho  de 
memória. 

O  material  de  ensino.  —  Que  o  espirito  do  ensino 
é  o  mais  moderno,  obedecendo  a  estes  caracteres 
apontados,  é  o  que  se  conclui  do  material  de  ensino, 
que  é  já  hoje  —  em  oito  anos  de  vida,  em  que  êle  foi 
criado  ao  mesmo  tempo  que  tudo  o  mais  !  —  único  no 
nosso  país.    Apontemos  sem  comentários  : 

a)  as  notáveis  colecções  de  mapas,  modelos  em 
relevo,  nomeadamente  a  reprodução  do  local  onde  se 
feriu  a  batalha  de  Aljubarrota,  etc. 

Z>)  o  amplo  salão  de  exercícios  de  investigação  histó- 
rica, dotado  com  todos  os  indispensáveis  utensílios  e 
comodidades,  anexo  ao  riquíssimo  Arquivo  da  Univer- 
sidade ; 


36 


c)  as  colecções  paleográficas  (história  do  alfabeto, 
evolução  ilustrada  das  diversas  escritas  nacionais,  quadro 
recentíssimo  representando  a  história  do  escudo  português 
e  brevemente  reproduções  numerosas  de  brasões  armo- 
riados )  que  ornam  as  paredes  da  sala  de  paleografia ; 

d)  a  galeria  epigráfica,  que,  não  sendo  ainda  o  que 
o  seu  organizador  quer  que  seja  —  todo  o  Portugal 
epigráfico  —  tem  merecido  os  rasgados  elogios  de 
Joaquim  de  Vasconcelos,  Leite  de  Vasconcelos,  David 
Lopes,  e  quantos  a  visitam ; 

e)  a  já  iniciada  (e  todavia  única  no  país)  colecção 
esfragística,  com  selos  nacionais  e  estrangeiros,  de 
cera,  chumbo  e  papel; 

/)  a  colecção  de  numisipática  romana  é  portuguesa, 
que  não  será  exagero  classificar  de  importante,  etc.  etc. 

Cs  exercícios  práticos.  —  Tem-se  realizado  todos  os 
géneros  de  exercícios  que  a  lei  orgânica  da  Faculdade 
ordena  —  e  estão  arquivados  os  escritos.  Na  cadeira 
de  História  de  Portugal  (que  mais  especialmente  se 
presta,  com  a  de  Paleografia)  estes  exercícios  tem  ver- 
sado trabalhos  originais  de  investigação  —  no  Arquivo 
da  Universidade  ou  de  história  local.  O  pensamento 
do  professor  é  o  de,  alem  de  formar  investigadores, 
reunir  os  materiais  da  história  da  Universidade  e  refor- 
mar a  nossa  história  local.  Por  parte  da  Arqueologia, 
algumas  visitas  a  monumentos  se  tem  promovido,  ape- 
sar de  todas  as  dificuldades  . . . 

O  trabalíw  realizado.  —  ^^  Poderá  exigir-se  que 
apresente  já,  neste  pequeno  decurso  de  tempo,  uma 
Faculdade  a  bem  dizer  ainda  em  formação,  uma  grande 


37 


lista  de  trabalhos  ?  E  todavia  a  Faculdade  de  Letras 
tem  todo  o  orgulho  em  dizer  ao  País  que  tem  realizado 
o  .  .  .  impossível.  Podem  citar-se  como  estudos  origi- 
nais: —  Do  Dr.  António  de  Vasconcelos,  os  já  publi- 
cados "na  Revista  da  Universidade,  a  saber : 

1)  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  (longo  estudo  bio- 
gráfico ) ; 

2)  Um  documento  precioso  (o  diploma  por  êle  des- 
coberto da  fundação  da  Universidade ) ; 

3)  Estabelecimento  primitivo  da  Universidade  em 
Coimbra ; 

4)  D.  Jorge  de  Almeida,  bispo  de  Coimbra,  2°  conde 
de  Arganil; 

5)  Visita  do  Marquês  de  Pombal  a  Universidade  de 
Coimbra ; 

6)  Origem  e  evolução  do  foro  académico  (publ.  no 
Boletim  da  Faculdade  de  Direito). 

—  Do  Dr.  Gonçalves  Cerejeira,  os  dois  volumes  de 
investigação  e  críticas  sobre  O  Renascimento  em  Por- 
tugal —  Clenardoy  e  no  Arquivo  da  Universidade  a  cata- 
logação das  Matriculas  a  ordens  (  entre  outros  trabalhos 
menores)  que  andavam  dispersas  e  alcançam  os  anos 
desde  1400  a  1657.  —  Dos  alunos,  em  via  de  próxima 
publicação,  trabalhos  de  investigação,  sobretudo  no 
Arquivo  da  Universidade,  por  exemplo :  o  mapa  esta- 
tístico da  frequência  da  Universidade,  entre  a  reforma 
joanina  (1537)  e  a  pombalina  (1772),  distribuída  em 
quinquénios  e  por  Faculdades ;  um  documentado  estudo 
sobre  o  Colégio  dos  Militares;  e  bastantes  monografias 
locais,  algumas  importantes. 


38 


O  assistente  de  Geografia  Amorim  Girão  (agora 
gravemente  doente)  tem  quasi  pronta  uma  memória 
de  arqueologia  pre-histórica  da  sua  região  de  Vouzela, 
que  tem  minuciosamente  explorado,  onde  com  riquíssi- 
mos dados  inéditos  p©r  ele  desenterrados,  se  revela 
incidentalmente  o  aproveitado  aluno  que  foi  da  Facul- 
dade, em  Epigrafia,  como  de  resto  no  mais . . . 

Acrescentemos,  apenas,  algumas  palavras  sobre  uma 
sciéncia  auxiliar  da  História  —  a  Arqueologia.  Nesta 
disciplina  tem-se  chamado  a  atenção  dos  alunos  para 
alguns  dos  mais  interessantes  capítulos  da  arqueologia 
grega:  evolução  das  formas  arquitetónicas  e  da  orna- 
mentação do  templo  grego,  desde  as  construções 
rudimentares  do  monte  Ocha  até  à  sumptuosidade  do 
Parthenon  ;  a  habitação  na  época  homérica  e  na  época 
histórica ;  palestras,  gimnásios,  ágoras,  hipódromos ;  o 
teatro ;  o  vestuário ;  o  mobiliário,  etc. 

V-SCIENCIAS  GEOGRÁFICAS.    [  Profs.  Ferraz  de  Carvalho 
e  Tamagnini;  Assistente  —  Girão], 

Dentro  duma  secção  com  a  historia,  a  geografia  tem 
tido  na  Faculdade  de  Letras  o  seu  ensino  organisado 
pela  forma  seguinte : 

a)  Geografia  física,  curso  semestral  da  Faculdade  de 
Sciencias.  E  regido  no  1.»  semestre  com  três  lições 
semanais  e  trabalhos  práticos  sob  a  direcção  dum  assis- 
tente de  sciencias  geológicas. 

b)  Geografia  geral,  cadeira  anual  com  duas  lições 
semanais. 


39 


c)  Geografia  política  e  económica,  cadeira  anual. 

d)  Geografia  de  Portugal  e  colónias,  cadeira  anual. 
Pela   reorganisação   de  julho   de  1918,  foi  creado  o 

curso   semestral   de   antropogrografia   geral,   que   ainda 

não  foi  aberto. 

* 

a)  A  frequência  do  curso  de  Geografia  física  é  de 
importância  fundamental.  Necessariamente  terá  que 
transformar-se  numa  cadeira  anual.  Do  seu  programa 
dependem  os  das  restantes  cadeiras. 

Embora  regido  no  primeiro  semestre  e  com  três 
lições  semanais,  o  tempo  é  demasiadamente  escasso 
para  que  se  percorra  o  programa  desenvolvendo  igual- 
mente as  suas  partes.  Dada  a  sua  importância  o 
professor  procura  em  cada  ano  percorrê-lo  todo,  esco- 
lhendo alguns  assuntos  para  exposição  mais  minuciosa. 
Merecem  em  geral  mais  atenção  os  estudos  de  clima- 
tologia, diastrofismo  e  erosão. 

No  curso  prático  os  alunos  fazem  exercicios  sobre 
coordenadas  geográficas  e  projecções ;  meteorologia 
e  climatologia;  geotectónica  e  morfologia.  O  Museu 
possue  já  algum  material  para  estes  exercicios :  atlas 
como  os  de  Bartholomew  e  Perthes,  colecções  de  cartas 
geográficas  e  geológicas,  as  folhas  da  carta  geral  dos 
oceanos  do  Museu  de  Mónaco ;  modelos  geotectónicos 
elementares,  colecção  de  modelos  representando  a  tectó- 
nica  e  as  formas  superficiais  de  certas  regiões  bem 
estudadas  de  Jura,  dos  Alpes,  etc,  fragmentos  do 
modelo  da  Suiça,  de  Perron,  modelos  do  Monte  Branco, 
de  grande  numero  de  regiões  vulcânicas  e  certo  número 


40 


de  modelos  de  regiões  portuguesas  executados  pelo 
pessoal  do  laboratório,  como  os  da  bacia  do  Mondego, 
incluindo  a  Serra  da  Estrela,  do  Maciço  do  Porto  de 
Moz  e  Serra  de  Aire,  etcJ    " 

Os  alunos  teem  feito  e  estudado  numerosos  perfis 
longitudinais  de  rios,  perfis  de  vales,  de  montanhas; 
e,  como  base  de  estudos  regionais,  teem  executado 
sobre  folhas  das  cartas  topográficas  portuguesas  mode- 
los, alguns  tão  perfeitos  que  não  ficam  mal  num  Museu. 

Para  grande  número  de  estudos  geográficos  é  intui- 
tiva a  utilidade  dos  modelos.  Sobre  ela  insiste  Davis 
nalguns  dos  seus  magistrais  Geographical  Essays. 


b)  Na  cadeira  de  Geografia  geral  completa-se  o 
estudo  analitico  do  curso  de  geografia  física  e  entra-se 
largamente  no  campo  das  sinteses  geográficas. 

Tendo  que  basear-se  os  estudos  sintéticos  na  paleo- 
geografia  é  indispensável  fazer  uma  exposição  elementar 
das  suas  conclusões  mais  importantes. 

As  linhas  fundamentais  da  fisionomia  terrestre  são 
dependentes  da  existência  de  grandes  regiões  deprimi- 
das, as  bacias  oceânicas  e  de  grandes  regiões  elevadas, 
os  planaltos  continentais.  Expõem-se  neste  lugar  as 
teorias  geomorfológicas  que  chamamos  gerais,  de  Elie 
de  Beaumont,  Lowthian  Green,  Ed.  Suess,  Lapworth. 

Tem-se  passado  depois  ao  estudo  dos  blocos  conti- 
nentais e  às  relações  diferentes  entre  eles  e  os  Oceanos 
Pacifico  e  Atlântico,  salientando  também  o  papel  des- 
empenhado pela  depressão  mesogea. 


41 


Faz-se  o  estudo  da  morfologia  e  morfogenia  terres- 
tre, baseando-o  na  consideração  dos  ciclos  geográficos. 
As  formas  terrestres  são  evolutivas,  podendo  agru- 
par-se  em  duas  grandes  categorias  os  agentes  da  sua 
evolução :  internos  —  diastrofismo  e  vulcanismo  j  exter- 
nos, agentes  da  erosão  tomada  no  sentido  geral.  Anali- 
sando-se  tipos  diversos  de  formas  e  respectiva  evolução, 
preparam-se  elementos  para  a  classificação  das  formas 
num  sistema  natural  como  o  de  Passarge. 

Faz-se  depois  aplicação  do  estudo  geral  ao  dos  blocos 
continentais,  dividindo-os  nos  seus  elementos  funda- 
mentais em  relação  com  a  estrutura  e  relevo. 


c)  Desde  os  primeiros  anos  que  o  estudo  da  Geogra- 
fia Política  e  Económica  se  tem  enquadrado  no  da 
Antropogeografia,  da  qual  se  tem  apresentado  os  dois 
aspectos :  estudo  das  influências  que  as  condições  natu- 
rais exercem  sobre  o  homem ;  estudo  da  acção  do 
homem  como  agente  modificador  da  superfície. 

A  Antropogeografia  de  Ratzel  e  especialmente  a 
obra  de  Jean  Brunhes  tem  sido  estudados  pelos  alunos, 
procurando-se  desenvolver  o  gosto  por  esse  novo  ramo 
de  estudos  geográficos  e  aproveitar  as  sugestõis  para 
um  grande  número  de  estudos  interessantes  de  geogra- 
fia  regional  portuguesa. 

Problemas  como  os  da  emigração  e  colonização,  as 
relaçõis  entre  o  Clima  e  a  civilização  e  a  actividade 
humana,  tem  sido  estudados  com  largueza. 


42 


Questõis  como  a  da  partilha  da  Africa  não  tem  sido 

esquecidas. 

* 

d)  Na  geografia  de  Portugal  foram  sempre  larga- 
mente estudadas  a  estrutura,  o  relevo  e  a  orogenia  de 
Portugal.  Os  alunos  tem  sido  levados  a  colaborar  no 
estudo  do  clima  de  Portugal,  tomando  como  base  os 
elementos  formados  pelos  poucos  observatórios  e  pos- 
tos meteorológicos  do  país. 

Os  rios  portugueses;  os  aspectos  dos  nossos  costas 

marítimas;  as  regiõis  naturais  de  Portugal  são  objecto 

de    número    razoável   de   liçõis.     Têm-se   estudado   um 

certo  número  de  questõis  de  geografia  humana,  como 

as  da  distribuição,  emigração,  de  exploração  agrícola  e 

mineira. 

* 

• 

O  professor  tem  sempre  combatido  a  união  da  Geo- 
grafia com  a  História  constituindo  ambas  uma  das 
secçõis  da  Faculdade.  Mesmo  na  última  reorganização 
ficou  o  grupo  de  geografia  apenas  com  três  cadeiras  e 
um  curso,  enquanto  o  grupo  de  história  tem  cinco 
cadeiras,   das   quais  uma   bienal,   e   oito   cursos. 

Os  alunos  são  absorvidos  pelos  estudos  históricos, 
para  os  quais  trazem  preparação  dos  cursos  secundários 
e  abandonam  o  estudo  da  geografia,  para  a  qual 
poderão  trazer  apenas  a  preparaçp.o  em  sciencias  físicas 
e  naturais  que  corresponde  ao  curso  geral  dos  liceus. 

São  evidentes  as  relações  entre  a  geografia  c  a  his- 
tória,   mas   (será   preciso    repetir  as   frases   de   Davis) 


43 


«  relaçõis  da  mesma  ordem  tem  a  botânica  e  a  medi- 
cina ».  ^  «  Pode  o  botânico  contentar-se  com  ensinar  a 
sua  sciéncia  ou  os  elementos  dela  limitando-se  ao  que 
basta  saber  a  um  herbanário  ou  a  um  médico  ?  »  «  Pode 
um  geógrafo  contentar-se  com  a  exposição  da  sua 
sciéncia,  tão  breve  quanto  seja  suficiente  para  atender 
ás  conexões  com  a  história  ?  » 

E  preciso  que  se  faça  o  ensino  da  geografia  como 
geografia. 

Assim  feito  não  pode  aproveitar,  nas  condições 
actuais  de  recrutamento  de  alunos,  senão  àqueles  que 
devotadamente  consigam  suprir  a  deficiência  dos  seus 
estudos  secundários  de  sciéncias  físicas  e  naturais. 

Para  atenuar  os  efeitos  dessa  deficiência,  em  relação 
á  mineralogia  e  geologia,  quasi  sempre  mesmo  com- 
pleta ignorância,  vê-se  anualmente  o  professor  obri- 
gado nas  cadeiras  de  geografia  geral  ou  geografia  de 
Portugal  a  sacrificar  grande  número  de  liçõis,  minis- 
trando os  elementos  daquelas  sciéncias.  Por  seu  lado 
os  assistentes  de  sciéncias  e  letras  tem  que  mostrar  aos 
alunos  exemplares  dos  minerais  e  rochas  mais  vulgares, 
mas  que  de  todo  desconhecem. 

Daqui  resulta  ser  raro  o  aluno  que  estuda  geografia 
como  deve  fazel-o.  Poucos  se  apresentam  regular- 
mente, nos  seus  exames,  poucos  executam  exercícios 
dignos  de  louvores.  Por  dificiéncias  do  ensino,  certa- 
mente, mas  também  como  consequência  da  ligação  com 
os  estudos  históricos,  de  índole  diversa,  exigindo  uma 
preparação  diferente.  Os  estudos  históricos  e  geo- 
gráficos  conduzem   por  caminhos   que   num  ou  noutro 


44 


ponto  se  encontram,  mas  na  maior  extensão  considera- 
velmente se  afastam. 

Curso  de  Etnologia.  —  Começamos  naturalmente 
por  acentuar  o  caracter  essencialmente  histórico-natural 
desta  disciplina,  e  por  conseguinte  o  largo  emprego 
que  noá  estudos  etnológicos  se  faz  do  chamado  método 
comparativo. 

Afirmamos,  e  fazemos  a  demonstração  que  a  Etno- 
logia é  um  ramo  da  Antropologia,  cujo  objecto  é 
«  o  estudo  de  todos  os  problemas  que  se  referem  às 
relaçõis  recíprocas  entre  as  diferentes  raças  humanas, 
consideradas  tanto  sob  o  ponto  de  vista  físico  como 
mental  ». 

Como  a  preparação  naturalística  dos  alunos  é  mais 
do  que  insuficiente  ( apenas  o  5.o  ano  do  curso  liceal ) 
insistimos  sobre  as  noçõis  de  espécie,  raça  e  variedade, 
de  modo  que  no  seu  espírito  fique  perfeitamente 
radicada  a  significação  exacta  destes  termos. 

O  problema  da  evolução  humana  constitue  o  objecto 
fundamental  do  ensino ;  o  homem,  como  os  outros 
animais,  teve  uma  evolução  física  e  mental ;  sam 
analisadas  minuciosamente  as  provas  morfológicas, 
paleontológicas  e  arqueológicas  dessa  evolução,  e 
estabelecido  O  esquema  da  genealogia  humana,  fazendo, 
sempre  que  é  possível,  intervir  todos  os  elementos 
conhecidos  referentes  à  península  ibérica. 

Passando  do  ponto  de  vista  his*^órico,  para  a  consi- 
deração dos  problemas  respeitantes  à  actualidade  étnica, 
abordamos  largamente  a  classificação  das  raças  huma- 
nas, com  o  auxílio  dos  critérios  morfológico  e  linguís- 


45 


tico,  determinando  simultaneamente  as  relaçõis  recí- 
procas, tanto  sob  o  ponto  de  vista  físico  como  mental, 
que  existem  entre  os  diferentes  elementos  étnicos  que 
é  possível  caracterizar  com  nitidez. 

Habilitamos  assim  os  alunos  a  formarem  um  juizo 
seguro  àcêrca  do  valor  intrínseco  dos  vários  agrupa- 
mentos étnicos  existentes,  e  a  poderem  apreciar  e 
prever  o  futuro  a  que  naturalmente  estam  condenados. 

As  liçõis  teóricas  sam  sempre  acompanhadas  das 
respectivas  práticas  laboratoriais,  onde  os  alunos  se 
iniciam  nos  métodos  e  técnica  seguidos  na  observação 
e  estudo  dos  caracteres  físicos  mais  importantes  para  a 
Etnologia. 

VI  -  SCIÉNCIAS  FILOSÓFICAS.    [  Prof.  -  Alves  dos  Santos; 
Assistente  —  Joaquim  de  Carvalho  ]. 

O  ensino  da  filosofia  não  teve  nunca  um  carácter 
confessional  ou  livresco.  O  prof.  e  o  assistente  desta 
secção,  quaisquer  que  fossem  as  suas  opiniõis  —  e  não 
são  escolásticas,  como  o  provam  os  seus  trabalhos, 
incutiram  sempre  aos  alunos  a  mais  ampla  e  criadora 
liberdade,  curando  mais  de  lhes  despertar  o  filosofar 
que  sugerir  propriamente  uma  filosofia,  exigindo-lhes 
apenas  probidade  intelectual.  A  oposição  das  teorias  e 
dos  sistemas  era  desenvolvidamente  exposta,  precisa- 
mente para  que  o  aluno,  apercebendo-se  da  relatividade 
e  variabilidade  dos  problemas  filosóficos  e  das  suas 
soluçõis,  atingisse  com  plena  independência  mental  essa 
desobstrução  do  espírito,  que  é  a  dúvida  metódica,  e  em 


46 


vez  da  satisfação  do  saber  possuísse  a  actividade  viril 
do  duvidar,  corrigir  e  avançar  o  já  sabido.  Por  isso  a 
iniciação  nos  métodos  de  investigação  e  correção,  as 
leituras  e  comentários  de  textos  tinham  um  tão  grande 
logar  na  actividade  docente  desta  secção.  São  do  prof. 
de  Psicologia,  ao  tomar  conta  desta  cadeira,  as  seguin- 
tes palavras :  «...  Direi  que,  tanto  na  orientação  do 
ensino,  que  se  professa  nas  aulas,  como  nas  investiga- 
çõis,  que  se  realizam  no  laboratório,  o  fim  que,  d'ora 
avante,  me  proporei,  consistirá  menos  em  subministrar 
a  sciência  feita,  facilmente  assimilável  pela  leitura  dos 
livros,  do  que  em  iniciar  os  meus  alunos  nos  métodos 
scientíficoSy  de  cuja  aplicação  dependem  os  progressos 
da  psicologia. 

Nesse  intuito,  tenho  resolvido  empreender,  desde  já, 
por  uma  forma  que  possa  aproveitar  ao  maior  número, 
uma  série  de  trabalhos  práticos,  que  sejam  de  natureza 
a  criar  ou  a  desinvolver  faculdades  de  iniciativa  e  de 
espontaneidade  intelectual,  e  a  habituar  os  que  estudam 
a  esse  esforço  obstinado,  sem  o  qual  nenhuma  desco- 
berta é  possivel  no  terreno  da  sciência  »  (1). 

Oito  anos  de  magistério  não  desmentem  estas  pala- 
vras :  nas  aulas  teóricas,  ausência  de  dogmatismo  e  de 
um  compêndio  para  o  exame ;  nas  aulas  práticas,  no 
laboratório  de  psicologia,  demonstração  e  iniciação  nos 


(1)  Cf.  Alves  dos  Santos,  Psicologia  e  Pedologia,  (Uma  missão  de 
estudo  no  estranjeiro  ),  in  Revista  da  Universidade  de  Coimbra,  vol.  11, 
n.o  1,  e  reproduzido  in  O  ensino  primário  em  Portugal,  (Porto,  1913) 
do  mesmo  Prof. 


47 


processos  scientíficos.  Se  nem  todos  os  trabalhos  dos 
alunos  tem  valor  scientífico,  alguns  há  dignos  de  consi- 
deração, acusando  um  processo  de  ensino  e  o  esforço 
dum  professor  (1). 

Nos  outros  cursos  da  secção,  na  medida  do  possível, 
a  mesma  atitude. 

Em  lógica,  nenhum  formalismo,  e  em  vez  de  súmulas, 
medievais  ou  modernas,  os  inquietantes  e  sugestivos 
problemas  do  conhecimento,  ensinados  não  só  como 
esfera  particular  da  especulação  filosófica,  mas  como 
complemento  dos  estudos  de  psicologia. 

Em  Moral,  dada  a  pequena  duração  do  curso,  versa- 
va-se  sobretudo  o  problema  da  obrigação  moral,  com- 
prazendo-se  o  Prof.  em  solicitar  a  actividade  dos  alunos 
para  uma  solução  pessoal  ou  a  adesão  consciente  a  um 
sistema,  patenteando-lhes  o  valor  cultural  e  humano  dos 
problemas  éticos  e  a  sua  importância  na  democracia 
portuguesa,  dentre  outros  motivos,  pela  separação  do 
estado  e  das  confissões  religiosas. 

Nas  aulas  práticas  comentava-se  Kant  e  Guyau,  tes- 
temunhando a  probidade  e  o  espírito  que  as  orientava 
os  trabalhos  de  dois  alunos  em  anos  diversos :  um,  tra- 
duzindo do  original  os  Fundamentos  da  Metafísica  dos 
Costumes,  do  filósofo  de  Koenigsberg ;  outro,  o  comen- 


(1)  Vid.  o  relatório  do  antigo  aluno  A.  Freire  de  Matos  sobre  a 
Medida  da  atenção,  por  meio  dos  tempos  de  reacção,  pub.  in  Revista 
da  Universidade  de  Coimbra,  vol.  IV,  n.o»  2-3.  Aqueles  trabalhos  tem 
versado  principalmente  sobre  psicologia  quantitativa  e  em  especial 
sobre  a  sensibilidade  táctil,  atenção,  memória  e  trabalho  mental. 


48 


tário  de  Buchenau  —  A  doutrina  kantiana  sobre  o 
imperativo   categórico. 

Na  História  da  Filosofia,  expunham-se  os  problemas 
filosóficos  na  sua  origem  e  evolução,  familiarizando-se 
paralelamente  os  alunos  com  os  textos,  considerados, 
não  como  fósseis,  mas  como  estádios  vivos  do  pensa- 
mento humano. 

Na  filosofia  helénica,  comentaram-se,  em  face  do 
próprio  original  grego,  alguns  fragmentos  dos  ante- 
Socráticos;  e  inquiriu-se  da  leitura  e  entendimento  do 
Fédon,  Apologia  de  Sócrates,  etc,  de  Platão. 

Na  filosofia  medieval,  estudaram-se  em  particular  as 
origens  da  escolástica  e  as  suas  primeiras  manifes- 
taçõis,  comentando-se  S.  Justino,  Origenes,  Alcuino  e 
Escoto  Erigena ;  e  na  história  da  filosofia  moderna, 
expos-se  largamente  o  período  do  renascimento,  um 
poíico  por  método,  muito  pela  ampla  lição  de  huma- 
nidade e  de  actividade  pessoal,  que  colhe  quem  entra 
no  seu  convívio.  Ultima  cadeira  do  curso  filosófico, 
em  vez  de  se  expor  o  seu  objecto  em  extensão, 
estudava-se  de  preferência  um  período  ou  um  filósofo, 
para  que  os  alunos  apreendessem  integralmente  e  sob 
todos  os  aspectos  um  sistema  filosófico,  e  na  sua 
intimidade  colhessem  uma  lição  viva  do  que  é  e  repre- 
senta para  o  homem  a  filosofia.  Descartes  foi,  por  exce- 
lência, o  filósofo  comentado ;  e  do  espírito  de  iniciativa 
que  alguns  alunos  acusaram  rez?  a  tradução  colectiva 
dos  Principios  do  conhecinienio  humano,  de  Berkeley. 

Será  isto  fossilizar  o  pensamento,  escolastizar  o 
espírito,  fazer  apenas  erudição  livresca? 


49 


Não.  A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra,  professando  a  existência  duma  sciéncia  das 
letras,  de  par  que  inicia  os  seus  alunos  no  estudo 
crítico  da  letra  e  do  espírito  dos  textos,  qualquer 
que  seja  o  seu  conteúdo,  procura  igualmente  des- 
pertá-los para  a  cultura,  aspirando  que,  na  medida 
das  suas  qualidades  pessoais,  uns  criem,  outros  saibam, 
mas  que  todos  trabalhem  com  proba  austeridade. 
Todos  os  seus  professores  e  assistentes,  na  sua  acti- 
vidade docente,  tem  o  orgulho  de  só  confiarem  na 
razão,  de  poderem  atingir  verdades  úteis  no  domínio 
das  sciéncias  morais  e  de  contribuírem  para  a  verda- 
deira democratização  da  cultura,  elevando  as  inteli- 
gências médias,  sem  deniinuir  a  elite. 


XII 

Material  de  ensino  e  instalaçõis 
da  Faculdade 

A  Faculdade  funciona  desde  a  sua  criação  num 
espírito  de  desenvolvimento  e  de  progresso,  que  se 
acentua  diá  a  dia.  Ainda  até  hoje  nela  se  não  fez  uma 
só  lição,  de  que  não  ficasse  o  respectivo  registo  — 
muito  rápido,  é  claro,  muito  simples,  mas  o  suficiente 
para  se  ficar  sabendo  o  que  constituio  o  objecto  da 
lição  em  qualquer  dia  lectivo.  Acabada  a  aula  o  Pro- 
4 


50 


fessor  redige  imediatamente  o  seu  boletim,  que  é  trans- 
crito para  um  Livro-registo,  facultado  aos  alunos,  sempre 
que  o  desejam,  sendo  os  originais  arquivados  cuidado- 
samente. 

Para  conhecimento  do  público  vão  oportunamente 
imprimir-se  os  sumários  do  último  ano  lectivo. 

As  liçõis  dos  Professores  sam  dadas  em  salas 
amplas,  arejadas,  providas  de  excelente  material  peda- 
gógico, mobiladas  confortavelmente  e  elegantemente 
segundo  um  plano,  que  nacionais  e  estrangeiros,  que 
as  visitam,  sam  unânimes  em  elogiar.  Merecem  refe- 
rências especiais  a  sala  de  História,  com  a  sua  soberba 
colecção  de  mapas,  o  seu  enorme  globo,  único  talvez 
em  Portugal ;  o  salão  anexo  ao  rico  Arquivo  da  Uni- 
versidade, onde  trabalham  os  alunos  de  História^ de 
Portugal,  e  os  de  Paleografia  Diplomática ;  as  colecçõis 
de  Epigrafia,  de  Esfragistica  e  de  Numismática,  orga- 
nizadas umas,  outras  em  via  de  organização ;  o  Labora- 
tório de  Psicologia,  já  funcionando  há  anos  debaixo  da 
direcção  do  Prof.  Alves  dos  Santos,  onde  alguns 
aparelhos,  do  mais  perfeito  acabamento,  servem  ás 
experiências  de  Psicologia  experimental  dos  alunos,  sob 
a  direcção  do  respectivo  Professor. 

A  Faculdade  pôde  orgulhar-se  da  sua  Biblioteca,  do 
que  ela  é  materialmente  como  instalação,  e  do  que  é, 
por  dentro,  como  instrumento  e  auxiliar  de  saber. 

E  amplo  o  salão  onde  a  Biblioteca  do  antigo  Colégio 
universitário  de  S.  Pedro  foi  instalada  com  todo  o  cui- 


51 


dado,  de  modo  a  nada  alterar  à  sua  fisionomia  típica  e 
privativa,  tal  qual  se  fez  na  nossa  Biblioteca  Nacional 
de  Lisboa  à  Livraria  do  Varatojo.  Esta  Biblioteca  é  rica 
em  livros  de  Direito^  nos  de  História  geral  e  eclesiástica, 
de  Literatura,  possue  alguns  incunábulos,  esplêndidas 
ediçõis  de  autores  portugueses,  como  D.  António  Cae- 
tano de  Sousa,  e  de  estranjeiros,  como  uma  edição  das 
obras  latinas  de  Petrarca,  raríssima,  a  Enciclopédia  do 
sec.  XVIII,  etc. 

A  este  fundo  acresceu  modernamente  por  herança 
da  Faculdade  de  Teologia,  a  colecção  completa  e 
integral  da  Patrologia  Migne,  a  Grega  e  a  Latina,  que 
faz  o  orgulho  de  qualquer  Biblioteca  do  mundo,  e 
que  supomos  ser,  tan^bém,  como  está,  única  no  nosso 
País. 

Mas  estes  livros,  aliás  prestando  ótimos  serviços, 
não  seriam  quase  nada  para  nós,  restritos  no  seu 
âmbito  como  sam.  Precisavam-se  livros  novos,  moder- 
nos, que  preenchessem  as  lacunas  necessariamente 
existentes.  Nessa  tarefa  andamos.  Pouco  a  pouco,  sob 
o  melhor  critério,  a  biblioteca  vai-se  desenvolvendo  em 
duas  novas  salas.  Acudio  às  mais  urgentes  necessida- 
des a  acquisição  por  compra  da  pequena,  mas  selecta, 
livraria  do  falecido  Prof.  Carlos  de  Mesquita.  Foi  um 
núcleo  de  livros  ingleses  e  alemãis,  que  melhor  se  apre- 
ciaram ,  quanto  mais  dificilmente  se  poderiam  obter 
durante  o  conflito  europeo. 

Algumas  das  secçõis  da  Faculdade  teem  Bibliotecas 
privativas,  por  exemplo,  a  de  Sciéncias  filosóficas,  que 
já  possue  um  núcleo  de  espécies  apreciáveis. 


52 


Todos  os  livros  estão  cuidadosamente  catalogados, 
quer  os  modernos,  quer  os  antigo^,  num  tríplice  Catá- 
logo, que  demonstra  o  carinho  com  que  esta  particula- 
ridade da  vida  da  Faculdade,  aliás  essencial,  é  amoro- 
samente tratada. 

Teem  assim  professores  e  alunos  alguns  milhares  de 
volumes  à  sua  disposição. 

Na  sala  de  leitura  exclusivamente  destinada  ás  senho- 
ras que  frequentam  a  Faculdade  há  também,  seleccio- 
nada, uma  pequena  colecção  de  livros,  -nacionais  e 
estranjeiros,  que  nos  intervalos  das  aulas  e  durante  o 
tempo  em  que  a  Faculdade  está  aberta,  servem  para 
uma  leitura,  já  útil,  já  meramente  recreativa. 

As  obras  do  edifício,  que  progridem  lentamente,  não 
deram  ainda  ensanchas  para  se  preparar  sala  idêntica 
para  os  alunos.  E  questão  de  tempo,  que  não  vem 
longe.  Aí  se  instalará  também  uma  Biblioteca  privativa. 
No  grande  salão  de  Museu,  que  funcionará  sob  a  luz 
ampla  coada  através  dos  vitrais,  obra  de  A.  A.  Gon- 
çalves, dominarão  as  reproduçõis  de  tudo  que  constitue, 
nos  Institutos  similares  aos  nossos,  as  obras  de  Beleza, 
como  temas  de  estudo. 

E  começava  a  formar-se  a  galeria  dos  grandes  génios 
da  Literatura  nacional,  já  iniciada,  nas  telas  de  Sá  de 
Miranda  e  de  Damião  de  Góes,  devidas  ao  pincel  de 
António  Carneiro. 


53 


XIII 
Concluindo 

Chegfado  ao  fim  desta  rápida  exposição,  todo  o  espí- 
rito bem  formado  formulará  algumas  presuntas :  — 
porque  foi  toda  esta  perturbação,  que  alterou  tam 
profundamente  a  serenidade  da  vida  escolar  portuguesa  ? 
Quem  é  o  responsável  desta  agitação,  sem  exemplo 
entre  nós,  num  período  em  que  tanto  se  precisava  de 
tranquilidade,  de  paz,  e  de  amor  ao  trabalho  e  às  respec- 
tivas profissõis  de  cada  um  ? 

Acaso  a  Faculdade  de  Letras  cometeu  algum  delito 
contra  as  leis  do  País?  contra  a  ordem  social?  contra 
o  regime  e  os  governos  da  Nação?  Instigou  à  revolta? 
Deixou  a  sua  missão  de  obreira  da  Sciéncia,  para  se 
transformar  numa  taiba  de  malfeitores  ?  Que  fez  a 
Faculdade  ?  Absolutamente  nada,  que  explique  tal 
movimento,   como  se  acaba  de  vêr. 

A  sua  correcção  em  tudo  é  absoluta.  Aconteceu-lhe 
pura  e  simplesmente  o  mesmo  que  ao  viajante,  surpreen- 
dido no  ardor  do  seu  caminhar  por  alcateia  faminta  de 
lobos  vorazes. 

E  a  onda  dos  incompetentes,  que  avança.  E  a  vasa, 
é  o  ódio.  A  Universidade  de  Coimbra  faz  medo,  assom- 
bra, irrita.    Chamam-lhe  reaccionária,  jesuítica ! . . .    Não  I 


54 


Não!  O  que  a  Universidade  de  Coimbra  é  —  vê-o 
bem  quem  olhar  por  cima  da  alcateia  das  feras  ululantes 
—  um  grande  Instituto,  onde  a  par  da  Sciéncia,  se  presta 
culto  à  Honra,  ao  Dever,  à  Consciência  e  à  Moral. 
Falam  em  nome  da  liberdade  os  que  a  atacam.  Mas 
sam  eles  os  déspotas,  eles  é  que  sam  os  prevaricadores 
da  Ordem  e  da  Justiça.  A  Universidade  honrou-se  sem- 
pre com  a  convivência  dos  espíritos  mais  notáveis 
através  de  toda  a  história  de  Portugal.  Será  uma 
grande  sombra  do  Passado  ?  Será.  Mas  que  diga  a 
própria  história  contemporânea,  que  diga  onde  foram 
educados  os  homens  que  se  tornaram  os  arautos  das 
novas  formas  de  governar  —  a  principiar  nos  próprios 
Presidentes  da  República... 

E  a  essa  Escola  gloriosa  de  Coimbra,  que  pertence- 
mos. Este  o  nosso  orgulho,  de  que  ninguém,  com 
direito,  nos  esbulhará. 

Com  direito,  oiçam  bem ! 

Há  leis  neste  país,  há  tribunais,  há  juizes.  Se  querem 
demitir-nos,  hão-de  averiguar  primeiro  dos  nossos  actos. 

Venha  o  inquérito !  interroguem  bem,  esquadrinhem 
bem,  chamem  testemunhas,  inquiram,  analisem. 

Temos  livros  —  leiam-nos ! 

Somos  velhos  no  ensino  —  prescrutem  as  nossas 
liçõis ! 

Inquérito !  Há  leis  disciplinares  para  todos  os  fun- 
cionários, apliquem-no-las. 

Não  pedimos  favoritismos,  nem  queremos  excepçõis. 
Não  nos  aplicar  leis  que  se  aplicam  até  a  criminosos 
comuns,    isto   é   que   não   pode   ser,   porque   acima   do 


55 


rancor  mesquinho  dos  que  se  arvoram  em  déspotas,  há 
a  consciência  g^eral  do  Pais,  que  está  do  nosso  lado,  e 
não  se  consentiria  essa  prepotência  sem  nome. 

Hão-de  sumir-se  no  pó  do  nada  e  do  esquecimento, 
os  vaidosos,  os  petulantes,  os  odientos.  A  Universidade 
ficará,  sobranceira,  indene,  acrescida  da  força  moral 
desta  luta.  E  ficará,  porque  está  com  o  espírito  da 
Nação,  com  o  Povo,  que  vê  nela  um  dos  seus  títulos 
de  grandeza,  e  com  a  Raça,  que  se  santifica  com  o 
trabalho  honesto  e  abomina  os  falsos  políticos  e  os 
aventureiros. 

Nascida  na  g-loriosa  era  medieva,  afrontou  de  plena 
luz  o  Renascimento,  atravessou  o  crepúsculo  castelhano, 
as  invasõis,  as  lutas  civis.  Não  lhe  faltaram  inimigos, 
através  da  história.    Mas . . .  passaram  I 

Se  os  Tebanos .  atravessassem  o  istmo,  destruiriam 
Esparta, 

—  Se...,  respondeu    o   Lacedemónio  lacònicamente. 

Se  estes  homens  conseguissem  subverter  a  Naciona- 
lidade, destruiriam  a  Universidade  de  Coimbra. 

-  Se... 

respondemos  nós. 


Apênòices 


Apênòice  l; 


*' Curricula  vitae"  dos  Professores 
e  Assistentes 


A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra 

tem    actualmente    no   seu  corpo   docente   os  seguintes 

Professores    e    Assistentes    encarregados    de    regência, 

♦  cujo   curriculum   vitae   apresentamos,   reduzido   ás  suas 

linhas  essenciais,  para  elucidação  do  País : 


Dr.  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos.  — 

Nasceu  em  S.  Paio  de  Gramaços,  concelho  de  Oliveira 
do  Hospital,  a  1  de  junho  de  1860.  Matriculou-se  no 
l.o  ano  da  Faculdade  de  Teologia  em  outubro  de  1878; 
tendo  perdido  o  ano  por  doença,  abriu  nova  matrícula 
em  1879,  e  fez  a  sua  formatura  em  junho  de  1884. 
O  curso  teològico-jurídico,  de  que  fez  parte,  era  excepcio- 
nalmente distinto,  deixando  na  Universidade  tradições 
gloriosas.  Muitos  dos  seus  alunos  teem  ocupado  e 
ocupam    com    brilho    elevadas    posições  sociais.     Dele 


• 


(4) 


saíram  para  o  professorado  universitário  quatro  douto- 
res:  António  de  Vasconcelos,  Francisco  Martins,  e 
Porfírio  da  Silva  para  a  Faculdade  de  Teolog-ia ; 
Manoel  Dias  da  Silva  para  a  de  Direito.  Obteve 
durante  o  curso  o  doutor  Vasconcelos  o  segundo 
prémio  no  l.o  ano,  as  honras  de  Accessit  no  2.o  ano, 
e  o  primeiro  prémio  nos  três  anos  restantes.  Fez 
exame  de  licenciatura  e  recebeu  o  respectivo  grau  a 
21  de  fevereiro  de  1885 ;  teve  o  acto  de  conclusões 
magnas  a  12  de  maio  de  1886,  realizando-se  a  soleni- 
dade do  doutoramento  a  27  de  junho  seguinte ;  obteve 
a  classificação  de  muito  bom  com  18  valores. 

Despachado  lente  substituto  a  26  de  maio  de  1887, 
tomou  posse  a  1  de  junho,  e  foi  promovido  a  catedrá- 
tico a  11  do  mesmo  mês.  Desde  o  dia  da  sua  posse 
de  substituto,  regeu  sucessivamente  várias  cadeiras, 
vindo  por  fim  a  fixar-se  na  primeira  de  Estudos  bíblicos, 
(Isagoge  e  Arqueologia),  em  que  se  conservou  até  à 
extinção  da  Faculdade  de  Teologia. 

Criada  pelo  Governo  provisório  da  República  uma 
Faculdade  de  Letras  na  Universidade  de  Coimbra  por 
Decreto  com  força  de  lei  de  19  de  abril  de  1911,  nela 
foi  colocado  o  doutor  Vasconcelos  como  professor 
ordinário  por  Decreto  de  17  de  junho  do  mesmo  ano. 
Na  sessão  inaugural  do  Conselho  da  nova  Faculdade, 
a  29  de  julho,  foi  eleito  director  por  um  triénio,  sendo 
esta  eleição  confirmada  pelo  Governo  a  4  de  novembro 
seguinte.  Reeleito  duas  vezes,  a  20  de  julho  de  1914 
e  a  21  de  junho  de  1917,  tem  dirigido  ininterrupta- 
mente a  Faculdade. 


(5.) 


Reg^eu  a  princípio  as  cadeiras  de  Filologia  portuguesa, 
e  de  História  antiga ;  actualmente  rege  História  de 
Portugal,  e  os  cursos  de  Epigrafia,  Paleografia  e 
Diplomática. 

Nos  termos  da  lei  foi-lhe  conferido  o  grau  de 
doutor  em  Letras  (secções  de  Filologia  românica,  e 
de  Sciéncias  históricas  e  geográficas)  a  1  de  julho 
de  1916. 

Em  1897  foi  encarregado,  por  Despacho  ministerial 
de  21  de  maio,  de  organizar  o  Arquivo  da  Universi- 
dade e  proceder  à  sua  catalogação.  Pelo  Decreto 
n.o  4  de  24  de  dezembro  de  1901,  art.os  155-160  foi  o 
Arquivo,  então  já  organizado,  elevado  à  categoria  de 
estabelecimento  universitário.  Pouco  depois  o  Decreto 
de  6  de  maio  de  1902  nomeou-o  seu  director. 

Tem-lhe  sido  cometidas  por  vários  Governos  algumas 
comissões  especiais  de  serviço  de  instrução,  cheias  de 
dificuldades  e  de  melindres. 

Por  duas  vezes  foi  reitor  do  Liceu  central  de 
Coimbra,  em  circunstâncias  bastante  difíceis ;  e  os 
serviços   que  ali  prestou,  ainda  não  foram  esquecidos. 

E  sócio  correspondente  da  Academia  das  Sciéncias  de 
Lisboa,  da  Real  Academia  de  la  História  de  Madrid,  e 
de  outros  institutos  scientíficos. 

O  doutor  António  de  Vasconcelos,  além  da  sua 
variada  cooperação  em  revistas  literárias  do  país  e  do 
estrangeiro,  tem  publicado  numerosas  monografias, 
memórias  e  estudos,  destacando  as  obras  seguintes : 

—  De  divortio,  quatenus  sociali  progressui  adversatur 
(Dissertação  para  o  doutoramento)  —  Coimbra,  1886. 


(6) 


—  Pluralização  da  linguagem  (Dissertação  de  con- 
curso) —  Coimbra,  1887. 

—  Faculdades  de  Teologia.  —  Coimbra,  1890. 

—  D.  Isabel  de  Aragão  (Estudo  de  investigação 
histórica,  em  2  volumes  com  estampas)  —  Coimbra, 
1894. 

—  Viriatho  (Um  capítulo  da  história  da  Lusitânia)  — 
Coimbra,  1894. 

—  Ayres  de  Campos  (Elogio  histórico  de  um  bene- 
mérito; com  um  retrato)  —  Coimbra,  1895. 

—  Francisco  Suárez  —  Doctor  eximias  (Comemora- 
ção tricentenária  da  incorporação  do  grande  mestre  no 
professorado  da  Universidade  de  Coimbra,  com  dois 
retratos  e  numerosos  fac-similes).  —  Coimbra,  1897. 

—  Gramática  portuguesa  —  Paris,  1899. 

—  Gramática  histórica  da  língua  portuguesa  —  Paris, 
1900. 

—  Universidade  de  Coimbra.  —  Alguns  documentos 
do  Arquivo  —  Coimbra,  1901. 

—  Notas  e  dados  estatísticos  para  a  história  da 
Universidade  de  Coimbra  —  Coimbra,  1901. 

—  Real  Capela  da  Universidade  (Apontamentos  e 
notas  para  a  sua  história;  1  vol.  com  estampas)  — 
Coimbra,  1908. 

—  Nota  chronològico-bibliográfica  das  Constituições 
diocesanas  portuguesas  (com  2  estampas)  —  Coimbra, 
1911. 

—  Faculdades  de  Letras  (Lição  inaugural  na  aber- 
tura solene  da  Universidade  de  Coimbra)  —  Coimbra, 
1912. 


(7) 


—  Um  documento  precioso  (Notícia  e  descrição  do 
diploma  original  de  fundação  da  Universidade  portu- 
guesa em  1290;  com  estampas)  —  Coimbra,  1912. 

—  Estabelecimento  primitivo  da  Universidade  em  Coim- 
bra (com  estampas)  —  Coimbra,  1912. 

— '  D.  Jorge  de  Almeida  (Alguns  apontamentos  para 
a  sua  biografia;  com  estampas)  —  Coimbra,  1916. 

—  Reinos  cristãos  da  península  hispânica  (Tabela 
cronológica)  —  Coimbra,  1917. 

—  Origem  e  evolução  do  foro  académico  privativo  da 
antiga  Universidade  portuguesa  —  Coimbra,  1917. 

—  Brás  Garcia  de  Mascarenhas  ( Estudo  de  inves- 
tigação histórica,  em  2  volumes,  com  estampas)  — 
Coimbra,  no  prelo. 


Dr.   J.    Mendes   dos   Remédios.  —  Nasceu  em 

1867.  l.a  matricula  na  Universidade  1888-1889.  Licen- 
ciado a  15  de  fevereiro  de  1894.  Acto  de  Conclusões 
Magnas  a  6  e  7  de  março  de  1895.  Doutoramento  a 
28  de  abril  de  1895.  Concurso  em  Dezembro  de  1895. 
Despacho  de  Professor  a  4  de  janeiro  de  1896.  Director 
da  Biblioteca  da  Universidade  desde  1900  até  1913. 
Reitor  eleito  da  Universidade  desde  1911  até  1913. 
2.a  vez  Reitor  eleito  desde  março  de  1918  até  20  de 
maio  de  1919.  Bibliotecário  da  Faculdade  de  Letras, 
desde  29  de  julho  de  1911.  Vogal  eleito  do  Conselho 
Superior  de  Instrução  Pública,  como  representante  das 
Faculdades  de  Letras  de  Coimbra  e  de  Lisboa,  desde  1 


(8) 


de  julho  de  1913;  Secretário  do  Conselho  de  Arte  e  de 
Arqueologia  da  2.a  Circunscrição,  onde  publicou  a 
Exposição  dirigida  pelo  Conselho  de  Arte  e  Arqueologia 
de  Coimbra  á  Camará  Municipal  sobre  a  Quinta  de 
Santa  Cruz  (1913). 

Dirige  desde  1898  a  colecção  Subsídios  para  o  estudo 
da  Historia  da  Literatura  Portuguesa,  atualmente  com 
21  volumes  publicados.  O  l.o  vol.  da  Colecção  foi  o 
Auto  do  Fidalgo  Aprendiz  de  D.  Fr.  Manoel  de  Melo; 
o  vol.  21  .o,  saído  dos  prelos  há  poucos  meses,  intitula-se 
Obras  de  Fr.  Agostinho  da  Cruz  conforme  a  edição 
impressa  de  1711  e  os  Códices  manuscritos  das  Biblio- 
tecas de  Coimbra,  Foi  to  e  Évora.  Nessa  Colecção  apa- 
receram as  Obras  completas  de  Gil  Vicente  com  largo 
estudo  de  introdução;  a  ed.  dos  Lusíadas;  alguns 
inéditos,  entre  eles  o  Códice  de  Madrid  contendo  a 
Vida  do  Infante  Santo,  outros  raríssimos  como  a  Con- 
solação ás  tribulações  de  Israel  de  Samuel  Usque, 
Coimbra,  1906,  etc,  etc. ;  Os  Judeus  Portugueses  em 
Amsterdam,  Coimbra,  1911  ;  Introdução  á  Historia  da 
Literatura  Portuguesa,  3.»  edição,  1911 ;  Filosofia  ele- 
mentar, 2.a  edição,  1916. 

Na  revista  O  Instituto  publicou :  Giordano  Bruno 
(1892);  Bilqis,  rainha  de  Sabá  (1895);  As  Cartas  de 
Abgaro,  rei  de  Edessa  (1895),  etc. 

Organizou  a  Colecção  de  Numismática  da  Biblioteca 
da  Universidade,  sobre  que  publicou  o  opúsculo  Moedas 
romanas,  Coimbra,  1905 ;  criou  o  gabinete  dos  Cimélios, 
dos  quais  descreveu  Uma  Biblia  Hebraica,  (1903)  e  as 
Horas  de  Nossa  Senhora,  (1906);  organizou  um  Gabi- 


(9) 


nete  de  Super-libros  e  Ex-libris  e  fundou  e  dirigiu  desde 
1901  até  1912  o  Arquivo  Bibliográfico  da  Biblioteca  da 
Universidade  de  Coimbra ;  remodelou  os  serviços  de 
Catalogação,  sobre  que  publicou  os  trabalhos  precisos, 
estabelecendo  também  relações  com  os  Institutos 
nacionais  e  estrangeiros,  etc.  Em  1903  publicou  as 
Cartas  inéditas  de  D.  Pedro  V,  com  largo  estudo  sobre 
esse  monarca. 

Tem  colaboração  em  diferentes  revistas  e  jornais 
sobre  assuntos  de  carater  literário  e  publicou  mono- 
grafias e  opúsculos  diversos.  Na  La  Reitoria  fundou  a 
Revista  da  Universidade  de  Coimbra  (1912)  e  publicou 
a  Universidade  de  Coimbra  perante  a  Nova  Reforma 
dos  Estudos  (1913).  Na  Faculdade  de  Letras  regia 
História  da  Literatura  Portuguesa,  em  dous  cursos, 
e  acidentalmente  a  cadeira  de  Lingiia  Hebraica. 


Dr.  Augusto  Joaquim  Alves  dos  Santos.  — 

Nasceu  em  14  de  outubro  de  1866.  Formou-se  em 
Teologia  em  1898.  Doutorou-se  em  1900.  Obteve  o 
primeiro  despacho  para  o  magistério  em  25  de  janeiro 
de  1901.  Extinta  a  Faculdade  de  Teologia,  foi  colo- 
cado na  Faculdade  de  Letras,  na  secção  de  Sciéncias 
Filosóficas,  onde  criou  o  Laboratório  de  Psicologia 
Experimental.  Em  1912  foi  enviado  em  missão  scientífica 
ao  estrangeiro,  havendo  seguido  na  Suiça  o  curso  do 
Prof.  Claparède.  E  professor  da  Escola  Normal  Superior 
e  Director  da  Biblioteca  Central  da  Universidade.    Regia 


(10) 


na  Faculdade  de  Letras,  os  cursos  de  Psicologia, 
Lógico,  História  da  Filosofia  antiga  e  medieval, 
e  a  cadeira  de  História  Moderna  e  Contemporânea. 
Tem  publicado  até  hoje,  entre  outros  trabalhos :  A  nossa 
Escola  Primária,  O  ensino  Primário  em  Portugal,  O  cres- 
cimento da  criança  portuguesa,  e  destinado  ao  ensino 
secundário,  o  manual.  Elementos  de  Filosofia  Scientí- 
fica. 


D.    Carolina   Michaèlis   de  Vasconcelos.  — 

Nasceu  em  15  de  março  de  1851  em  Berlim.  Seu  pai, 
c  professor  Dr.  Gustav  Michaèlis,  morreu  em  1895;  sua 
mãe,  perdeu-a  ela  ainda  muito  nova. 

Dos  sete  aos  dezaseis  anos  frequentou  a  Luisenschule 
de  Berlim,  exercendo  a  maior  influência  no  seu  espírito 
o  professor  Dr.  Karl  Goldbeck.  Em  poucos  anos  se 
distinguiu  notavelmente,  sobretudo  no  conhecimento 
das  línguas,  sendo  a  primeira  que  aprendeu  a  espa- 
nhola, que  aos  14  anos  ela  compreendia  perfeitamente. 
Em  1868  publicou  —  Erlàuterung  zu  Herders  Cid^  em 
Leipzig-  (1). 

Vieram,  a  seguir,  os  estudos  das  línguas  afins  e 
depois,  alargando  e  completando,  os  das  línguas 
orientais,  o  sânscrito,  e  o  árabe.  Na  sua  casa  de 
Berlim,  entre  os  irmãos,  um  dos  quais,  Carlos  Teodoro, 
era   professor,   e  uma  irmã  —  Henriqueta,  autora  dum 


(1)  É  o  vol.  15  da  Bihliothek  der  deutschen  Nationalliteratur. 


(11) 


Dicionário  Português- Alemão  —  entre  as  pessoas  amigas, 
Carolina  Michaêlis  de  Vasconcelos  era  a  menina 
sabedora  e  prodigiosamente  erudita,  mas  simples, 
simpática  e  afável,   como  sempre  o  foi. 

Em  1876  apareceu  o  seu  livro  importantíssimo  de 
linguística  —  Studien  zur  romanischen  Wortschòpfung, 
Leipzig,  no  mesmo  ano  em  que  ligava,  pelo  casamento, 
os  seus  destinos  aos  de  Joaquim  de  Vasconcelos,  o 
erudito  arqueólogo,  que  todos  admiramos. 

Na  Norddeutsche  Allgemeine  Zeitung,  de  Berlim,  de 
17  de  maio  de  1877,  escrevia  por  ocasião  do  apareci- 
mento desta  obra  o  Dr.  Eduard  Engel :  <^  in  demselben 
lahre,  in  welchem  Diez,  fur  die  Wissenschaft  ewig  zu 
friih  uns  entrissen  wurde,  erchien  das  besprochene 
Werke  von  Frau  Michaêlis-Vasconcelos ;  sie  trit  da  mit 
wiirdig  in  die  Fusstapfen  ihres  grossen  Vorbildes  und 
ist  vielleicht  dazu  bçrufen,  in  vielen  Beziehung  seine 
geistige  Erbschaft  anzutreten  >  (1).  Deste  período  por 
diante  a  ilustre  escritora  não  fez  mais  do  que  avançar 
na  senda  dos  conhecimentos,  dando-nos,  de  vez  em 
quando,  já  em  livros,  já  em  revistas,  o  produto  das 
suas  locubrações,  sempre  acolhidas  com  alvoroço. 

Não  há  dúvida  de  que  a  sr.a  D.  Carolina  é  uma 
mentalidade  superior,  verdadeiramente  excepcional,  a 
que  as  mulheres  teem  razão  em  erguer  o  seu  nome  por 
entre  os  maiores  elogios,  exclamando  como  esta  sua 
compatriota  alemã :   «  Wir  deutschen  Frauen .  .  .   durfen 


(1)   O   artigo   do   Dr.  Engel  saiu  em  folhetim  sob  o  título  :  FAne 
deutsche  Romanistin. 


(12) 


mH  Stolz  sagen:  Diese  Frau,  gleich  hochstehend  ais 
Mensch,  Gaitin,  Mutter  und  Gelehtte:  Sie  ist  unser  »  (1). 

Professora  da  Faculdade  de  Letras  de  Lisboa,  pediu 
a  sua  transferência  para  a  Universidade  de  Coimbra. 
Este  requerimento  foi  acolhido  com  entusiástica  satisfa- 
ção pelo  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  coimbrã,  e 
realizado  o  despacho,  tomou  a  Senhora  D.  Carolina 
posse  com  singular  solenidade  a  19  de  janeiro  de  1912. 
Sendo  doutorada  em  Filosofia  pela  Universidade  de 
Friburgo,  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  honrou-se 
conferindo-lhe  a  1  de  julho  de  1916  o  grau  de  doutora 
em  Letras.  * 

Algumas  das  suas  obras  mais  importantes : 

Uma  obra  inédita  do  Condestavel  D.  Pedro  de  Por- 
tugal. (Extrato  de  Homenaje  á  Menendez  y  Pelayo, 
Madrid,  1899),  96  pags. 

Lais  de  Bretanha.  Capítulo  inédito  do  Cancioneiro 
da  Ajuda.  (Separata  da  Revista  Lusit.,  VI,  Porto,  1900), 
43  pags. 

Pedro  de  Andrade  Caminha.  Extrato  da  Révue  his- 
panlque,  VIII,  Paris,  1901,  117  pags. 

Zum  Sprichwôrterschatz  des  Don  Juan  Manuel.  (  Son- 
derabdruck  aus  Bausteine  zur  romanischen  Philologie ; 
Festgabe  fur  Adolfo  Messafia).    Halle,  1905,  16  pags. 

Algumas  palavras  a  respeito  de  púcaros  de  Por- 
tugal. Separata  do  Bulletin  hispanique,  VII,  1905, 
pags.  140-196. 


(1)    Vld.    Die    Frau    Monatschrift  fiir   cias   gesamte   Frauenleben 
unserer  Zçit,  1.»  ano,  fase.  II,  agosto  de  1894,  pag-.  718. 


(13) 


As  capelas  imperfeitas  e  a  lenda  das  devisas  gregas. 
Porto,  MDCCCCV,  14  pags.  -\~  A  gravs. 

Lucius  Andreas  Resendius  Lusitanas.  Extrato  do 
Archivo  Histórico  Português,  III,  Lisboa,  1905,  22  pags. 

Lucius  Andreas  Resendius^  inventor  da  palavra  «  Lusia- 
das  ».  Separata  do  Instituto,  LII,  Coimbra,  1905,  16 
pags. 

Contribuições  para  o  futuro  dicionário  etimológico  das 
linguas  hispânicas.  Separata  da  Revista  Lusitana,  XI, 
Lisboa,  1908,  62  pags. 

Investigações  sobre  sonetos  e  sonetistas  portugueses 
e  castelhanos.  Extrato  da  Révue  hispanique,  XXII,  New 
York,  1910,  121  pags. 

Estudos  sobre  o  romanceiro  peninsular^  romances 
velhos  em  Portugal.  Extrato  da  Cultura  Espanola, 
Madrid,  1907-1909,  368  pags. 

Geschichte  der  portugiesischen  Litteratur.  In  Grun- 
driss  der  romanischen  Philologie,  De  Grõber,  II-2,  1894. 

Randglossen  zum  altportugies.  Liederbuch  in  Zeits- 
chrif  fiir  romanische  Philologie,  desde  1896  em  deante. 

Poesias  de  Francisco  de  Sá  de  Miranda.  Edição  feita 
sobre  cinco  manuscritos  inéditos.    Halle,  1885,  949  pags. 

Cancioneiro  da  Ajuda.  Edição  crítica  e  comentada. 
Halle,  1904,  2  vols.  publicados  (falta  o  terceiro). 

W.  Storck  —  Vida  e  obras  de  Luis  de  Camões,  versão 
anotada,    l.o  vol.,  Lisboa,  1897. 

A  Infanta  D.  Maria  de  Portugal  e  as  suas  Damas» 
Porto,  1902,  123  pags. 

Os  LusladaS'  Edição  crítica  com  Introdução.  (Biblio- 
theca  Românica,  10-14).    Strasburgo,  1904. 


(14) 


Mestre  Giraldo  e  os  seus  tratados  de  alveitaria  e 
cetraria.    Separata  da  Rev.  Lus.,  1  vol.,  Lisboa,  1911. 

Notas  Vicentinas  (in  Revista  da  Universidade  de 
Coimbra),  etc.  etc. 


Dr.    José    Joaquim    d'Oliveira    Guimarães.  — 

Nasceu  em  5  de  abril  de  1877.  Formou-se  em  Teo- 
logia em  1899.  Doutorou-se  em  1901.  Obteve  o  l.o 
despacho  para  o  magistério  em  1902.  E'  professor  na 
Escola  Normal  Superior.  Na  Faculdade  de  Letras  rege  as 
cadeiras  de  Língua  e  Literatura,  grega  e  latina.  Tem  publi- 
cado até  hoje  os  seguintes  trabalhos,  além  de  vários 
artigos  em  revistas  nacionais  e  estrangeiras  sobre  assun- 
tos de  filosofia  e  pedagogia :  De  Morali  responsabili- 
tate,  Origens  do  Episcopado,  A  personalidade  moral. 
Publicou  vários  discursos.  Foi  fundador,  organizador,  e 
é  Director  do  Colégio  Moderno,  sito  em  Coimbra. 


Dr.  Eugénio  de  Castro  e  Almeida.  —  Nasceu 

em  Coimbra  a  4  de  março  de.  1869;  diplomado  pelo 
Curso  Superior  de  Letras,  Sócio  da  Academia  das 
Sciéncias  de  Lisboa,  da  Real  Academia  de  Espanha  e 
da  Academia  Brasileira  de  Letras,  Professor  da  Escola 
Industrial  e  Comercial  Brotero,  da  Escola  Normal  Supe- 
rior e  da  Faculdade  de  Letras  ( secção  de  Filologia 
românica)  da  Universidade  de  Coimbra.    Tomou  posse 


(15) 


do  logar  de  professor  da  mesma  Faculdade  em  13  de 
novembro  de  1914,  e  nela  tem  regido  as  cadeiras  de 
História  da  lingua  e  literatura  francesa,  Historia  das 
literaturas  espanhola  e  italiana  e  Arqueologia.  Recebeu 
o  grau  de  Doutor  em  Letras  (  secção  de  Filologia  româ- 
nica )  a  1  de  julho  de  1916. 

Tem  publicado  as  seguintes  obras : 

Cristalizações  da  Morte  (18S4). 

Canções  de  Abril  {ISS4.). 

Jesus  de  Nazaré  th  ( 1885 ). 

Per  umbram  {1881). 

Horas  tristes  (1888). 

Oaristos  (1890-1900). 

Horas  (1891-1912). 

Silva  (1894-1911). 

Interlunio  (1894-1911). 

Belkiss  (1894-1910). 

Tiresias  (1895). 

Sagramor  (1895). 

Salomé  e  outros  poemas  (1896-1911). 

A  Nereide  de  Harlem  ( 1896). 

O  Rei  Galaor(lS91). 

Saudades  do  Céo  ( 1899). 

Constança  (1900). 

Depois  da  Ceifa  ( 1901 ). 

Poesias  escolhidas  (  1902). 

O  melhor  retrato  de  João  de  Deus  ( 1905). 

A  sombra  do  Quadrante  (1906). 

O  Anel  de  Polycrates  ( 1907 ). 

A  Fonte  do  Sátiro  ( 1908). 


(16) 


Poesias  de  Goethe  (1909). 

O  Filho  pródigo  (1910). 

Noticia  histórica  e  descriptiva  dos  principais  objectos 
de  ourivesaria  existentes  no  Tesoiro  da  Sé  de  Coimbra, 
de  colaboração  com  A.  Gonçalves  (1911  \ 

Guia  de  Coimbra  (1916). 

O  Cavaleiro  das  mãos  irresistíveis  (1916). 

O  P.'^  Francisco  Suarez  em  Coimbra  (1917). 

Muitas  destas  obras  estão  traduzidas  em  espanhol, 
francês,  italiano,  inglês  e  alemão. 


Dr.  António  José  Gonçálvez  Guimaràis.  —  Nas- 
ceu em  Tavira  a  13  de  junho  de  1850.  Matriculou-se 
no  l.o  ano  das  Faculdades  de  Matemática  e  de  Filosofia 
em  outubro  de  1870.  Formou-se  em  Filosofia  em  1874, 
tendo  frequentado,  simultaneamente  com  o  5.o  ano  desta 
Faculdade,  o  l.o  ano  médico  (anatomia,  e  fisiologia 
geral ). 

Obteve  durante  o  seu  curso  as  classificações  de 
accessit,  prémio  e  partido.  F^ez  a  sua  Licenciatura  a 
22  de  fevereiro  de  1873 ;  o  acto  de  conclusões  magnas 
a  14  de  junho  de  1876;  intituíando-se  a  dissertação 
inaugural  —  «  Estudos  sobre  a  especialização  das  raças 
dos  animais  domésticos  >  ;  doutorou-se  a  2  de  julho 
deste  último  ano. 

Escreveu  a  dissertação  de  concurso  sobre  as  teorias 
da  electrolise.  O  seu  despacho  de  lente  substituto  tem 
a  data  de  28  de  fevereiro  de  1877,  e  o  de  catedrático 


(17) 


é  de  27  de  novembro  de  1879.  Nomeado  vice-reitor 
da  Universidade  a  11  de  agosto  de  1900,  entrou  em 
exercício  a  17  do  mesmo  mês,  vindo  a  ser  exonerado, 
a  seu  pedido,  e  em  termos  muito  honrosos,  por  decreto 
de  23  de  maio  de  1902. 

E  doutor  em  Letras,  secções  de  Filologia  clássica  e 
de  Filologia  românica. 

Regeu  várias  cadeiras  na  antiga  Faculdade  de  Filo- 
sofia ;  na  actual  de  Sciéncias  está  colocado  na  secção 
de  Sciéncias  històrico-naturais,  grupo  de  Sciéncias  geo- 
lógicas. Na  Faculdade  de  Letras  é  professor  de  Filologia 
clássica  e  de  Língua  e  literatura  latina. 

Foi  reitor  do  Liceu  central  de  Coimbra,  onde  prestou 
inolvidáveis  serviços. 

Tem  colaborado  em  várias  revistas  scientíficas,  tanto 
nacionais  como  estranjeiras,  escrevendo  artigos  de 
sciéncias  naturais  e  filológicas.  Das  suas  obras  que 
existem  publicadas  destacamos  as  seguintes : 

—  O  Grego  em  Portugal  —  História  do  estudo  desta  lin- 
gua  em  Portugal,  e  demonstração  da  sua  utilidade  como 
preparatório  para  as  sciéncias  naturais.  —  Coimbra,  1893. 

—  Elementos  de  Geologia,  para  o  ensino  nos  Liceus. 
-  Coimbra,  1895  (2.a  ed.  1897). 

—  Tratado  elementar  de  Mineralogia,  adoptado  como 
compendio  na  Universidade.  —  Porto. 

—  Tratado  de  cristalografia  geométrica.  —  Encontra- 
se  publicada  a  l.a  parte,  compreendendo  os  processos 
gerais  de  cálculo  cristalográfico. 

—  Elementos  de  Gramática  latina  pelo  método  histó- 
rico e  comparativo.  —  Coimbra,  1900  (2.a  ed.  inteira- 

6 


(18) 


mente   refundida,   e   acomodada  aos  actuais  programas 
da  4.a  e  5.a  classes  dos  Liceus,  Coimbra,  1907). 

—  Primeiro  curso  de  latim,  pelos  profs.  Hiram  Tuell 
e  Harold  North  Towler,  acomodado  às  classes  portu- 
guesas, e  consideravelmente  ampliado  pelo  DR.  A.  J. 
GONÇÁLVEZ  GUIMARÃES.  —  Coimbra,  1904. 

—  Curso  de  Mineralogia  e  Geologia,  segundo  os 
novos  programas  dos  Liceus.  Em  3  fascículos  :  1.  Noções 
de  Geologia  ;  —  II.  Elementos ;  —  III.  Princípios.  — 
Coimbra,  1907. 

—  Táboas  de  Kobell  para  a  determinação  dos  mine- 
rais por  via  química.  Tradução  portuguesa  ampliada 
com  uma  sinopse  tassionómica  dos  minerais  e  várias 
tabelas  anexas.  —  Coimbra,  1910. 

—  Ensino  normal  primário.  —  Elementos  de  Mine- 
ralogia, Petrologia  e  Geologia.  —  Coimbra,  1910. 

—  Breviário  da  pronúncia  normal  do  latim  clássico, 
e  rudimentos  de  métrica  latina.  —  Coimbra,  1913. 

Dirige  além  disso  a  publicação  das  Jóias  literárias, 
em  edição  esmeradíssima  conforme  à  edição  princeps 
de  cada  uma  das  obras,  juntando-Ihes  prefácios,  índices 
vários  e  minuciosos,  e  trabalhos  originais,  que  lhes 
aumentam  o  valor.  Acham-se  publicadas  as  obras 
seguintes : 

I.  Crónica  do  Príncipe  D.  João,  de  Damião  de  Gois 
(1  vol.). 

II.  Cancioneiro  geral,  de  Garcia  de  Resende  (5  vols.). 

III.  Os  Lusíadas,  de  Luís  de  Camões  (1  vol.). 


(19) 


Dr.  Anselmo  Ferraz  de  Carvalho.  —  Nasceu 

em  Tondela  a  14  de  dezembro  de  1878.  Matriculou-se 
no  l.o  ano  das  Faculdades  de  Matemática  e  de  Filo- 
sofia em  outubro  de  1895.  Concluiu  a  sua  formatura 
nesta  última  Faculdade  em  1899,  com  a  informação 
final  de  Muito  bom,  depois  de  obter  elevadas  classifi- 
cações durante  o  curso.  Fez  exame  de  Licenciatura  e 
recebeu  o  respectivo  grau  a  7  de  abril  de  1900.  O  acto 
de  conclusões  magnas  realizou-se  a  30  de  março  de  1901; 
para  ele  publicou  a  dissertação  —  Fenómenos  magneto- 
ópticos.  Doutorou-se  na  secção  de  sciéncias  físico- 
químicas  a  5  de  maio  de  1901. 

Para  o  concurso  ao  magistério  compôs  a  dissertação 
—  Equilíbrios  químicos.  Tem  a  data  de  Iz  de  julho 
de  1902  o  decreto  que  o  nomeou  Lente  substituto, 
sendo  promovido  a  catedrático  por  decreto  de  28  de 
outubro  de  1903. 

Nos  primeiros  tempos  do  seu  professorado  regeu  o 
curso  de  Análise  química,  dirigindo  os  respectivos 
trabalhos  de  laboratório.  Passou  depois  para  a  secção 
de  Sciéncias  geológicas,  regendo  primeiro  as  cadeiras 
de  Mineralogia  e  Petrologia,  e  actualmente  as  de 
Geografia  e  Geologia. 

Publicou  em  1909  a  primeira  edição  do  seu  livro  — 
Geografia  geral  elementar,  destinado  aos  cursos  com- 
plementares dos  Liceus. 

Na    Faculdade    de    Letras    acha-se    encarregado    da . 
regência  das  cadeiras  de  Geografia. 


(20) 


Em  1912  foi  em  missão  scientífica  estudar  a  organi- 
zação do  ensino  da  Geografia  e  da  Geologia  a  alguns 
dos  mais  notáveis  meios  scientíficos  estranjeiros. 

Estre  os  seus  estudos  mencionaremos  um,  publicado 
na  Revista  da  Universidade  de  Coimbra  com  o  título  — 
Modernas  idêas  sobre  a  acção  ígnea,  e  outro  que  saiu 
na  Revista  da  Sociedade  Broteriana,  sobre  as  Rochas 
de  S.  Tomé,  incluído  no  estudo  geral  desta  ilha,  feito 
pelo  Dr.  Júlio  A.  Henriques. 


DR.  Eusébio  TAMAGNINI.  —  Professor  de  Antropo- 
logia e  Zoologia  dos  Vertebrados  na  Faculdade  de 
Sciéncias,  de  Metodologia  das  sciências  naturais  na 
Escola  Normal  Superior  e  de  Etnologia  na  Faculdade 
de  Letras. 

Nasceu  em  Tomar  a  8  de  Julho  de  1880 ;  matri- 
culou-se  no  l.o  ano  da  antiga  Faculdade  de  Filosofia 
em  outubro  de  1898,  tendo  completado  a  sua  forma- 
tura no  ano  lectivo  de  1901-1902  com  a  informação 
final   de   M.   B.   18   valores. 

Fez  exame  de  licenciado  e  recebeu  o  respectivo  grau 
em  23  de  dezembro  de  1903;  fez  acto  de  conclusões 
magnas  a  16  de  julho  de  1904  e  recebeu  o  grau  de 
doutor  a  17  do  mesmo  mês.  Foi  nomeado,  precedendo 
concurso,  professor  substituto  da  secção  de  sciências 
histórico-naturais  da  referida  Faculdade  em  4  de  feve- 
reiro  de  1905. 


(21) 


Por  alvará  de  17  de  outubro  de  1906,  foi  nomeado 
professor  provisório  do  Liceu  Central  de  Coimbra, 
onde  prestou  serviço  até  ao  fim  do  ano  lectivo 
de    1910-1911. 

Foi  escolhido,  em  sessão  conjunta  das  Faculdades 
de  Letras  e  de  Sciéncias,  para  Professor  de  Metodologia 
das  sciéncias  naturais  da  Escola  Normal  Superior. 

Foi  duas  vezes  eleito  Vice-Reitor  da  Universidade, 
em  Assembleia   Geral   dos   Professores. 

Publicou  as  segfuintes  dissertações  académicas: 

Fitometria  —  Aplicação  do  método  estatístico  ao 
estudo    da    evolução    orgânica. 

Mecânica  do  sistema  sanguíneo  dos  vertebrados. 

Psicologia  feminina, 

E  autor  dum  Tratado  elementar  de  Botânica,  oficial- 
mente aprovado  para  o  ensino  desta  sciência  nos 
Liceus,  e  de  monografias  e  estudos  de  carácter  antropo- 
lógico na  Revista  da  Universidade  de  Coimbra  e  no 
Movimento  Médico, 


João  Maria  Tello  de  Magalhães  Collaço.  — 

Nasceu  em  Lisboa  a  4  de  março  de  1893.  Concluiu 
a  formatura  em  Direito  em  1913  com  a  informação 
final  de  «  M.  B.  »,  18  valores.  Fez  concurso  para  a 
Faculdade  de  Direito  da  Universidade  de  Coimbra  em 
fevereiro  de  1915.  Despachado  assistente  por  decreto 
de    6    de    março    de    1915.     Promovido    a    professsor 


(22) 


extraordinário  em  1916  e  a  professor  ordinário  em 
1918.  Na  Faculdade  de  Direito,  tem  regido  Direito 
administrativo  e  Direito  dos  cultos.  Por  despacho 
ministerial  de  26  de  março  de  1915,  e  sob  proposta 
do  Conselho  da  Faculdade  de  Letras,  encarregado  da 
regência  do  curso  de  História  das  religiõis  na  referida 
Faculdade. 

Tem  publicado  até  hoje,  alem  de  outros,  os  seguintes 
trabalhos : 

Um  ensaio  de  registo  civil  entre  nós  em  1834  (1914). 

Concessõis  de  serviços  públicos  (1914). 

Ensaio  sobre  a  inconstitucionalidade  das  leis  no  direito 
português  (1915). 

A  Constituição  e  o  Quorum  (1916). 

O  regimen  de  separação  (1919). 


Dr.  José  SiMÕIS  Neves.  —  Nasceu  em  Ceira,  con- 
celho de  Coimbra,  em  agosto  de  1888.  Concluiu  a 
formatura  em  Letras  em  1914.  Doutorou-se  em  1916 
com  a  classificação  de  Muito  Bom  (18  valores).  P^oi 
nomeado  assistente  provisório  da  l.a  secção  (Filologia 
Clássica)  em  1916.  Regeu  na  Faculdade  as  cadeiras  de 
Filologia  Portuguesa  e  Latim  medieval  e  bárbaro. 

Professor  de  Latim  e  Português  na  Escola  Nacional 
de  Agricultura. 


(23) 


Tem  publicado  até  hoje  as  dissertaçõis  de  Doutora- 
mento e  Concurso,  intituladas  —  A  Estrofe  Lírica,  e 
Origem  da  Poesia  Rítmica. 


DR.  Joaquim  de  Carvalho.  —  Nasceu  na  Figueira 
da  Foz  em  1892.  Formou-se  em  Direito  em  1914  e  em 
Letras,  secção  de  Filosofia,  em  1915.  No  ano  lectivo 
de  1916-17  foi  nomeado  assistente  provisório,  dirigindo 
as  aulas  práticas  de  História  da  Filosofia  Antiga,  de 
História  da  Filosofia  Moderna,  e  de  Moral.  Doutorou-se 
em  fevereiro  de  1917  com  a  classificação  de  M.  B.  (19 
vai. ),  escrevendo  a  dissertação  António  de  Gouveia  e  o 
Aristotelismo  da  Renascença  —  Vol.  I  --  António  de 
Gouveia  e  Pedro  Ramo,    (Julho  de  1916). 

Em  setembro  de  1917  apresentou  no  Congresso  de 
Granada  uma  memória  sobre  A  teoria  da  verdade  e  do 
erro  nas  «  Disputationes  Metaphysicae  »  de  Francisco 
Suárez.  ( Publ.  in  Revista  da  Universidade  de  Coimbra, 
vol.  VI,  n.os  1  e  2). 

No  ano  lectivo  de  1917-18  foi-lhe  confiada  a  regên- 
cia do  curso  teórico  e  prático  de  História  de  Filosofia 
Moderna  e,  desde  janeiro  de  1919,  a  cadeira  de  História 
Geral  da  Civilização.  Em  outubro  de  1918  apresentou  a 
dissertação  de  concurso  á  assistência  —  Leão  Hebreu,  Filó- 
sofo.   (Para  a  História  do  Platonismo  no  Renascimento). 

No  actual  ano  escolar  (1918-19)  regeu  os  cursos 
teóricos  e  práticos  de  História  da  Filosofia  Moderna,  e 
de  Moral,  e  a  cadeira  de  História  Geral  da  Civilização. 


(24) 


Dr.  Carlos  Simões  Ventura.  —  Nasceu  em  1893, 

em  Coimbra.  Foi  aluno  da  Faculdade  de  Letras  de 
Lisboa  de  1911  a  1913,  e  da  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra  de  1913  a  1915.  Bacharelou-se  neste  ano 
de  1915  em  Filologia  Clássica  e  doutorou-se  em  1917, 
apresentando  e  defendendo  a  dissertação  intitulada  — 
Tácito,  Vida  de  Júlio  Agricola.  Obteve  a  classificação 
de  M.  B.  (19  valores).  E  assistente  desde  1916,  tendo 
dirigido  os  cursos  práticos  de  Grego,  Latim  e  Filologia 
Clássica,  e  regendo  ultimamente  as  cadeiras  de  Grego 
Elementar  e  Filologia  Românica. 


Dr.  Manuel  Gonçalves  Cerejeira.  —  Nasceu  em 

1888.  Frequentou  as  Faculdades  de  Teologia  e  Direito, 
tendo-se  formado  na  primeira,  e  doutorou-se  em  Letras 
(secção  de  sciéncias  históricas  e  geográficas)  com  a 
classificação  de  Muito  bom  com  20  valores. 

Formado  em  Letras  em  outubro  de  1916,  foi  nomeado 
assistente  provisório  do  4.»  grupo  por  decreto  de  11 
de  Novembro  do  mesmo  ano  —  começando  logo  a 
reger  a  cadeira  de  História  Medieval.  No  presente 
ano  lectivo  de  1918-1919  foi  mais  encarregado  da 
regência  de  História  Antiga  e  de  Propedêutica  Histó- 
rica. 

E  arquivista-paleógrafo  do  Arquivo  da  Universi- 
dade, onde  tem  realizado  trabalhos  de  investigação. 


(25) 


Apresentou  como  dissertações  respectivamente  para 
o  seu  Doutoramento  e  Concurso  os  dois  volumes  sobre 
O  Renascimento  em  Portugal.  —  Clenardo,  1917  e  1918. 


Ferrand  Pimentel  de  Almeida.  —  Matriculou-se 

na  Faculdade  de  Letras  em  1912,  tendo  concluído  a 
sua  formatura  em  1916  com  a  informação  de  M.  B. 
(19  valores).  Nomeado  assistente  provisório  em  1916 
para  a  3.»  Secção  ( Filologia  germânica ),  sendo  desde 
logo  encarregado  da  regência  das  cadeiras  de  Filologia 
germânica  e  Lingua  e  Literatura  inglesa.  No  ano 
lectivo  de  1916-1917  regeu  por  algum  tempo,  no  impe- 
dimento da  Prof.  Snr.a  D.  Carolina  Michaélis  de  Vas- 
concelos, duas  das  cadeiras  de  Literatura  alemã.  Em 
outubro  de  1918  foi-lhe  confiada  a  regência  do  curso 
de  Literatura  espanhola  e  italiana.  Publicou  como 
dissertação  para  o  acto  de  Doutoramento  O  Sentimento 
da  Natureza  no  Fausto  de  Goethe. 


João  da  Providência  Sousa  Costa.  —  Nasceu 

em  1893  na  cidade  de  Viana  do^Castelo.  Formou-se 
em  1916,  com  a  classificação  de  M.  B.  (18  valores). 
Foi  despachado  assistente  provisório  em  1916.  Rege 
ha  três  anos  duas  cadeiras  de  Lingua  e  Literatura 
inglesa,  e  bem  assim  regeu,  durante  algum  tempo,  uma 


(26) 


cadeira  de  Língua  e  Literatura  alemã,  no  impedimento 
da  professora  Dr.a  D.  Carolina  Michaêlis  de  Vascon- 
celos. 

Dirige  as  aulas  práticas  das  cadeiras  que  rege,  e  da 
de  Lingua  e  Literatura  Alemã  II. 

Publicou  como  dissertação  de  doutoramento  o  tra- 
balho :  A  Balada  —  A  Balada  Popular  —  A  Balada 
Artística  Alemã. 


Aristides  de  Amorim  Girão.  —  Nasceu  em  Fataun- 

ços,  concelho  de  Vouzela,  em  1895.  Realizou  a  sua 
primeira  matricula  na  Faculdade  de  Letras  em  outubro 
de  1912,  e  concluiu  em  1916  a  formatura  na  secção  de 
Sciências  históricas  e  geográficas  com  a  classificação 
final   de   Muito   bom   com    18  valores. 

No  ano  lectivo  de  1916-1917  seguiu  com  grande 
assiduidade  o  curso  geral  de  Mineralogia  e  Geologia  do 
Dr.  Gonçálvez  Guimarãis.  Coligiu  neste  ano  grande 
parte  dos  materiais  para  o  trabalho  que  tenciona  apre- 
sentar para  o  seu  exame  de  doutoramento  :  —  Estudo 
geográfico  da  bacia  do  Vouga. 

Nomeado  assistente  provisório  para  o  grupo  de 
Sciências  geográficas  por  decreto  de  8  de  fevereiro  de 
1918,  foi-lhe  confiada  a  regência  da  cadeira  de  Geo- 
grafia  política   e   económica. 

Publicou  um  trabalho  com  o  título :  -—  A  Geografia 
moderna  —  Evolução  —  Conceito  —  Relação  com  as 
outras  sciências.  —  Coimbra  1918. 


(27) 


John  OPIE.  —  Súbdito  inglês,  bacharel  formado  na 
Faculdade  de  Artes  pela  Universidade  de  Cambridge 
no  ano  de  1884,  ascendeu  depois  ao  grau  de  Magisier 
Artium  na  mesma  Universidade.  Dedicou-se  ao  ensino 
secundário  em  diversos  colégios,  leccionando  prin- 
cipalmente as  linguas  modernas,  francesa  e  alemã. 
Completou  os  seus  conhecimentos  dessas  linguas  em 
frequentes  visitas  aos  países  respectivos.  Obteve  notas 
distintas  em  provas  públicas  de  francês,  alemão,  espa- 
nhol e  português.  Pela  Faculdade  de  Letras  da  Uni- 
versidade de  Coimbra,  devidamente  autorizada  pelo 
Governo,  foi  em  1912  contratado  professor  dos  cursos 
práticos  de  conversação  e  redacção  em  inglês.  E  pro- 
visoriamente  professor  dos  cursos  práticos  de  alemão* 


MaRIUS  RiQUIER.  —  Nasceu  em  1881,  em  Bettembos 
(Somme).  Foi,  com  autorização  do  Governo,  contra- 
tado pela  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  para  a 
regência  dos  cursos  práticos  de  conversação  e  redac- 
ção em  francês,  a  9  de  janeiro  de  1919.  Possui  os 
seguintes  títulos  scientíficos  : 

Baccalauréat  de  l  enseignenient  secondaire  classi- 
que  (Lettres  —  Philosophie)  —  Faculte  des  Lettres  de 
Lille   (1899). 

—  Licence-ès-lettres  (mention  Philosophie)  —  Faculte 
des  Lettres  de  Lille  (1902). 

é 


(28) 


—  Diplome  de  Sciences  Physiques  —  Faculte  des 
Sciences    de    Lille    (1903). 

—  Diplome  dEtudes  Supérieures  de  Philosophie  (suget 
de  these:  «  La  philosophie  sociale  de  Spinoza  »)  — 
Faculte  des  Lettres   de  Paris  (1908). 

Exerceu  o  magistério  no  «  Lycée  Français  »  de  Salo- 
nica  (1904-1906)  e  exerce-o  actualmente  na  Escola 
Nacional   de   Agricultura,   de   Coimbra,   desde  1912. 


Apênòice  2." 

Documentos 

Decreto  que  reformou  a  secção  de  Filosofia 

Atendendo  a  que  no  quadro  das  disciplinas  que  cpnstituem  o 
6.0  grupo  das  Faculdades  de  Letras  das  Universidades  de  Lisboa  e  de 
Coimbra  faltam  matérias  indispensáveis  ao  aperfeiçoamento  e  expansão 
da  alta  cultura  intelectual  no  domínio  das  sciências  filosóficas  ; 

Em  nome  da  Nação,  o  Governo  da  República  Portuguesa  decreta, 
e  eu  promul|fo,  para  valer  como  lei,  o  seguinte : 

Artigo  1."  As  disciplinas  que  constituem  o  6.°  grupo,  sciências 
filosóficas,  das  Faculdades  de  Letras  das  Universidades  de  Lisboa  e 
de  Coimbra  são  as  seguintes : 

Matemáticas  gerais  —  (  cadeira  anual ). 

Física  geral  —  (  cadeira  anual ). 

Química  geral  —  (  cadeira  anual ). 

Biologia  —  (  cadeira  anual  ). 

Sociologia  —  (cadeira  anual). 

Psicologia  —  (  cadeira  anual ). 

Curso  prático  de  psicologia  —  ( curso  anual ). 

Teoria  da  experiência  (  sciência,  arte,  moral  )  —  (  cadeira  anual  ).    . 

Metafísica  —  (  cadeira  anual  ). 

História  da  filosofia  antiga  —  (  cadeira  anual ). 

História  da  filosofia  medieval  —  (  curso  semestral ). 

História  da  filosofia  moderna  e  contemporânea  —  (  cadeira  anual ). 

Curso  prático  de  história  da  filosofia  ( leitura  e  interpretação  de 
textos  )  —  (  cinco  semestres  ). 


(30) 


Art.  2.°  O  quadro  dos  professores  do  6."  grupo  é  aumentado  de 
dois  professores  ordinários. 

§  único.  O  primeiro  provimento  definitivo  das  vagas  que  fiquem 
existindo  no  quadro  dos  professores  deste  grupo  poderá  ser  feito  nos 
termos  do  artigo  55."  do  decreto  com  força  de  lei  n."  4:554,  de  6  de 
Julho  de  1918,  ou  livremente  pelo  Governo,  devendo  neste  caso  as 
nomeações  recair  em  pessoas  de  reconhecida  competência  scientífica. 

Art.  3.0  A  fim  de  ocorrer  aos  encargos  resultantes  do  aumento  do 
quadro  dos  professores  das  Faculdades  de  Letras  das  Universidades 
de  Lisboa  e  de  Coimbra,  durante  o  ano  económico  corrente,  serão 
utilizadas  as  disponibilidades  necessárias  das  dotações  inscritas  no 
capítulo  5.0,  artigo  32.»  da  tabela  orçamental  autorizada  para  o  ano 
económico  de  1918-1919,  reforçada  pelo  crédito  aberto  pelo  decreto 
com  força  de  lei  n.o  4:985,  de  31  de  Outubro  de  1918,  com  aplicação 
ao  pagamento  de  vencimentos  e  gratificações  do  pessoal  docente  dos 
estabelecimentos  de  ensino  universitário. 

Art.  4.0  Constituem  habilitação  para  a  matrícula  na  secção  de 
sciências  filosóficas  os  cursos  complementares  de  letras  ou  de 
sciências  dos  liceus. 

Art.  5."  O  Governo  regulamentará  o  presente  decreto,  determi- 
nando quais  as  disciplinas  que  devem  constituir  o  plano  de  estudos 
da  secção  de  sciências  filosóficas. 

Art.  6. o  Este  decreto  entra  imediatamente  em  vigor  e  revoga  toda 
a  legislação  em  contrário. 

Determina-se  portanto  que  todas  as  autoridades,  a  quem  a  execução 
do  presente  decreto  com  força  de  lei  pertencer,  o  cumpram  e  façam 
cumprir  e  guardar  tam  inteiramente  como  nele  se  contêm. 

Os  Ministros  de  todas  as  Repartições  o  façam  publicar.  Paços  do 
Governo  da  República,  2  de  Maio  de  1919.  —  JOÃO  DO  CaNTO  E 
Castro  Silva  Antunes  —  Domingos  Leite  Pereira  —  António 
Joaquim  Granjo  —  Amílcar  da  Silva  Ramada  Curto  —  António 
Maria  Baptista  —  Vítor  José  de  Deus  de  Macedo  Pinto  —  Xavier 
da  Silva  Júnior  —  Júlio  do  Patrocínio  Martins  —  João  Lopes 
Soares  —  Leonardo  José  Coimbra  —  Augusto  Dias  da  Silva  — 
Jorge  de  Vasconcelos  Nunes  —  Luís  de  Brito  Guimarães. 


(31) 


Decreto  de  nomeação  de  professores 

Tendo  em  vista  o  disposto  no  decreto  n.»  5:491,  de  2  de  Maio 
de  1919; 

Usando  da  faculdade  que  me  confere  o  n.^  4.°  do  artigo  47.'^  da 
Constituição  Política  da  República  Portuguesa :  hei  por  bem  decretar, 
sob  proposta  do  Ministro  da  Instrução  Pública,  que  sejam  nomeados 
para  o  6.°  grupo  ( sciências  filosóficas )  das  faculdades  de  letras  das 
Universidades  de  Coimbra  e  de  Lisboa  os  seguintes  professores 
ordinários  : 

Francisco  Romano  Newton  de  Macedo  e  Lúcio  Alberto  Pinheiro 
dos  Santos,  para  a  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra. 

Amadeu  de  Almeida  Rocha  e  Manuel  de  Sousa  Coutinho  Júnior 
para  a  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Lisboa. 

O  Ministro  da  Instrução  Pública  assim  o  tenha  entendido  e  faça 
executar.     Paços  do  Governo  da  República,  2  de  Maio  de  1919.  — 

João  do   Canto  e   Castro   Silva  Antunes  —  Leonardo  José 

Coimbra. 

Representação  da  Faculdade  de  Letras- 
contra  os  Decretos  anteriores 

Ex.f"o  Senhor  Ministro  da  Instrução. 

A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra,  tendo 
tomado  conhecimento  do  Decreto  n.»  5:491,  publicado  no  Diário  do 
Governo  de  2  de  maio  corrente  com  o  propósito,  como  nele  se 
afirma,  de  remediar  a  falta,  que  se  notava  no  quadro  das  Faculdades 
de  Letras,  de  matérias  indispensáveis  no  aperfeiçoamento  e  expansão 
da  alta  cultura  intelectual  no  domínio  das  sciências  filosóficas,  ficou 
desde  essa  hora  sobresaltada  com  esse  imprevisto  documento,  e 
resolvida  a  proceder  segundo  os  ditames,  que  a  consciência  e  o  dever 
impõem,  só  esperando  a  complementar  regulamentação  desse  diploma, 
anunciada  no  artigo  5.o  do  mencionado  Decreto.  » 


(32) 


Mas  como  este  regulamento,  aliás  urgente  em  matéria  de  tanta 
ponderação,  não  apareceu  até  hoje,  a  Faculdade  de  Letras  da  Univer- 
sidade de  Coimbra  não  pôde,  nem  quere,  adiar  por  mais  tempo  o 
propósito  de  levar  ao  conhecimento  de  V.  Ex.»  a  extranheza  e  mágua 
causadas  pela  leitura  do  aludido  Decreto. 

A  Faculdade  não  pretende  apreciar  o  Decreto  sob  os  múltiplos 
aspectos  em  que  ele  poderia  ser  encarado.  Não  é  aqui  o  logar,  nem 
a  oportunidade.  A  Faculdade  quere  tam  somente  referir-se  a  consi- 
derações de  ordem  pedagógica,  únicas,  que  poderiam  ter  inspirado 
esse  documento.  E,  sendo  assim,  como  explicar,  a  pouco  mais  dum 
mês  do  termo  do  ano  lectivo,  a  publicação  desse  Decreto,  remode- 
lando uma  secção  completa  do  quadro  das  Faculdades  de  Letras,  sem 
se  ouvirem  os  respectivos  Professores  dessas  Faculdades  ?  Se  o  ano 
vai  terminar  brevemente,  se  não  ha  alunos,  nem  ha  possibilidade  de 
matrícula,  como  pôr  em  prática  a  doutrina  do  Decreto  já  no  ano 
corrente  ?  Se  foi  para  atender  a  uma  imperativa  necessidade  scien- 
tífica,  dificilmente  se  explicará  a  exclusão  de  matérias  mais  intima- 
mente relacionadas  com  as  especulações  filosóficas,  que  algumas  das 
que  figuram  com  larga  representação  e  como  privativas  do  quadro. 

Se  estas  considerações  são  razoáveis,  como  se  nos  afigura,  a 
Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  ousa  pensar  que  a 
sua  colaboração,  se  fosse  solicitada,  só  auxiliaria  os  bons  propósitos 
de  V.  Ex.'"*,  servindo  simultaneamente  os  altos  interesses  do  ensino. 

Mas  a  sua  colaboração  não  só  não  foi  solicitada,  como  nem  sequer 
lhe  foi  dado  conhecimento  prévio  do  importante  diploma,  a  que  vimos 
aludindo.  Tal  atitude  só  pode  ser  interpretada  como  um  profundo 
agravo  feito  á  Faculdade. 

E'  tendo  essa  demonstração,  injusta  e  imerecida,  partido  do  próprio 
Ministro  da  Instrução,  até  V.  Ex.^  levamos  desassombradamente  a 
razão  do  nosso  protesto  como  cidadãos  amantes  do  nosso  País,  como 
professores  ciosos  das  nossas  responsabilidades,  e,  acima  de  tudo, 
orgulhosos  da  nossa  Universidade,  a  que  pertencemos  e  em  que 
fomos  educados. 

E,  se  a  Faculdade  lamenta  não  ter  podido  colaborar  com  V.  Ex.a 
na  remodelação  do  quadro  das  sciéncias  filosóficas,  maior  motivo  de 


(33) 


reparo  tem  por  não  ser  ouvida  quanto  á  designação  das  pessoas 
nomeadas  pelo  Decreto  de  2  do  corrente.  Claro  que  não  se  trata  da 
legalidade  das  nomeações.  Esta  está  assegurada  pela  doutrina  do 
Decreto  citado,  n.»  5.491.  Mas,  tratando-se  de  professores,  que 
amanhã  ingressarão  na  Faculdade,  porque  não  observar  com  ela,  pelo 
menos,  a  simples  deferência  duma  consulta  7 

Exige  o  Decreto  que  sejam  pessoas  de  reconhecida  competência 
scientifica  ;  mas  o  facto  é  que  os  professores  da  Faculdade  laboram 
no  mais  profundo  desconhecimento  dos  méritos  dos  nomeados, 
tornando-se,  por  isso,  indispensável  que  lhes  tivesse  sido  dada  notícia, 
pelo  menos,  dum  simples  curriculum  vitae  para  sua  elucidação.  Nestes 
termos  recorrer  á  nomeação  directa,  pura,  simples,  formal,  sem  pro- 
posta, nem  consulta  da  Faculdade,  pode  ter  precedente  com  que  sç 
abone,  mas  «não  se  nos  afigura  a  mais  conforme  com  os  interesses  do 
ensino,  o  prestígio  da  Universidade,  e  o  bom  nome  dos  próprios 
agraciados. 

A  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  apresentando,  pois,  com  a 
maior  sinceridade,  os  seus  reparos  á  doutrina  do  Decreto  n.»  5^491  e 
a  sua  profunda  estranheza  pela  forma  por  que,  em  relação  a  Coimbra, 
começou  a  ter  execução,  resolve  vir  junto  de  V.  Ex.*  requerer  a 
imediata  suspensão  do  mencionado  Decreto  n.»  5.491  de  2  de  maio 
corrente,  bem  como  a  daquele  que  proveu  os  dous  logares  de 
professores  por  êle  criados,  isto  até  que  aquele  Decreto  seja  subme- 
tido á  consulta  das  Faculdades  de  Letras. 


Foi  votado  por  unanimidade  o  presente  protesto  pelo  Conselho  da 
Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  na  sessão  ordinária  de  14  de  maio 
de  1919,  segundo  consta  da  respectiva  acta,  da  qual  por  deliberação 
do  mesmo  Conselho  se  extraiu  esta  cópia,  para  ser  enviada  ao  Ex."™*» 
Ministro  da  Instrução. 

Está  conforme. 

Coimbra,  15  de  maio  de  1919.    O  Secretário,  (a)  Dr.  EuGENIO  DE 

Castro  e  Almeida. 


(34) 


Decreto  demitindo  de  Reitor  o  Dr.  Mendes  dos  Remédios 

Tendo  o  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra  resolvido  por  unanimidade,  que  a  Faculdade  estranhasse  ao 
Governo  o  facto,  aliás  autorizado  por  lei,  de  terem  sido  nomeados 
para  professores  do  6.°  grupo  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra 
duas  pessoas  não  conhecidas  dos  seus  professores  ordinários  e  assis- 
tentes sem  que  previamente  lhes  tivesse  sido  comunicado  documento 
provativo  da  competência  e  honorabilidade  dos  escolhidos  pelo 
Governo,  este  documento  é  o  que  chamam  curriculum  vitae,  e  que 
em  consequência  desta  falta  do  Governo  e  também  pela  Faculdade 
considerar  o  decreto  com  força  de  lei  n.o  5.491  de  2  de  maio  corrente, 
incompleto  e  contrário  aos  bons  princípios  pedagógicos,  pedisse  a 
suspensão  do  dito  decreto  até  ser  ouvida  e  sobre  ele  dar  parecer  a  sua 
consulta ; 

Considerando  que  a  acta  desse  referido  Conselho  da  Faculdade, 
que  este  pediu  fosse  oficialmente  comunicada  ao  Governo,  está 
redigida  em  termos  desrespeitosos  e  ofensivos  aos  professores 
recentemente  nomeados ;  e 

Considerando  que,  sem  dúvida  em  resultado  dessa  atitude  tomada 
pelos  professores  da  Faculdade  de  Letras,  os  alunos  da  mesma  Facul- 
dade se  reuniram  em  assembleia  magna  e  dirigiram  directamente  ao 
Ministro  da  Instrução  Pública,  em  15  de  maio  corrente,  uma  represen- 
tação em  termos  inconvenientes  pedindo  a  revogação  imediata  do 
decreto  n.o  5.491  e  a  daquele  que  nomeou  os  novos  professores  ; 

Considerando  que  a  atitude  do  professorado  da  Faculdade  de 
Letras  da  Universidade  de  Coimbra  constitui  um  acto  de  intencional 
indisciplina,  agravada  da  consequente  provocação  á  rebelião  dos  alu- 
nos, o  que  tudo  é  digno  de  censura,  devendo  o  Governo  tomar  opor- 
tunamente as  necessárias  medidas  pa*"a  que  se  não  repita ;  e 

Considerando,  finalmente,  que  do  dito  Conselho  da  Faculdade  de 
Letras  faz  parte  o  Dr.  Joaquim  Mendes  dos  Remédios,  reitor  da 
Universidade  de  Coimbra,  o  qual,  por  motivo  de  terem  sido  suspen- 
sos   alguns    professores    da   Faculdade   de    Direito,   voluntariamente 


(35) 


declarou  ao  Governo  considerar-se  também  suspenso  das  suas  fun- 
ções reitorais,  em  virtude  do  que  foi  nomeado  um  reitor,  interino,  da 
absoluta  confiança  da  República,  como  a  lei  autorizava,  se  bem  que  a 
lei  também  autorizasse  a  nomeação,  também  definitiva,  que  se  não  fez 
por  deferência  para  com  o  reitor  que  fora  eleito  pelo  professorado 
universitário  de  Coimbra  ;  mas 

Considerando  também  que  essa  qualidade  de  reitor  que  ainda  não 
fora  retirada  ao  Dr.  Joaquim  Mendes  dos  Remédios  mais  agrava  as 
responsabilidades  deste  acto  de  ihdisciplina  e  incorrecção  da  Facul- 
dade de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  para  com  o  Governo ; 

Por  todas  estas  circunstâncias ;  e 

Usando  da  faculdade  que  me  confere  o  n.o  4.»  do  artigo  47.o  da 
Constituição  Política  da  República  Portuguesa  : 

Hei  por  bem  decretar,  sob  proposta  do  Ministro  da  Instrução  Pú- 
blica, que  o  Dr.  Joaquim  Mendes  dos  Remédios  seja  demitido  do 
logar  de  Reitor  da  Universidade  de  Coimbra  e  nomeado,  definitiva- 
mente, nos  termos  do  decreto  n.o  5:229,  de  11  de  março  do  corrente 
ano,  para  o  referido  cargo,  o  actual  reitor,  interino,  bacharel  formado 
em  Direito,  Joaquim  Coelho  de  Carvalho,  antigo  presidente  da  Aca- 
demia das  Sciéncias  de  Lisboa, 

O    Ministro  da  Instrução  Pública  assim  o  tenha  entendido  e  faça 

executar.    —  Paços  do  Governo  da  República,  19  de  Maio  de  1919. 

(Diário  do  Governo,  21  maio  1919,  ii  série,  n.°  116). 

Decreto  desanexando  a  Faculdade, 
da  Universidade  de  Coimbra 

Atendendo  à  conveniência  do  ensino  e  especialmente  considerando 
que  das  Faculdades  de  Letras  de  Coimbra  e  Lisboa  é  que  saem  os 
diplomados  que  se  destinam  ao  professorado  liceal,  completando  a 
sua  habilitação  nas  escolas  normais  superiores  : 

Convindo  que  quem  se  destina  ao  ensino  secundário  —  que  neste 
é  que  se  forma  o  carácter  dos  alunos  e  porque  não  pode  ser  bom 
educador  quem  não  tenha  conhecimento  prático  da  vida  —  siga  os 
seus  estudos  superiores  num  meio  social  em  que  as  mais  variadas 
manifestações  da  actividade  se  exerçam ; 


(36) 


Considerando  que  a  cidade  de  Coimbra  é  um  meio  essencialmente 
universitário,  vivendo  o  professorado  e  corpo  docente  da  Universidade 
como  que  insulados  no  seu  trabalho  especulativo,  literário  ou  scientífico ; 
Considerando  que,  sendo  as  condições  sociais  da  cidade  do  Porto 
de  mais  larga  actividade  que  a  de  Coimbra,  convêm  que  na  Universi- 
dade do  Porto  haja  uma  Faculdade  de  Letras ; 

Considerando  que,  a  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra  tem  orientado,  embora  notavelmente,  a  cultura  dos  alunos 
de  modo  a  darem  preferência  à  erudição  livresca  sobre  as  especula- 
ções originais  do  espírito  moderno,  manifestando-se  na  filosofia  reve- 
lada nas  obras  dos  seus  principais  professores  e  alunos  laureados 
uma  quási  completa  orientação  tomista  de  forma  escolástica: 

Em  nome  da  Nação  o  governo  da  República  Portuguesa  decreta, 
e  eu  promulgo,  para  valer  como  lei,  o  seguinte  : 

Art.  Lo  E  desanexada  da  Universidade  de  Coimbra  a  Faculdade 
de  Letras,  criada  em  substituição  da  extinta  Faculdade  de  Teologia, 
e  colocada  na  Universidade  do  Porto. 

Art.  2.0  Poderá  o  governo  colocar  na  disponibilidade  os  professo- 
res da  Faculdade  de  Letras  extinta  por  este  decreto  quando  assim  o 
julgue  conveniente. 

§  Lo  O  governo  poderá  aproveitar  os  serviços  dos  professores 
colocados  nesta  situação  na  direcção  de  investigações  literárias, 
bibliotecas  eruditas  ou  quaisquer  comissões  de  estudo  ou  presidência 
de  exames. 

§  2.0  Aos  professores  colocados  na  situação  de  disponibilidade  em 
virtude  deste  artigo  será  abonado  o  respectivo  vencimento  de  cate- 
goria sendo-lhes  também  abonado  o  vencimento  de  exercício  quando 
sejam  incumbidos  dos  serviços  a  que  se  refere  o  §  L» 

Art.  3.0  Aos  professores  da  língua  e  literatura  francesa  e  da  cadeira 
de  estética  e  história  da  arte  na  Faculdade  de  Letras  na  Universidade 
de  Coimbra,  é-lhes  facultado  ficarem  fazendo  parte  do  professorado 
da  Faculdade  Técnica  de  Coimbra,  criada  por  este  decreto,  ou  do 
professorado  da  de  Letras,  do  Porto,  contanto  que  optem  por  um  dos 
lugares,  no  prazo  de  15  dias,  a  contar  da  data  do  presente  decreto 
que  entra  desde  já  em  vigor. 


(37) 


Art.  4.0  Os  alunos  que  no  presente  ano  lectivo  completem  as 
suas  frequências  para  exame  de  terminação  de  cursos  deverão  vir 
fazel-os  na  Faculdade  de  Letras  de  Lisboa.  Os  outros  alunos  que 
tenham  as  suas  frequências  completas  mas  que  não  terminem  o  curso 
são  dispensados  de  exame. 

Art.  5.0  E  criada  na  Universidade  de  Coimbra  uma  Faculdade 
Técnica. 

§1.0  Anexa  à  Faculdade  Técnica  haverá  uma  escola  de  Belas 
Artes. 

§  2.0  Fica  o  g-ovêrno  autorizado  a  publicar  o  plano  de  estudos  e 
regulamentos  necessários  para  a  execução  deste  artigo. 

Art.  6.0  O  edifício  onde  está  instalada  a  Faculdade  de  Letras  da 
Universidade  de  Coimbra,  será  entregue  à  reitoria  da  mesma  Univer- 
sidade para  nele  serem  instaladas  as  Escolas  Normal  Superior  e  a  de 
Belas  Artes,  criada  pelas  disposições  do  §  1.°  do  art.  5.° 

Art.  7.0  Para  execução  das  disposições  do  presente  decreto,  fica  o 
governo  autorizado  a  abrir  sem  dependência  da  lei  de  29  de  abril  de 
1913,  os  créditos  especiais  necessários. 

Art.  8.0    Fica  revogada  a  legislação  em  contrário. 

Determina-se  portanto  que  todas  as  autoridades,  a  quem  o  conhe- 
cimento e  a  execução  do  presente  decreto  com  força  de  lei  pertencer, 
o  cumpram  e  façam  cumprir  e  guardar  tam  inteiramente  como  nele 

se  contêm. 

Paços  do  Governo  da  República,  10  de  maio  de  1919.  —  (Seguem 
as  assinaturas  do  Presidente  da  República  e  dos  Ministros). 

( Decr.  n."  5.770  iii  Diário  do  Governo,  10  maio  1919,  l."^  série,  n.°  98,  14.°  suple- 
mento. (listi'ibní(.lo  em  Coimbra  a  28  do  maio  ). 

Excerpto  da  acta  da  última  sessão  do  Conselho 
da  Faculdade  de  Letras 

Sessão  extraordinária  de  23  de  maio  de  1919 


Nesta  altura  da  sessão  foi  recebido  o  seguinte  ofício  do  Ex."^» 
Reitor  da  Universidade :  —  «  Universidade  de  Coimbra  —  Reitoria  — 
L.o  7  n.o  42  —  Ex.mo  Sr.  Director  da  Faculdade  de  Letras  —  Tendo 


(38) 

sido  desanexada  desta  Universidade  de  Coimbra,  por  um  decreto  com 
força  de  lei,  a  Faculdade  de  Letras  de  que  V.  Ex.^  é  Director,  e  colo- 
cada na  Universidade  do  Porto  ;  e  sendo  mandada  pôr  logfo  em  vigor 
esta  nova  lei ;  cumpre-me  informar  V.  Ex.a  de  que  esta  Reitoria  deixou 
de  considerar  o  corpo  docente  e  os  alunos,  que  o  são  exclusivamente 
dessa  Faculdade,  como  fazendo  parte  da  Universidade  de  Coimbra. 

—  E'  portanto  com  a  autoridade  administrativa,  à  qual  igual  comuni- 
cação fiz,  que  V.  Ex.a  terá  de  tratar  tudo  o  que  lhe  fôr  necessário 
para  poder  dar  cumprimento  ao  citado  decreto  com  força  de  lei,  excepto 
no  que  se  refira  à  entrega  dos  bens  do  Estado  em  posse  da  Faculdade 
de  Letras,  agora  transferida  desta  Universidade  de  Coimbra  para  a 
do  Porto  ;  porque  para  este  serviço  da  recepção,  que  por  lei  me 
compete,    nomearei    os    meus    delegados.  —  Saúde   e   Fraternidade. 

—  Paço    das    Escolas,    em    22    de    maio   de    1919.  —  O    Reitor    (a) 

Joaquim  Coelho  de  Carvalho  ». 

Lido  este  ofício,  mandou-se  buscar  o  Diário  do  Governo,  que  aca- 
bara de  chegar  do  correio,  e  viu-se  então  o  Suplemento  onde  vem 
pubHcado  o  Decreto  n.»  5:770,  de  10  de  maio  de  1919,  que  des- 
anexava da  Universidade  de  Coimbra  a  sua  Faculdade  de  Letras. 

Tomando  conhecimento  do  referido  decreto,  e  dos  considerandos 
que  o  precedem,  o  Conselho  resolveu  fazer  inserir  nesta  acta  o  voto 
e  declaração  final,  que  segue  : 

«  O  Conselho  Escolar  desta  Faculdade,  pela  última  vez  reunido, 
toma  a  peito  deixar  bem  claramente  expressa  nesta  acta  a  sua  estu- 
pefacção perante  a  letra  de  tal  decreto,  que  nem  pelos  seus  conside- 
randos, nem  pelas  suas  disposições,  encontrará  aplauso,  ou  justificação 
sequer,  no  mundo  culto.  Julgando  e  condenando  o  ensino  desta  Facul- 
dade, sem  dele  haver  previamente  inquirido,  dispondo  aliás  de  todos 
os  meios  para  esse  efeito,  exprobrando  na  sua  orientação  aquilo  que 
constitui  o  seu  mais  natural  predicado,  extinguindo-a,  e  mutilando 
assim  a  gloriosa  e  florescente  Universidade  de  Coimbra,  sem  outro 
verdadeiro  motivo  que  não  fosse  a  atitude  do  Conselho  da  Faculdade, 
na  defesa  digna  e  respeitosa  dos  únicos  princípios  que,  segundo  as  leis 
vigentes,  as  Universidades  teem  por  conformes  ao  prestígio  da  sua 
missão  —  o  Governo  desatendeu  inteiramente  o  direito  de  defesa  que 


(39) 


às  corporaçõeSjComo  aos  cidadãos,  a  Constituição  reserva,  e  puniu  até 
o  exercício  do  direito  de  petição,  de  que  a  Faculdade  usou  em  termos 
cuja  dignidade  e  acerto  a  Universidade  e  a  Nação  hão  de  julgar. 
Sobre  o  agravo  nesta  hora  recebido,  o  Conselho  Escolar  da  Faculdade 
de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  sente  principalmente  ver  assim 
amputada  esta  grande  Universidade,  na  qual  renasceu  no  ano  de  1911. 
E  pois  à  face  dela  e  da  Nação  que,  tendo  vivido  e  ensinado  com  honra 
pelo  espaço  de  oito  anos,  a  Faculdade  de  Letras  pode  proclamar,  e 
tem  o  dever  de  proclamar,  na  hora  em  que  é  extinta,  que  jamais  traiu 
o  pensamento  ou  a  inspiração  com  que  na  Universidade  foi  fundada  ». 
Resolveu-se  que  o  Ex.i"»  Director  enviasse  imediatamente  à  Reito- 
ria um  ofício  nos  termos  seguintes  :  —  «  Ex.»"»  Sr.  Reitor  da  Uni- 
versidade de  Coimbra.  —  Em  resposta  ao  ofício  de  V.  Ex.»  n.»  42, 
liv.  7,  de  hoje,  tenho  a  declarar  a  V.  Ex.^  que  me  não  cabe  fazer 
comunicação  alguma  à  autoridade  administrativa,  quanto  à  execução 
do  decreto  que  desanexou  da  Universidade  de  Coimbra  a  Faculdade 
de  Letras,  e  por  isso  me  limito  a  aguardar  a  chegada  dos  delegados, 
cuja  vinda  V.  Ex.^  anuncia  para  procederem  á  recepção  dos  bens 
do  Estado  em  posse  da  Faculdade.  Unicamente  espero  ser  avisado 
da  hora  da  sua  chegada.  —  Saúde  e  Fraternidade.  —  Coimbra,  23  de 
Maio  de  1919.  —  O  Director  da  Faculdade  de  Letras  (^ssmaíura)  ». 

Como  terminou  neste  momento  a  acção  administrativa  do  Conselho 
da  Faculdade  de  Letras,  deu-se  ordem  ao  encarregado  das  obras 
para  despedir  todo  o  pessoal  operário  nelas  empregado,  e  ao  encar- 
regado da  contabilidade  para  fazer  o  pagamento  dos  salários  e  dos 
fornecimentos  da  corrente  semana  até  hoje,  sexta  feira,  e  para  encer- 
rar imediatamente  as  contas.  Suspendeu-se  a  sessão  durante  duas 
horas  afim  de  se  executarem  estas  deliberações,  e  para  se  lavrar  a 
presente  acta  até  esta  altura. 

Reaberta  a  se$são,  o  Ex.i"o  Director  apresentou  ao  Conselho  as 
contts  das  despesas  feitas  com  a  obra  do  edifício  e  mobiliário  respec- 
tivo, desde  1  de  abril  último  (pois  já  haviam  sido  aprovadas  as  con- 
tas anteriores,  na  sessão  ordinária  de  5  de  abril)  até  hoje  23  de  Maio, 
na  importância  de  1.940$88,  e  notou-se  que,  tendo-se  dispendido  nos 


(40) 


anos  anteriores,  desde  que  a  obra  principiou  em  1912,  e  no  corrente 
ano  até  31  de  Março,  a  quantia  de  81.064$17,6,  a  despesa  total  feita 
até  hoje  com  a  construção  do  edifício  da  Faculdade  fica  sendo  de 
83.005$05,6.  Existe  em  cofre  um  saldo  da  verba  orçamental  de 
1.898$10.  Foram  estas  contas  analisadas  com  os  respectivos  docu- 
mentos e  unanimemente  aprovadas. 

Em  seguida  apresentou  também  o  Ex.i"»  Director  as  contas  da  des- 
pesa feita  pelas  forças  das  restantes  verbas  orçamentais,  desde  1  de 
Julho  de  1918  até  à  data  presente,  em  face  do  livro  respectivo  e  do 
processo  documentado  com  os  recibos  autênticos.  Verificou-se  o 
seguinte.  —  Pessoal:  Da  verba  orçamental  n.o  1  de  182$50,  dispen- 
deram-se  167$20  e  restam  em  saldo  15$30;  da  verba  n.o  2  de  100$00 
foram  dispendidos  91  $63,  restando  8$37;  a  verba  n.o  3  de  50$00,  e 
a  n.o  4  de  10$00  esgotaram-se ;  da  n.o  5  de  36$50  dispenderam-se 
33$30  e  restam  3$20;  a  n.o  6  d^70$77  esgotou-se.  —  Material:  — 
Da  verba  n."  1  de  1.000$00  gastaram-se  138$16,  e  restam  861$84  ;  -a 
n.»  2  de  60$00  esgotou-se;  da  n.«  3  de  400$00  estão  dispendidos 
393$11  havendo  em  saldo  6$89  ;  da  n."  4  de  400$00  dispenderam-se 
398$70  e  existem  1$30;  da  n."  5  de  112$00  estão  gastos  100$50  e  há 
em  saldo  11$50;  da  n."  6  de  161$86  há  dispendidos  127$08,  e  em 
saldo  34$78.  Foram  estas  contas  aprovadas  também  por  unanimidade. 
Como  esclarecimento  se  declara  que  a  verba  orçamental  para  as 
obras  de  construção  do  edifício  da  Faculdade  foi  no  corrente  ano 
económico  de  10.614$20,  que  se  levantou  integralmente  do  cofre  da 
Universidade  para  se  realizarem  os  pagamentos.  Havia  porem  do 
ano  antecedente  o  saldo  de  6.434$34,  que  com  a  verba  orçamental  do 
corrente  ano  prefaz  a  quantia  de  17.048$54.  Desta  quantia  dispende- 
ram-se até  31  de  março  13.209$56,  e  de  1  de  abril  até  hoje  1.940$88, 
o  que  prefaz  a  quantia  gasta  de  15.150$44,  havendo  portanto  neste 
momento  no  cofre  da  Faculdade  o  saldo  supramencionado  de  1.898$10, 
que  foi  presente  com  o  respectivo  balancete  ao  Conselho. 

Por  último  o  Ex.n^o  Director  propôs,  e  o  Conselho  resolveu,  consi- 
gnar nesta  acta  um  voto  de  louvor  ao  pessoal  da  Secretaria  e  ao  pes- 
soal menor  pelo  zelo  e  dedicação  com  que  teem  desempenhado  os 
serviços  que  lhes  incumbem. 


(41) 


E  nada  mais  havendo  a  tratar,  foi  encerrada  a  sessão,  de  que  se 
lavrou  a  presente  acta,  logo  aprovada,  que  eu,  Eugénio  de  Castro, 
secretário,  subscrevo. 

(Seguem-se  as  assinaturas ), 

(Livro  das  Actas,  foi.  139  verso  e  seguintes). 

Telegrama  dirigido  ao  Ex.*"^  Presidente  da  República 

pelo  Conselho  da  Faculdade  de  Letras 

a  21  de  maio. 

Ex.>"o  Presidente  da  República  portuguesa.  —  Lisboa. 

O  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra, 
reunido  hoje,  tendo  notícia,  pelos  jornais,  da  publicação  anunciada  de 
um  decreto  contendo  censura  à  Faculdade,  taxando  de  incorrecto  e 
indisciplinado  o  seu  procedimento  pelo  facto  de  haver  representado 
ao  snr.  Ministro  da  Instrução  Pública,  acerca  da  reforma  da  secção  de 
sciências  filosóficas  e  nomeação  de  professores  sem  conhecimento, 
voto  ou  consulta  do  Conselho,  pede  licença  a  V.»  Ex.»  para  exprimir 
a  sua  surpreza  e  profunda  mágua  j>or  haver  sido  assim  capitulado  o 
facto  de  a  Faculdade  ter  exercido,  em  termos  dignos  e  correctos, 
como  é  próprio  da  honorabilidade  de  todos  os  seus  membros,  o 
direito  de  representação,  que  com  efeito  dirigiu  ao  Snr.  Ministro  da 
Instrução  Pública,  e  onde  concluiu  por  pedir  a  suspensão  dos 
referidos  diplomas  até  que  fossem  submetidos  à  consulta  da  Faculdade. 
Em  face  do  exposto,  o  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  da  Univer- 
sidade de  Coimbra  resolve  usar,  uma  vez  mais,  deste  direito,  e  agora 
junto  de  V.^  Ex.^»,  a  quem  solicita  a  sua  criteriosa  atenção  para  o 
documento  que  enviou. 

O  Director  da  Faculdade,  (a)  Dr.  AnTÓNIO  DE  VASCONCELOS. 

Moção  do  Senado  da  Universidade  de  Coimbra 

O  Senado  da  Universidade  de  Coimbra  examinou  atentamente  a 
acta  da  sessão  do  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  de  14  do  corrente, 


(42) 


que  deu  lugar  ao  decreto  de  censura  à  mesma  Faculdade,  bem  como 
ao  decreto  n.o  5:770  que  a  dexanexou,  embora  se  dê  a  curiosa  ano- 
malia de  este  decreto  ser  de  data  anterior  à  daquela  sessão  ;  ponderou 
devidamente  todos  estes  factos  e  circunstâncias  assim  como  as  suas 
possíveis  consequências  ;  e  : 

Considerando  que  a  representação  extraída  daquela  acta  traduz  o 
legítimo  uso  do  direito  de  petição  a  todos  garantido  pela  Constituição 
Política  da  República ; 

Considerando  que  a  atitude  da  Faculdade  de  Letras,  longe  de  se 
filiar  em  quaisquer  intuitos  desrespeitosos  ou  ofensivos,  apenas  obe- 
deceu —  como  se  diz  na  acta  —  a  considerações  de  ordem  pedagógica 
e  só  teve  em  vista  defender  os  interesses  do  ensino  e  autonomia  das 
Faculdades,  tal  como  está  consagrada  no  Estatuto  Universitário ; 

Considerando  que  a  doutrina  afirmada  pela  Faculdade  de  Letras 
relativamente  à  nomeação  extraordinária  de  Professores  é  a  única 
compatível  com  a  dignidade  e  o  prestígio  do  Corpo  Docente  das 
Universidades  ; 

Considerando  que  a  referida  representação  se  acha  redigida  em 
termos  os  mais  correctos  e  que  particularmente  a  expressão  «  curri- 
culum vitae  »,  que  provocou  reparos  das  Instâncias  Superiores,  é  uma 
fórmula  consagrada  até  na  legislação  da  República,  para  designar  a 
exposição  documentada  da  carreira  scientífica  e  dos  títulos  pedagó- 
gicos e  scientíficos  (decreto  de  14  de  julho  de  1911,  art.  127.°  n.o  2.°, 
decreto  n.o  2:652  de  12  de  julho  de  1918,  art.  29.o  n.o  l.o) ; 

Considerando  que  ao  senado  cabe  promover  o  progresso  da  orga- 
nização universitária  e  por  isso  não  pode  ficar  indiferente  perante  a 
supressão  de  qualquer  das  suas  Faculdades  ou  Escolas  ; 

Considerando  que  não  há  hoje  Universidades  bem  organizadas  onde 
não  exista  uma  Faculdade  de  Letras  com  a  função  de  representar  a 
alta  cultura  filológica,  literária,  histórica  e  filosófica,  que  é  indispen- 
sável a  um  verdadeiro  centro  universitário  ; 

Considerando,  portanto,  que  o  decreto  n.o  5:770,  extinguindo  a 
Faculdade  de  Letras  na  Universidade  de  Coimbra,  constitui  um 
grave  ataque  à  sntegi  idade  universitária  e  que  ao  .Senado  cumpre 
evidentemente  pugnar  por  esta  integridade  ; 


(43) 


Considerando  que  a  Faculdade  de  Letras,  como  todas  as  Facul- 
dades e  Escolas  da  Universidade  de  Coimbra,  teem  dado  as  mais 
exuberantes  provas  de  se  acharem  perfeitamente  integradas  no 
movimento  scientífico  moderno ; 

Considerando  que  os  fundamentos  do  decreto  n.o  5^770  em  vez  de 
justificarem  a  desanexação  da  Faculdade  de  Letras,  justificam  ao  con- 
trário, a  sua  conservação  em  Coimbra,  pois  é  em  meios  essencialmente 
universitários  que  teem  razão  de  ser  as  Faculdades  de  Letras  e  em 
meios  essencialmente  industriais  e  activos  que  teem  utilidade  as 
Faculdades  Técnicas  ; 

Considerando  que  o  decreto  n.o  5:770  pode  ser  o  início  da  des- 
truição da  velha  e  gloriosa  Universidade  de  Coimbra  ; 

O  Senado  Universitário  resolve  : 

Lo  Dar  a  sua  inteira  adesão  à  doutrina  da  acta  da  Faculdade  de 
Letras  de  14  do  corrente,  por  ser  inteiramente  harmónica  com  as 
disposições  do  Estatuto  Universitário  •' 

2.0  Pedir  que  seja  publicado  no  Diário  do  Governo  o  extracto  da 
mesma  acta,  afim  de  que  o  país  possa  julgar,  com  perfeito  conheci- 
mento de  causa,  o  procedimento  da  Faculdade  de  Letras ; 

3.0  Significar  a  sua  absoluta  discordância  com  o  decreto  que  des- 
anexou da  Universidade  de  Coimbra  a  referida  Faculdade ; 

4.0  Pedir  que  a  «xecução  deste  decreto  seja  sustada  até  que  o  Par- 
lamento se  pronuncie. 

( Da  acta  da  sessão  do  Senado  de  24  maio  1919  ), 

Representação  dos  Professores  da  Universidade 
contra  o  Reitor 

Ex.mo  Sr. : 

Os  professores  da  Universidade  de  Coimbra,  abaixo  assinados,  res- 
peitosamente expõem  a  V.  Ex.^  os  seguintes  factos : 

Em  18  de  março  deste  ano  foi  nomeado  Reitor  interino  da  Univer- 
sidade de  Coimbra  o  Dr.  Joaquim  Coelho  de  Carvalho,  nomeação 
que  se  converteu  em  definitiva  por  decreto  de  19  do  corrente. 
E,  declarando  o  artigo  5. o  do  Estatuto  Universitário  «  que  o  governo 
das  Universidades  pertence  à  Assembleia  Geral,  ao  Senado,  ao  Con- 


(44) 


selho  Académico,  a  Junta  Administrativa  e  ao  Reitor  »,  a  verdade  é 
que,  desde  o  acto  da  sua  posse  até  hoje,  o  actual  Reitor  tem  gerido 
discricionáriamente  os  interesses  da  Universidade,  votando  ao  mais 
completo  desprezo  os  corpos  representativos  da  vida  universitária  e 
postergando  as  disposições  do  Estatuto,  que  não  consta  tenha  sido 
revogado  ou  suspenso. 

Pelos  artigos  12.o,  I6.0  e  17.o  do  Estatuto  Universitário  o  Reitor  é 
obrigado  a  convocar  mensalmente,  para  reunião  ordinária,  o  Senado, 
o  Conselho  Académico  e  a  Junta  Administrativa.  Há  mais  de  dois 
meses  que  o  actual  Reitor  se  encontra  à  frente  da  administração  da 
Universidade;  pois  até  hoje  não  convocou  uma  única  sessão  de  qual- 
quer dos  três  corpos  universitários  ! 

E  todavia  têem-se  produzido,  neste  lapso  de  tempo,  acontecimentos 
do  mais  alto  interesse  e  da  maior  gravidade  para  a  vida  e  para  os 
destinos  da  Universidade,  que  seriam  suficientes,  só  por  si,  quando 
não  existisse  mesmo  a  obrigação  legal,  para  levar  um  Reitor,  media- 
namente escrupuloso,  a  aproximar-se  dos  organismos  universitários  e 
a  procurar  saber  quais  os  seus  votos,  as  suas  aspirações  e  os  seus 
desejos. 

Houve  primeiro  o  inquérito  ao  procedimento  político  dos  professo- 
res, no  exercício  e  fora  do  exercício  das  suas  funções,  e  a  solução  da 
questão  que  tinha  provocado  esse  inquérito. 

Veio  depois  a  reforma  da  secção  de  filosofia  da  Faculdade  de 
Letras  e  a  nomeação  extraordinária  de  professores,  sem  audiência 
prévia  da  Faculdade. 

Seguiu-se  a  representação  da  Faculdade  de  Letras  contra  o  facto 
de  não  ter  sido  ouvida  nem  quanto  à  reforma  nem  quanto  à 
nomeação. 

Veio  finalmente  a  extinção  da  mesma  Faculdade,  ataque  profundo 
ao  princípio  da  integridade  universitária. 

Nem  perante  este  último  facto,  que  mutilou  a  velha  e  gloriosa  Uni- 
versidade de  Coimbra,  o  Reitor  tomou  a  iniciativa  de  convocar  qual- 
quer dos  seus  altos  corpos  representativos  ! 

Mas  o  que  é  mais  grave  ainda,  e  mais  tristemente  significativo,  é 
que,  tendo  sido  pedida  a  convocação  do  Senado  pelos  directores  das 


(45) 


Faculdades  e  Escolas,  o  Reitor,  numa  atitude  impertinente,  opôs  a 
mais  viva  resistência  a  tal  convocação ;  e  se,  perante  a  insistência  dos 
directores,  acabou  por  declarar  que  reuniria  o  Senado,  e  que  seria  até 
esse  o  seu  primeiro  acto  do  dia  seguinte,  faltou  à  sua  palavra,  tendo 
afinal  o  Senado  de  se  reunir  por  direito  próprio^  facto  sem  preceden- 
tes nos  registos  universitários ! 

Deu-se  então  um  caso  curioso :  o  Reitor,  que  até  aí  vivera  em 
regime  de  puro  arbítrio,  sem  respeito  algum  pelo  Estatuto  universitá- 
rio, enche-se  de  escrúpulos  legalistas  e  faz  saber  ao  Senado  que  não 
presidiria  à  sessão  por  a  considerar  ilegal,  pois  o  objecto  de  que  se  ia 
tratar  não  estava  compreendido  em  nenhum  dos  números  do  artigo 
13.0  do  Estatuto. 

O  n.o  l.o  deste  artigo  atribui  ao  Senado  competência  para  «  pro- 
mover o  aperfeiçoamento  da  organização  universitária  e  de  tudo 
quanto  concorra  para  o  progresso  do  ensino  ».  Ora  o  Reitor  enten- 
dia que  «  tomar  conhecimento  do  decreto  n.*>  5:770  »,  que  extinguia 
uma  Faculdade  e  criou  outra,  era  assunto  estranho  às  atribuições  do 
Senado,  como  se  a  supressão  e  a  criação  de  Faculdades  fosse  maté- 
ria absolutamente  indiferente  para  o  maior  ou  menor  aperfeiçoamento 
da  organização  universitária. 

A  sessão  do  Senado  abriu  sob  a  presidência  do  Vice-Reitor.  Ven- 
tilada a  questão  da  legalidade,  reconheceu-se  logo,  sem  hesitação  nem 
discrepância,  que  o  objecto  da  convocação  cabia  evidentemente  den- 
tro do  texto  do  n.o  l.o  do  artigo  13.°  do  Estatuto  ;  e,  transmitida  ao 
Reitor  esta  resolução  por  uma  comissão  de  três  professores,  S.  Ex.^ 
manteve~se  na  sua  recusa,  permitindo-se  ainda,  numa  emergência  tão 
grave  e  tão  delicada,  um  gracejo  do  pior  gosto,  que  teve  de  ser  ime- 
diatamente corrigido. 

Ao  desprezo  pelos  altos  corpos  universitários  acresce  o  desprimor 
e  a  falta  de  consideração  para  com  alguns  visitantes  ilustres  da  Uni- 
versidade. 

A  Academia  das  Sciências  de  Portugal  anunciou  a  vinda  a  Coim- 
bra duma  deputação  com  o  fim  de  saudar  a  Universidade  e  trazer-lhe 
as  suas  mais  altas  distinções,  resolvendo  o  Reitor  recebê-la  com  as 


(46) 


maiores  honras.  Sem  ter  dado  conhecimento  oficial  deste  facto  à  Uni- 
versidade, combinou  com  o  presidente  da  Sociedade  de  Defesa  e 
Propaganda  de  Coimbra  que  esta  preparasse  aos  dignos  Académicos 
uma  luzida  recepção.  Pois,  na  véspera  do  dia  em  que  devia  chegar  a 
Coimbra  a  deputação,  o  Reitor  ausentou-se  para  Lisboa,  sem  a  menor 
atenção  para  com  o  presidente  da  Sociedade  de  Propaganda,  sem 
deixar  as  necessárias  instruções,  a  quem  de  direito  o  devia  substituir, 
sobre  as  deferências  a  prestar  aos  ilustres  visitantes,  colocando  assim 
no  mais  grave  embaraço  e  na  mais  delicada  situação  a  Universidade 
e  a  Sociedade  de  Propaganda ! 

O  professor  Hadamard,  do  Colégio  de  França,  visitou  nos  dias  13 
e  14  do  corrente  a  Universidade  e  fez  em  14  uma  conferência  na  Sala 
dos  Capelos.  E  costume  sempre  seguido  em  Coimbra  que  o  Reitor 
faça  a  apresentação  do  conferente  à  assembleia  e  que,  no  fim,  ou  êle 
ou  o  director  da  respectiva  Faculdade  exprima  perante  o  auditório  os 
devidos  agradecimentos.  O  director  da  Faculdade  de  Sciências  infor- 
mou o  Reitor  desta  praxe ;  e  ficou  assente  que  a  apresentação  seria 
feita  pelo  director  e  o  agradecimento  seria  dado  pelo  Reitor.  O  dire- 
ctor da  Faculdade  de  Sciências  cumpriu ;  mas  o  Reitor  esqueceu-se  do 
compromisso  que  tomara,  limitando-se  no  fim  da  conferência  a  aper- 
tar a  mão  ao  professor  Hadamard  e  dizer-lhe  em  voz  baixa :  «  je  vous 
remercie  ». 

Teve  o  director  da  Faculdade  de  Sciências  de  apresentar  desculpas 
ao  professor  Hadamard,  visivelmente  magoado. 

Mais  digno  de  reparo  é  ainda  o  procedimento  do  Reitor  em  relação  ao 
professor  Meillet.  Tinha  o  Reitor  sido  avisado,  com  a  necessária  ante- 
cipação, de  que  esse  professor  chegaria  a  Coimbra  em  determinado 
comboio  e  faria  uma  conferência  na  Universidade.  Pois  o  Reitor  não 
tomou  a  mais  insignificante  providência  para  que  a  um  tão  insigne  repre- 
sentante da  alta  cultura  francesa  fosse  dispensada  qualquer  atenção  ! 

O  professor  Meillet  chegou  a  Coimbra ;  viu-se  inteiramente  só ; 
ninguém  o  esperava;  ninguém  o  procurou  oficialmente;  de  sorte  que, 
enfadado  e  desgostoso,  retirou-se  sem  ter  feito  a  conferência. 


(47) 


Todos  estes  factos  revelam,  da  parte  do  Reitor,  uma  falta  inadmissível 
de  consideração  para  com  os  corpos  universitários  e  uma  indiferença 
profunda  pelo  bom  nome  e  pelo  crédito  do  estabelecimento  que  dirige. 

Mas  pior  do  que  tudo  o  mais,  são  os  actos  positivos  e  insidiosos 
de  hostilidade,  da  sua  parte,  aos  interesses  da  Universidade. 

Tendo  recebido  da  Faculdade  de  Letras  oficialmente  a  cópia  da  acta 
da  sessão  de  14  do  corrente,  o  Reitor  declarou  que  concordava  com  a 
representação,  dizendo :  «  Estou  absolutamente  com  os  Senhores  e 
eu  próprio  comecei  logo  por  protestar  em  telegrama  para  Lisboa  »  ! 
Ofereceu-se  para  ir  a  Lisboa  como  portador  do  protesto  da  Facul- 
dade ;  e,  como  esta  tivesse  proposto  para  duas  vagas  de  professores 
ordinários  os  Doutores  Joaquim  de  Carvalho  e  Gonçalves  Cerejeira, 
acrescentou  que  levaria  consigo  as  dissertações  desses  candidatos,  a 
fim  de  comprovar  os  seus  méritos  scientíficos. 

O  Reitor  partiu  com  efeito,  para  Lisboa ;  mas,  tudo  nos  leva  à  con- 
vicção de  que,  em  vez  de  defender  a  Faculdade,  promoveu,  pelo 
contrário,  a  sua  censura  e  extinção. 

Os  considerandos  dos  dois  decretos,  e  sobretudo  o  último  conside- 
rando do  decreto  n.*»  5:770  em  que  se  faz  referência,  aliás  injusta  e 
inexacta,  à  «  orientação  tomista  de  forma  escolástica  »,  não  nos  deixam 
a  mais  pequena  dúvida  de  que  o  Reitor  da  Universidade  cooperou  nos 
decretos  de  censura  e  de  extinção  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra. 

Havia  muito,  com  efeito,  que  o  Reitor,  em  conversas  particulares, 
qualificava  de  escolásticas  e  tomistas  as  dissertações  dos  candidatos; 
e  agora,  extinta  a  Faculdade,  declara  que  sempre  foi  sua  opinião  que 
os  defeitos  da  Universidade  vinham  da  Faculdade  de  Letras,  que  era 
preciso  extinguí-la,  pois  o  seu  espírito  estreito  e  reaccionário  transpa- 
recia nos  trabalhos  dos  professores  e  estudantes  laureados.  Confessa 
mesmo  que  marcou  certas  passagens  a  lápis  verde,  a  fim  de  que  o 
Governo  reparasse  nelas. 

Por  que  estranho  conjunto  de  circunstâncias  é  que  um  Reitor,  que 
ainda  algum  tempo  atrás  pedia  ao  director  da  Faculdade  de  Letras 
que  o  propusesse  em  Conselho  para  a  vaga  duma  cadeira  de  história, 
mudou  assim  subitamente  de  opinião  acerca  dos  méritos  dessa  Facul- 


(48) 


dade  ?    Custa-nos  ter  de  acreditar  que  para  esta  mudança  contribuísse 
a  circunstância  de  tal  proposta  não  ter  chegado  a  ser  feita. 

Magistrado  da  absoluta  confiança  da  República,  como  se  diz  no 
preâmbulo  do  decreto  de  19  do  corrente,  em  vez  de  fazer  valer  a  sua 
influência  e  a  sua  força  para  engrandecer  e  exaltar  a  Universidade, 
usa,  pelo  contrário,  delas  para  a  deprimir  e  mutilar ! 

Em  presença  de  tão  graves  ocorrências,  os  signatários  preguntam 
muito  singelamente :  pode  um  tal  Reitor  continuar  à  frente  do 
governo   da  Universidade  ? 

A  resposta  impõe-se. 

E'  absolutamente  indispensável,  para  evitar  maiores  males,  que  o 
actual  Reitor  seja  demitido  do  seu  lugar. 

Pela  nossa  parte  aqui  o  pedimos,  seguros  de  que  cumprimos  o  nosso 
dever. 

Entregue-se  o  governo  da  Universidade  a  um  Reitor  que  mereça  a 
confiança  dos  altos  poderes  públicos ;  mas  escolha-se  quem,  pelo  seu 
prestígio  moral,  dê  também  garantias  de  não  atraiçoar  os  interesses 
do  estabelecimento  que  lhe  é  confiado. 
Coimbra,  25  de  Maio  de  1919. 

Angelo  Rodrigues  da  Fonseca. 

Fernando  Bissaya  Barreto. 

Luiz  W.  Carrisso. 

José  Alberto  dos  Reis. 

José  Caeiro  da  Mata. 

João  Maria  Tello  de  Magalhães  Collaço. 

António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos. 

Daniel  Ferreira  de  Matos. 

Henrique  Teixeira  Bastos. 

José  Bruno  de  Cabedo  e  Lencastre. 

Luciano  Pereira  da  Silva. 

João  Emílio  Raposo  de  Magalhães. 

Álvaro  José  da  Silva  Basto. 

Eusébio  Tamagnini. 

Egas  Ferreira  Pinto  Basto. 


4 


(49) 

Francisco  Martins  de  Sousa  Nazareth. 

Elysio  de  Moura. 

António  José  Gonçálvez  Guimarãis. 

Guilherme  Alves  Moreira. 

Alberto  da  Rocha  Brito. 

Manuel  José  Fernandes  Costa. 

Fernando  de  Almeida  Ribeiro. 

Basílio  Augusto  Soares  da  Costa  Freire. 

Manuel  Paulo  Mereia. 

J.  Mendes  dos  Remédios. 

João  Duarte  de  Oliveira. 

José  Joaquim  de  Oliveira  Guimarãis. 

Anselmo  Ferraz  de  Carvalho. 

João  Serras  e  Silva. 

Alves  dos  Santos. 

Luís  dos  Santos  Viegas. 

Eugénio  de  Castro. 

José  Cypriano  Rodrigues  Dinis. 

Álvaro  da  Costa  Machado  Villela. 

Luís  Pereira  da  Costa. 

Vicente  José  de  Seiça. 

António  Luís  de  Morais  Sarmento. 

Annibal  Ruy  de  Brito  e  Cunha. 

Bernardo  Ayres. 

Lúcio  Martins  da  Rocha. 

António  de  Oliveira  Salazar. 

Filomeno  da  Câmara  Melo  Cabral. 

João  J.  D.  Souto  Rodrigues. 

Adelino  Vieira  de  Campos. 

Esta  representação  tem  o  voto  dos  professores  Drs.  D.  Carolina 
Michaélis  de  Vasconcelos,  Álvaro  de  Matos,  António  Faria  Carneiro 
Pacheco,  e  Domingos  Fesas  Vital,  que  não  assinam  por  não  estarem 
presentes.  Dos  professores  que  se  encontram  em  Coimbra  só  dois 
deixaram  de  assinar  a  representação. 
8 


(50) 
Representação  ao  Parlamento 

Ex."'o  Sr.  Presidente  da  Câmara  dos  Deputados: 

Perante  o  Congresso  da  República  vêem  os  abaixo  assinados,  como 
representantes  da  Assembléa  Geral  dos  professores,  expor  respeitosa 
e  singelamente  os  seguintes  factos : 

O  decreto  n."  5:491  de  2  de  maio  do  corrente  ano  reformou  a 
secção  filosófica  das  Faculdades  de  Letras,  criando  ao  mesmo  tempo 
dois  novos  lugares  de  professores,  que  não  tardaram  a  ser  preen- 
chidos. 

Como  tudo  se  fizesse  sem  audiência  prévia  das  Faculdades,  com 
ofensa  da  sua  autonomia  pedagógica,  a  Faculdade  de  Letras  de 
Coimbra  representou  ao  Governo,  em  sessão  de  14  de  maio,  acerca 
da  doutrina  do  decreto  n.»  5:491,  contrária  às  disposições  do  Estatuto 
Universitário. 

Era  a  representação  redigida  nos  termos  mais  correctos  :  estranhava 
a  Faculdade  que  uma  reforma  se  fizesse,  sem  a  sua  colaboração,  quási 
no  fim  do  ano  lectivo,  a  breve  prazo  da  abertura  do  Parlamento,  e 
queixava-se  de  que,  a  respeito  dos  professores  nomeados,  nem  sequer 
lhe  tivesse  sido  fornecido  um  simples  curriculum  vitae,  isto  é,  um 
resumo  da  sua  biografia  académica. 

Alguém  traduziu  porventura  curriculum  vitae  por  folha  corrida, 
apesar  de  ter  aquela  expressão  uma  significação  precisa,  já  consagrada 
na  legislação  da  República  (  decr.  de  14  de  julho  de  1911,  art.  127.", 
n.o  2.0;  decr.  n.o  2:652  de  12  de  julho  de  1918,  art.  29.°,  n.o  l.o). 
Segundo  o  tradutor,  grave  ofensa  era  feita  aos  professores  nomeados 
e  ao  Governo  que  os  nomeou ;  e  não  se  fez  esperar  o  decreto  de  cen- 
sura de  19  de  maio,  que  ao  mesmo  tempo  demitiu  o  reitor  Dr.  Mendes 
dos  Remédios,  professor  da  Faculdade  de  Letras,  como  principal 
responsável  da  pretendida  ofensa.  . 

Neste  decreto  se  anunciava  que  o  Governo  tomaria  oportunamente 
as   necessárias   medidas   para   que   a  Faculdade  não  reincindisse ;  e, 


(51) 


com  efeito,  era  pouco  depois  desanexada  a  Faculdade  de  Letras  e 
substituída  por  uma  Faculdade  Técnica  pelo  decreto  com  força  de 
lei  n."  5:770,  a  que  teve  de  dar-se  a  data  de  10  de  maio,  verifican- 
do-se  então  —  note-se  de  passagem  —  a  curiosa  anomalia  de  ser 
censurada,  em  19  de  maio,  uma  Faculdade  extinta  em  10  por  um 
pretendido  delito  praticado  em  14! 

São  infundados  e  contraproducentes  os  considerandos  do  decreto 
n.o  5:770,  que  pretende  justificar  a  substituição  em  Coimbra  duma 
Faculdade  de  Letras  por  uma  Faculdade  Técnica  com  o  facto  de  ser 
Coimbra  um  meio  essencialmente  universitário,  de  fraca  actividade 
comercial  e  industrial  ! 

A  acusação  feita  à  Faculdade  de  dar  ao  ensino  uma  orientação 
tomista  de  forma  escolástica  vai  directamente  incidir  sobre  a  sua 
secção  filosófica,  cujo  ensino  está  precisamente  confiado  a  dois  espí- 
ritos avançados,  de  arraigadas  convicções  republicanas.  Basta  este 
facto  para  provar  a  inanidade  de  tal  censura. 

Mas  o  decreto  n.f»  5:770  vem  ferir  de  morte  a  integridade  universi- 
tária. O  que  verdadeiramente  caracteriza  uma  Universidade  é  — 
como  se  sabe  —  o  seu  ensino  das  Letras  e  Sciências,  quer  se  faça  em 
duas  Faculdades  distintas,  quer  numa  Faculdade  única  ( Faculdade 
filosófica  das  Universidades  alemãs.  Faculdades  das  Artes  das  Univer- 
sidades inglesas.  Colégio  das  Universidades  americanas  ). 

As  Faculdades  profissionais  das  Universidades  modernas  podem  ser 
diversíssimas,  compreendendo,  além  dos  ensinos  clássicos  de  direito 
e  medicina,  muitos  outros,  como  se  vê  sobretudo  nas  grandes  Univer- 
sidades americanas  :  basta  esta  circunstância  para  que  os  ensinos  pro- 
fissionais não  possam  ser  característica  duma  Universidade. 

A  Universidade  de  Coimbra  é,  pois,  mutilada  pelo  decreto  n.*» 
5:770  na  sua  estrutura  fundamental ;  e  nada,  sob  o  ponto  de  vista 
pedagógico,  pode  compensar  semelhante  amputação. 

Quando  pela  reforma  pombalina,  em.  1772,  foi  eliminada  a  Facul- 
dade das  Artes  (Sciências  e  Letras),  criaram-se  em  seu  lugar  as  Facul- 
dades de  Matemática  e  Filosofia,  compreendendo  esta  última  quatro 
cadeiras  —  filosofia  racional  e  moral,  história  natural,  física  experi- 
mental, química  teórica  e  prática.    Tendo,  porém,  19  anos  mais  tarde, 


(52) 


sido  destacado  da  cadeira  única  de  história  natural  o  ensino  da  botâ- 
nica e  da  agricultura,  a  carta  régia  de  24  de  janeiro  de  1791  suprimiu, 
para  evitar  aumento  de  despesa,  a  cadeira  de  filosofia  racional  e  moral ; 
e  desde  então  até  1911  ficou  o  ensino  superior  das  Letras  sem  a  mínima 
representação  ém  Coimbra. 

A  reforma  de  1911,  criando  em  Coimbra  uma  Faculdade  de  Letras, 
veio  assim  reparar  uma  grave  falta  e  satisfazer  uma  antiga  aspiração 
repetidas  vezes  enunciada  ;  faz  honra  ao  Governo  Provisório  e,  em 
particular,  ao  seu  Ministro  do  Interior,  o  Sr.  Dr.  António  José  de 
Almeida.  Desde  então  voltou  a  velha  escola  de  Coimbra  a  merecer 
de  novo,  com  razão,  o  nome  de  Universidade, 


* 
*     * 


Não  atribui  a  Universidade  ao  Governo  a  principal  responsabilidade 
de  facto  no  atentado  de  que  foi  vítima.  O  Governo  foi,  com  efeito, 
iludido  pelo  sr.  Coelho  de  Carvalho,  o  maior  de  quantos  inimigos 
conta  a  Universidade,  desde  que  não  foi  prontamente  atendido  o  seu 
desejo  de  entrar  na  Faculdade  de  Letras. 

Já  uma  representação  dirigida  ao  Governo  pelo  corpo  docente 
pediu  a  urgente  substituição  deste  funcionário,  cuja  permanência  à 
frente  da  Universidade  —  entre  baionetas  —  é  uma  afronta  aos  seus 
professores,  com  êle  justamente  incompatibilizados :  desatende  os 
visitantes  ilustres  da  Universidade,  desacreditando-a  no  país  e  no 
estranjeiro  ;  despreza  os  seus  altos  corpos  administrativos  que  nunca 
convocou,  substituindo  à  lei  a  sua  vontade  soberana ;  invade  as  pre- 
rogativas  das  Faculdades,  permitindo-se  autorizar  inscrições  em  cadei- 
ras anuais,  no  fim  do  ano  lectivo  ;  esbanja  os  dinheiros  da  Universidade 
em  aparatos  e  comodidades  pessoais. 

Expostos  ao  sr.  Ministro  da  Instrução  os  factos  mais  graves  pratica- 
dos pelo  Reitor  da  Universidade,  o  sr  Ministro  prometeu  que  o  Reitor 
seria  chamado  a  Lisboa  e  não  voltaria  a  Coimbra.  Foi  o  sr.  Coelho 
de  Carvalho  chamado  efectivamente  a  Lisboa,  mas  voltou  para  Coim- 
bra ;  e  voltou  para  exercer  a  corrução  e  o  suborno  pela  promessa  de 
perdão  de  acto.    E  já  os  está  exercendo,  admitindo  nesta  altura  reque- 


(53) 


rimentos  para  exames  relativos  a  passada  época  de  outubro,  a  fim 
de  que  os  requerentes  aproveitem,  correcta  e  aumentada,  uma  dis- 
pensa de  provas  concedida  em  março  por  um  simples  despacho 
ministerial. 

Continua  no  seu  posto  o  ex-consul  de  Portugal  em  Shangai,  que  o 
decreto  de  25  de  novembro  de  1886  exonerou,  com  perda  de  venci- 
mentos, por  haver  cometido  «  faltas  graves  e  repetidas  no  serviço  », 
colocando-o  numa  disponibilidade  de  que  não  saiu  até  hoje. 

Também  o  sr  Ministro  da  Instrução  prometeu  à  comissão  de  pro- 
fessores que  a  Faculdade  de  Letras  seria  restabelecida  em  Coimbra,  e 
teve  ensejo  de  declarar  serem  inexactas  algumas  afirmações  desfavo- 
ráveis à  Universidade,  que  os  jornais  lhe  atribuiam.  Mas,  passados 
três  dias,  o  sr.  Ministro  da  Instrução  pronunciou  um  discurso,  na  ses- 
são de  homenagem  a  Magalhães  Lima  no  CoHseu  dos  Recreios  ;  e,  a 
serem  exactos  —  o  que  nos  repugna  acreditar  —  os  extratos  dos  jor- 
nais, ter-se  hía  referido  à  Universidade  nos  termos  mais  violentos  e 
mais  injustos. 

A  Universidade  não  pode  deixar  de  exprimir  o  seu  profundo  des- 
gosto e  a  sua  estranheza  por  tais  acusações,  inteiramente  gratuitas  ou 
improcedentes. 

Merecia  um  pouco  mais  de  respeito  a  nossa  Universidade  tradicional, 
que  data  de  1290,  poucas  se  lhe  avantajando  em  antiguidade. 

São  incontestáveis  os  seus  serviços  ao  país ;  e  dela  teem  saído 
individualidades  das  mais  eminentes  e  muitos  dos  maiores  estadistas 
da  República. 

O  seu  passado  liberal,  comprovado  até  pela  história  da  antiga 
Faculdade  de  Teologia,  é  um  facto  inegável ;  ainda  há  pouco  o  pôs 
em  relevo  no  seu  relatório  de  inquérito  à  Universidade  o  integérrimo 
Juiz  do  Supremo  Tribunal  de  Justiça,  Dr.  Vieira  Lisboa. 

As  censuras  e  ataques  à  Universidade,  se  não  implicam  má  fé,  par- 
tem de  quem  não  a  conhece,  de  quem  nunca  a  visitou,  de  quem  não 
sabe  o  que  lá  se  faz  e  ensina. 

A  Universidade  deseja  ardentemente  que  todos  os  seus  inimigos  a 
visitem  e  investiguem  da  sua  vida  académica,  que  está  patente  a  todos  ; 
e  espera,  em  particular,  do  Parlamento  Português,  a  mais  alta  expres- 


(54) 


sao  da   Soberania  Nacional,  onde  nâo  deve  ter  eco  senão  a  voz  da 

verdade,  que 

JUSTIÇA 

lhe  seja  feita,  a  começar  pela  revogação 
do  decreto  n.^  5:770  de  10  de  maio. 

Coimbra,  11  de  Junho  de  1919. 

A  Comissão, 

Angelo  da  Fonseca 
Filomeno  da  Câmara  Melo  Cabral 
Henrique  Teixeira  Bastos 
José  Alberto  dos  Reis 
Guilherme  Alves  Moreira 
Manuel  Fernandes  Costa 
Fernando  Bissaia  Barreto 
Luís  Wittnich  Carrisso. 


Carta  aberta  ao  Cx.'"°  Presidente  da  República 

Ex.mo  Sr.  Presidente  da  República. 

Perante  V.  Ex.»  vem  o  professor  abaixo  assinado,  respeitosamente, 
submeter  à  consideração  de  V.  Ex.»  os  actos  do  Sr.  Ministro  da 
Instrução  Pública  e  seu  delegado  pelos  agravos  ultimamente  por  eles 
feitos  à  Universidade  de  Coimbra,  e  em  que  avultam  factos  de  tão 
extravagante  gravidade,  que  de  si  afectam  o  próprio  prestígio  da 
Nação,  o  que  é  fácil  ver  da  história  do  que  se  tem  passado  entre 
aquele  Ministro  e  a  Reitoria. 

Primeiramente,  e  sem  o  menor  respeito  pela  autonomia  da  Univer- 
sidade, conseguida  através  de  velhas  dificuldades,  como  a  mais  alta 
garantia  pedagógica,  entendeu  o  Sr.  Ministro  da  Instrução  reformar 
a  seu  belo  prazer  uma  secção  da  Faculdade  de  Letras  pelo  decreto 
n.«^  5.491  de  2  de  maio,  preenchendo  imediatamente,  por  decreto  do 
mesmo  dia,  os  dois  novos  logares  criados,  com  pessoal  absolutamente 


(55) 


desconhecido  do  Corpo  docente,  conforme  este  representou  em  sua 
mensagem  de  14  de  maio  do  actual  ano  corrente. 

A  seguir,  e  como  represália  por  esta  representação,  aliás  lavrada 
cortesmente  e  no  mais  nobre  espírito  de  justiça,  entendeu  o  mesmo 
Sr.  Ministro  dever  demitir  o  Reitor,  professor  Joaquim  Mendes  dos 
Remédios,  dando-o  como  principal  responsável  na  atitude  da  sua 
Faculdade  contra  aquele  decreto,  e  substituindo-o  pelo  Sr.  Coelho  de 
Carvalho. 

Ora  este  Senhor  Coelho  de  Carvalho,  em  vez  de  zelar  os  superio- 
res interesses  do  Estabelecimento  a  que  fora  chamado  a  presidir,  de 
tal  forma  se  diminuiu  no  espírito  público,  e  especialmente  perante  a 
população  académica  do  País,  que  dentro  de  breve  tempo  se  incom- 
patibilizou com  os  professores  da  Universidade  de  Coimbra,  que  em 
seu  juízo  conjunto  o  acusaram  das  graves  e  seguintes  faltas  : 

l.o)  de  não  possuir  o  prestígio  moral  necessário  ao  seu  alto  cargo; 

2.0)  de  desprezar  os  corpos  administrativos  da  Universidade,  que 
jamais  convocou,  contra  o  seu  estatuto  fundamental ; 

3.0)  de  mendigar  a  sua  entrada  no  corpo  docente  da  Faculdade  de 
Letras  por  nomeação,  mediante  proposta  do  Conselho,  em  que,  sem 
rebuço,  tentou  empenhar  o  seu  director ; 

4.°)  de  representar  vergonhosamente  a  Universidade  perante  hós- 
pedes ilustres,  quer  portugueses  quer  estranjeiros  ; 

5.0)  e  finalmente,  de,  por  todos  os  meios,  tentar  o  descrédito  da 
Universidade,  tanto  particularmente  como  perante  o  Governo,  após  a 
repulsa  unânime  da  Faculdade  àquela  sua  solicitação. 

Por  estes  factos  representaram  ao  Governo,  efectivamente,  os  pro- 
fessores reunidos  sob  a  presidência  do  signatário,  observando  quanto 
era  atentatório  do  ensino,  e  particularmente  dos  direitos  da  gloriosa 
Universidade,  o  decreto  e  subsequentes  documentos  mandados  pela 
Secretaria  da  Instrução,  referindo-se  especialmente  à  atitude  do  Rei- 
tor, cuja  destituição  foi  pedida  em  nome  dos  superiores  interesses 
públicos. 

E  parece  que  tão  patente  foi  a  justiça  dos  reclamantes,  perante  o 
próprio  Sr.  Ministro  da  Instrução,  que  este,  respondendo  aos  Comis- 
sionados da  Universidade,  que  o  procuraram  em  29  de  Maio,  em  sua 


(56) 


secretaria,  lhes  prometeu  o  restabelecimento  da  Faculdade  de  Letras 
e  a  demissão  do  Reitor. 

Ao  mesmo  tempo  os  professores,  cônscios  dos  seus  deveres,  decla- 
raram que  não  se  receavam  de  quaisquer  inquéritos,  mas  antes  os 
desejavam,  bem  como  a  visita  de  todos  os  competentes  que  quisessem 
ir  informar-se  pessoalmente  a  Coimbra  do  seu  ensino.  Posta  a  questão 
nestes  termos,  nada  mais  claro  e  justo,  e  daí  o  terem  suposto  os 
interessados  sanado  o  incidente  pela  realização  daquelas,  aliás  devi- 
das, prometidas  e  naturais  reparações  por  parte  do  Governo. 

Não  sucedeu,  porem,  assim. 

E,  bem  pelo  contrário,  dentro  de  pouco  era  a  Universidade  publi- 
camente atacada  no  Circo  de  recreios  pelo  aludido  titular  da  pasta  da 
Instrução,  com  doestos  que  não  só  diminuiram  o  Ministro,  como 
resultaram  impróprios  do  mesmo  Coliseu  onde  foram  proferidos  ! 

O  Reitor,  Sr.  Coelho  de  Carvalho,  foi  de  facto  a  Lisboa  a  rogo 
daquele,  mas  para  voltar  em  breve  a  Coimbra  a  exercer  o  suborno  e 
a  corrução  pela  promessa  dos  mais  variados  perdões  de  acto. 

Repugnante  solução  !  Como  é  triste,  para  salientarmos  tais  pro- 
cessos, termos  de  recorrer  ao  exemplo  do  que  se  praticou  em  tempos 
idos,  onde  felizmente,  jamais  se  registou  caso  similar. 

O  último  perdão  de  acto  foi  concedido  por  decr.  de  25  de  Abril 
de  1852.  E,  tendo  sido  pedido,  por  parte  da  academia  de  1864  um 
outro  ao  Duque  de  Loulé,  por  este  logo  foi  negado  nos  termos  mais 
alevantados.  E  de  notar,  porem,  que  os  antigos  perdões  de  acto  não 
constltuiam  a  imoralidade  que  os  de  hoje  representam,  porquanto 
aqueles  eram  concedidos  em  regime  de  frequência  obrigatória,  e 
em  regra  aos  estudantes  que  os  Conselhos  escolares  julgavam  habi- 
litados. 

Como  quer  que  seja,  voltou  ao  seu  lugar  o  ex-consul  de  Portugal 
em  Shangai,  que  o  decreto  de  25  de  Novembro  de  1886  exonerara 
com  perda  de  vencimentos,  por  haver  cometido  faltas  graves  e  repe- 
tidas no  serviço,  do  que  resultou  ser  colocado  numa  disponibilidade, 
de  que  não  saiu  até  hoje. 

De  facto,  nada  mais  imoral  que  o  que,  presentemente,  se  está 
passando  na  Universidade  de  Coimbra. 


(57) 


No  actual  ano  lectivo  teem  sido  concedidos  perdoes  de  acto  por 
duas  formas  diferentes  : 

a)  por  simples  despachos  ministeriais,  não  publicados  no  Diário  do 
Governo  ; 

b)  e  por  decretos  ditatoriais. 

Pertencem  à  primeira  categoria  os  perdões  de  acto  concedidos 
pelos  despachos  do  Ministério  de  Instrução  Pública  de  10  de  Março, 
14  de  Maio  e  5  de  Junho. 

O  primeiro  dispensou  da  prova  oral  os  alunos  da  Faculdade  de 
Direito  de  Coimbra  que,  tendo  requerido  exame  na  época  de  outubro, 
haviam  prestado  as  respectivas  provas  escritas. 

O  segundo  dispensou  das  provas  escritas  e  orais  os  alunos  da 
mesma  Faculdade  que,  tendo  requerido  o  exame  em  outubro,  não 
chegaram  a  prestar  provas. 

O  terceiro  ampliou  a  concessão  da  dispensa  aos  alunos  que,  por 
motivos  de  doença,  nem  sequer  chegaram  a  requerer  exame  em 
Outubro  ! 

Alguns  alunos  reprovados  na  época  de  Outubro,  em  vista 
das  dispensas  referidas,  requereram  a  anulação  da  reprovação ;  o 
pedido  foi  atendido  por  despachos  lançados  nos  próprios  requeri- 
mentos ! 

Pertencem  à  segunda  categoria  os  perdoes  de  acto  constantes  dos 
decretos  5.787  LLLL  e  n.o  5.787  VVVVV  de  10  de  Maio. 

O  primeiro  dispensa  de  exame,  em  certas  condições,  os  alunos  das 
Faculdades  de  Direito,  que  comprovem  a  sua  permanência  no  exército 
durante  a  guerra. 

O  segundo  dispensa  o  exame  de  formatura  aos  alunos  da  Facul- 
dade de  Direito  de  Coimbra,  que  requereram  esse  exame  na  época 
extraordinária  de  maio. 

E  de  notar  que  o  l.<*  decreto,  embora  seja  de  natureza  ditatorial 
e  para  valer  como  lei,  tem  apenas  a  referenda  do  Sr.  Ministro  da 
Instrução. 

Por  outro  lado,  se  o  acto  do  Ministro,  dispensando  as  provas  dos 
exames,  já  de  si  é  dissolvente,  mais  extranho  é  ainda  o  procedimento 
do  Reitor,  consentindo  que  os  estudantes  ponham  nos  seus  requeri- 


(58) 


mentos  Uma  data  anterior  àquela  em  que  tais  documentos  sao  na 
realidade  feitos,  e  antedatando  os  seus  despachos ! 

Da  mesma  maneira  sucede  que  alguns  alunos,  que  não  haviam 
requerido  em  devido  tempo  exames  na  época  extraordinária  de  maio, 
para  aproveitarem  o  perdão  do  acto  concedido  pelos  decretos  n.^  5.787, 
teem  apresentado  requerimentos  com  a  data  de  29  de  Abril  e  que  o 
reitor  está  despachando  agora  com  data  de  30  do  mesmo  mês ! 

Senhor  Presidente  da  República:  —  Quando  da  greve  de  1907, 
com  a  qual  se  solidarizaram  alguns  dos  actuais  Ministros,  ao  tempo 
alunos  desta  Universidade,  pretendeu  o  Secretário  de  Estado  de 
então  —  Sr.  João  Franco  Pinto  Castelo  Branco,  depois  de  ter  fechado 
as  aulas,  mandar  fazer  os  actos  antes  de  ter  decorrido  o  período 
normal  do  ensino.  Sendo  o  signatário  já  a  esse  tempo  professoi, 
publicamente  declarou  que  não  iria  aos  actos,  por  se  não  prestar  ao 
que  considerava  uma  inferior  comédia,  atentatória  da  sua  dignidade 
de  professor,  que  êle  não  sabia  desligar  da  sua  dignidade  pessoal. 
Anunciaram,  por  esse  tempo,  os  jornais  a  perseguição  do  signatário 
por  parte  do  Ministro,  e  até  a  sua  demissão.  Mas  o  que  é  certo  é 
que,  contrariamente,  aquele  reconsiderou,  pelo  que  foi  concedida 
nova  época  de  aulas  para  a  Faculdade  de  Medicina,  após  a  qual  se 
realizaram  os  actos.  Presentemente,  vê  o  signatário  com  a  maior 
mágua,  arrastar-se,  há  perto  de  um  mês,  tão  desgraçada  questão, 
que,  tendo  a  seu  favor  as  academias  do  país,  e  todos  os  que  por  sua 
categoria  especial  conhecem  da  razão  que  assiste  à  Universidade, 
não  tem  por  si  aqueles  a  quem  especialmente  a  sua  justa  resolução 
cumpria. 

Não  queríamos  aludir  mais  ao  Sr,  Coelho  de  Carvalho,  que  em 
Coimbra  se  demora  ainda  na  edificante  obra  de  tentar  a  corrucão 
duma  geração  inteira. 

Mas  entendemos  do  nosso  dever  apelar  para  V.  Ex.^,  em  quem 
pesam  no  momento  as  qualidades  mais  responsáveis,  supremas,  para 
que,  por  seu  definitivo  esclarecimento,  interrogue  o  Governo,  onde 
se  encontram  alguns  dos  mais  aguerridos  da  greve  académica  de  1907, 
sobre  a  resposta  que  teriam  dado  ao  Reitor  da  Universidade  daquele 
tempo,  se,  para  o  defenderem,  liquidando  a  greve,  esse  Reitor  lhes 


(59) 


houvesse  suplicado  que  aceitassem  não  só  um  perdão  de  acto,  mas 
seis  dispensas  de  acto,  que  vão  desde  o  primeiro  exame  até  ao  exame 
da  formatura  ! 

Senhor  Presidente,  se  imediatamente  o  não  relegarem,  aquele 
homem  envenenará  uma  geração :  não  seria,  então,  o  perigo  de  uma 
legião  conservadora  que  o  regime  teria  de  experimentar,  dentro  dal- 
guns anos,  mas  o  de  uma  geração  cuja  dignidade,  altivez,  desassom- 
bro e  recto  proceder  o  Ministro  e  o  Reitor  quiseram  comprar  com, 
perdões  de  actos,  distribuídos  em  massa  ! 

Há  no  Governo,  há  no  Parlamento  quem  atenda  a  isto  ? 

Que  exemplos  teem  diante  de  si  os  que  se  estão  formando  e  se 
destinam  a  servir  a  Pátria  ? 

Os  duma  autoridade  corruta  e  corrutora,  que  em  nome  do  Estado 
lhes  vem  tentando  a  consciência  a  perdões  de  acto  ! 

Reclama-se  de  todos  os  lados  que  as  Universidades  se  não  limitem 
a  instruir,  mas  que  eduquem,  que  não  façam  apenas  diplomados,  mas 
homens,  que  não  tratem  apenas  cérebros,  mas  consciências. 

A  governar  no  professorado  da  Universidade,  que  um  mesmo  sen- 
timento de  dignidade  une,  quem  se  conserva  ainda  ? 

Um  homem  que  sugere  aos  estudantes  que  negoceiem  sua  honesti- 
dade por  um  perdão  de  acto  ! 

Quando  as  Universidades  de  Coimbra  e  de  Lisboa  reconhecem,  sem 
discrepância,  que  a  hora  de  ensinar  se  suspendeu  e  que  é  chegado  o 
momento  de  mostrarem  por  factos  que  sabem  também  educar  as 
gerações  que  lhes  foram  confiadas,  patenteando-lhes,  com  seu  exem- 
plo, os  sentimentos  da  dignidade  e  honorabilidade  profissionais  —  o 
que  fazem  este  Ministro  e  o  seu  Reitor,  mantido  ainda,  por  vergonha 
nacional,  dentro  das  Escolas  ? 

Procuram  afastá-los  duma  tal  lição,  sugerindo-lhes  que  a  releguem 
pela  vantagem  de  um,  dois,  três,  quatro,  cinco  e  seis  perdões  de  acto  ! 

Que  outros  exemplos  hão  de  dar  as  gerações  que  com  estes  se 
fizeram  e  graduaram  ? 

Que  atitude  hão  de  esperar  dos  outros  ? 

Para  V.  Ex.^,  Senhor  Presidente  da  República,  eu  apelo  neste 
momento,  com  a  indignação  de  quem  vê  traficar  com  os  destinos  da 


(60) 


Pátria,  pelo  tentame   de   compra  das  mais  nobres   g-eraçoes  acadé- 
micas. 

Finalmente,  deste  relato,  aliás  tão  simples  como  lealmente  feito,  do 
que  se  tem  passado,  verá  V.  Ex.»  quão  grosseira  e  inane  resulta  a 
acusação  de  que  o  presente  conflito  envolva  qualquer  propósito  polí- 
tico. 

Do  que  se  trata,  bem  pelo  contrário,  é  dum  caso,  que,  sendo  no 
começo  de  natural  e  especial  defesa  dos  interesses  pedagógicos  da 
Universidade  de  Coimbra,  se  transformou,  a  breve  trecho,  numa 
questão  do  maior  interesse  moral  e  colectivo. 

Eis  os  factos  a  julgar,  e  para  os  quais  ouso  chamar  o  alto  critério  de 
V.  Ex.»,  —  esgotados  os  demais  meios  até  agora  persistentemente 
seguidos  para  obter  justiça  em  tão  melindroso  caso. 

Tenho  a  subida  honra  de  me  subscrever,  com  toda  a  consideração, 

De  V.  Ex.a,  at.o  v.or  e  agAo 

Angelo  da  Fonseca, 

professor  de  clínica  cirúrgica  na  Faculdade  de 
Medicina  da  Universidade  de  Coimbra. 

Coimbra,  18  de  junho  de  1919. 


Ofícios  da  Academia  de  Scíências  de  Portugal 
à  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra 

Ex.n^o  Senhor  Doutor  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos, 
dig.mo  Director  da  Faculdade  de  Letras : 

Tenho  a  honra  de  participar  a  V.  Ex.a  que  o  Conselho  da  Acade- 
mia de  Sciências  de  Portugal,  reunido  ontem  em  sessão  extraordinária, 
resolveu,  sob  proposta  do  Doutor  Teófilo  Braga  e  minha,  pedir  ao 
novo  Governo  que  restabeleça,  imediamente,  a  Faculdade  de  Letras, 
na  Universidade  de  Coimbra,  e,  caso  não  seja  atendido,  apelar  para  o 


f 


(61) 


Parlamento,  em  nome  da  Justiça  e  dos  interesses  superiores  do 
ensino. 

Saúde  e  Fraternidade.  —  Lisboa,  2  de  Junho  de  1919. 

O  Secretário  perpétuo  servindo  de  segundo  presidente,  (a)  António 
Cabreira. 

Ex.""»  Sr.  Doutor  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos, 
dig.mo  Director  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade 
de  Coimbra: 

Em  nome  da  Academia  de  Sciéncias  de  Portugal,  agradeço  os 
exemplares  do  brilhantíssimo  estudo  que  V.  Ex.*  teve  a  amabilidade 
de  enviar. 

Outrosim,  participo  a  V.  Ex.^  que  vou  propor  que  a  corporação 
proteste  contra  o  princípio,  verdadeiramente  bolchevista,  de  se  casti- 
garem professores,  sem  forma  de  processo  regular,  despojando-os, 
assim,  de  direitos  que  conquistaram  pelo  seu  trabalho. 

Aproveito  o  ensejo  para  pedir  a  V.  Ex.^  a  necessária  autorização 
para  o  propor  para  vogal  da  Academia. 

Finalmente  rogo  a  V.  Ex.»  que  se  digne  comunicar  aos  seus  doutís- 
simos colegas  da  Faculdade  o  teor  deste  ofício,  cuja  intenção  é  ren- 
der uma  homenagem  de  apreço  e  afirmar  a  mais  estreita  solidariedade 
a  V.  Ex.a  e  a  esses  brilhantes  ornamentos  do  nosso  magistério  supe- 
rior. 

Saúde  e  Fraternidade.  —  Lisboa,  16  de  Junho  de  1919. 

(a)  António  Cabreira,  Secretário  perpétuo,  servindo  de  2.°  presi- 
dente. 


Ex."»»  Senhor  Doutor  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos, 
dig.mo  Director  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra : 

Rogo  a  V.  Ex.3  o  favor  de  transmitir  a  todos  os  seus  ilustres  cole- 
gas da  Universidade  que  em  conferência  realizada  ontem  com  o 
dr.  Magalhães  Lima,  o  convenci  da  justiça  que  assiste  a  esse  glorio- 


(62) 


síssimo  instituto,  e  de  que  é  profundamente  anti-jurídico  e  anti-demo- 
crático  o  procedimento  contra  os  doutíssimos  professores  da  Faculdade 
de  Letras. 

Além  disso,  eu  e  todos  os  que  compreendem  a  função  do  ensino 
superior,  entendemos  que  não  há  professores  monárquicos,  nem  repu- 
blicanos :  há  apenas  professores  competentes  ou  inábeis.  Da  mesma 
forma,  não  há  ensino  reaccionário  ou  liberal :  há  apenas  ensino  scien- 
tífico,  ou  impróprio  do  estabelecimento  onde  se  ministra. 

Todo  o  critério  governativo,  que  se  afastar  desta  orientação,  é 
iníquo  e  contrário  à  essência  do  próprio  regímen.  O  Dr.  Magalhães 
Lima  abraçou  entusiasticamente  estas  ideias,  esperando  eu  que  as 
concretize  em  quaisquer  actos. 

Autorizo  V.  Ex.a  a  fazer  dos  meus  ofícios  o  uso  que  julgar  conve- 
niente, pois  tenho  a  maior  honra  em  que  se  saiba  que  estou  incondi- 
cionalmente ao  lado  da  nossa  primeira  Universidade,  e  em,  de  qualquer 
forma,  poder  contribuir  para  o  seu  completo  triunfo. 

Saúde  e  Fraternidade.  —  Lisboa,  16  de  Junho  de  1919. 

(a)  António  Cabreira,  Secretário  perpétuo,  servindo  de  2.°  Pre- 
sidente. 


Ex.'""  Senhor  Doutor  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos, 
(Jjg.mo  Director  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade 
de  Coimbra  : 

Tenho  a  honra  de  participar  a  V.  Ex.»  que  ontem  foi  expedido  ao 
Presidente  da  Câmara  dos  Deputados  um  telegrama,  assinado  pelo 
Doutor  Teófilo  Braga  e  por  mim,  em  que  a  Academia  de  Sciências 
de  Portugal,  invocando  a  Justiça  e  os  interesses  superiores  do  ensino, 
reclama  o  restabelecimento  imediato  da  Faculdade  de  Letras  na  Uni- 
versidade de  Coimbra  e  a  reintegração  de  todos  os  respectivos 
Professores  e  Assistentes,  com  a  excepção  apenas  dos  que,  por  vir- 
tude de  processo  regular,  tenham  de  ser  afastados  do  serviço. 

Outrossim  me  cumpre  comunicar  a  V.  Ex.^  que  a  Academia  lamenta 
que  se  pretenda  dar  carácter  sectário  a  uma  questão  puramente  peda- 


(63) 


gógica  e  jurídica,  na  qual  só  devem  entrar  os  competentes.  Saúde  e 
Fraternidade.  —  Lisboa,  26  de  Junho  de  1919.  —  O  Secretário  per- 
pétuo servindo  de  Segundo  Presidente,  (a)  António  Cabreira. 


Nova  publicação,  rectificada,  do  artigo  2." 
do  decreto  n.*^  5:491,  de  2  de  maio  de  1919 

Artigo  2.0  O  quadro  dos  professores  do  6.°  grupo  é  aumentado 
de  dois  professores  ordinários  e  de  um  assistente. 

§  único.  O  primeiro  provimento  definitivo  das  vagas,  que  fiquem 
existindo  no  quadro  dos  professores  deste  grupo,  poderá  ser  feito  nos 
termos  do  artigo  55.°  do  decreto  com  força  de  lei  n.°  4:554,  de  6  de 
Julho  de  1918,  ou  livremente  pelo  Governo,  devendo  neste  caso  as 
nomeações  recair  em  pessoas  de  reconhecida  competência  scientífica. 
(Diário  do  Govcrfio  de  10  de  Maio  de  1919,  1.»  Sério,  n.°  98). 


Rectificações  ao  artigo  2."  do  decreto  n.**  5:770, 
de  10  de  maio  de  1919 

§  2. o  Aos  professores  colocados  na  situação  de  disponibilidade, 
por  virtude  das  disposições  deste  artigo,  serão  abonados  5/6  do  seu 
vencimento. 

§  3.0  Aos  professores  que  nos  termos  dâs  disposições  do  §  l.o, 
forem  encarregados  das  comissões  descritas  no  mesmo  parágrafo, 
será  abonado  o  vencimento  integral  da  efectividade. 

(Mário  do  Governo  do  27  do  Maio  do  1919,  1."  Serio,  n."  101 ). 


é 


Apenòice  3." 

A  imprensa  e  a  Faculdade 


De  todos  os  artigos  publicados  na  imprensa  periódica,  em  defesa 
da  conservação  em  Coimbra  da  Faculdade  de  Letras,  apenas  trans- 
crevemos os  que  pela  sua  importância  nos  pareceu  deverem  ser 
arquivados  —  o  que  não  implica  menor  apreço  pelas  que  se  omitem. 

Universidade  de  Coimbra 

Este  importante  estabelecimento  scientífico,  que  tem,  no  país  e  no 
estranjeíro,  as  tradições  mais  nobres  e  g"loriosas,  está  atravessando 
neste  momento  um  dos  seus  períodos  mais  graves. 

Depois  da  violência  injustificada,  que  se  cometeu  contra  a  sua 
Faculdade  de  Direito,  e  que  deu  ensejo  à  mais  honrada  e  leal  mani- 
festação de  solidariedade,  pacífica  e  ordeira,  a  que  temos  assistido  no 
país,  o  decreto  que  fulmina  a  condenação  da  Faculdade  de  Letras, 
que  em  poucos  anos  ganhou  raízes  e  se  nobilitou  no  pensamento 
português,  é  um  documento  espantoso  e  inconcebível. 

Se  nos  preguntam  se  condenamos  a  criação  duma  Faculdade  de 
Letras  no  Porto,  respondemos  que  a  isso  nada  temos  a  objectar,  e 
que  a  criação  de  tal  estabelecimento  scientífico  é  necessária.  A  essa 
parte  do  decreto  o  sr.  ministro  da  instrução  não  terá  certamente 
opositores. 

O  que  nós  condenamos  é  o  que  se  fez  contra  um  corpo  docente, 
que  tem  de  ser  respeitado  pelo  seu  saber  e  pela  sua  dignidade. 
O  «[ue  nos  surpreende  é  a  violência  injustificada  que  condena,  sem 
9 


(66) 


qualquer  forma  de  processo,  individualidades  intelectuais  de  reconhe- 
cido valor,  e  fecha  abrutamente  a  porta  da  Universidade  a  quem 
ensinava  e  a  quem  desejava  aprender. 

Professores  e  estudantes  foram  envolvidos  inesperadamente  na 
mesma  rudeza,  antes  de  findo  o  ano  lectivo  e  a  dois  dias  da  abertura 
do  parlamento. 

Para  que  semelhante  precipitação  ?  A  que  critério  de  justiça  se 
obedeceu  ?  Se  a  paixão  política  de  momento  colaborou  nesse  acto 
impensado  e  arbitrário,  diremos  que  os  períodos  de  agitação  não  são 
os  mais  próprios  para  proceder  com  a  serenidade  e  o  espírito  de 
rectidão,  que  devem  orientar  sempre  os  homens  do  governo.  Já 
Diog-o  do  Couto  dizia  nos  diálogos  do  Soldado  Prático,  a  propósito 
das  coisas  da  índia,  que  o  príncipe  apaixonado  não  pode  geralmente 
fazer  justiça  perfeita. 

Reflicta  o  sr.  Leonardo  Coimbra.  Aceite,  porque  os  merece,  os 
aplausos  que  lhe  são  devidos,  pela  forma  como  quis  beneficiar  a 
cidade  do  Porto,  que  aliás  tinha  todo  o  direito  a  ser  lembrada ;  mas 
não  deixe,  no  seu  lúcido  espírito,  de  considerar  o  carácter  do  diploma 
que  firmou,  e  que  a  Academia  inteira  não  pode  deixar  de  repudiar, 
como  uma  afronta  aos  seus  brios  intelectuais. 

(O  Primeiro  de  Janeiro  de  25  de  Maio  de  1919). 

Õ  ódio  íi  Universidade  de  Coimbra 

Cadastro  dos  "jesuítas  "  da  Faculdade  de  Letras 

Enviam-nos  o  cadastro  dos  jesuítas  da  Faculdade  de  Letras,  de 
Coimbra,  que  ali  deformavam  a  mentalidade  da  mocidade  portuguesa. 
Por  ele  se  verifica  quanta  razão  assiste  ao  filósofo  Coimbra  para  as 
suas  arremetidas,  que  não  tiveram,  como  se  esperava,  o  condão  de 
desviar  as  atenções  de  certos  assuntos  algo  complicados. 

Diz  o  cadastro  : 

Os  lentes  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  que  pelo  seu  jesui- 
tismo iam  alvorotando  a  opinião  liberal  do  país,  são  os  Doutores : 
António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos 


(67) 


Mendes  dos  Remédios 

Alves  dos  Santos 

Oliveira  Guimarãis 

D.  Carolina  Michaelis  de  Vasconcelos 

Eugénio  de  Castro. 

Destes  só  os  quatro  primeiros  é  que  foram  lentes  da  extinta 
Faculdade  de  Theologia,  e  dos  quatro  só  o  primeiro  se  não  secula- 
rizou  ( havendo  a  notar  que  o  segundo  não  é  padre,  o  terceiro  deixou 
bigode  e  registou-se,  e  o  quarto  é  conhecido  pelas  suas  ideias  liberais, 
chefiando  um  partido  republicano ). 

^  Quem  são  esses  homens  ?  —  Raro  se  encontrará  n*uma  corpo- 
ração scientifica  nomes  mais  ilustres,  espíritos  mais  abertos.  Ha 
mesmo  o  direito  de  os  desconhecer  no  nosso  pobre  país  ? 

O  Dr.  António  de  Vasconcelos  vale  uma  Faculdade.  É  uma  das 
mais  cultas  inteligências  de  Portugal.  O  seu  talento  é  multiforme  e  a 
sua  obra  vastíssima. 

Como  historiador,  Francisco  Suárez  e  D.  Isabel  de  Aragão  (  para 
não  falar  de  obras  mais  ligeiras,  espalhadas  nos  volumes  da  Revista 
da  Universidade,  Instituto  e  Revista  Lusitana,  etc. )  são  modelos  de 
conscienciosa  investigação,  que  Sampaio  Bruno  se  não  cansava  de 
admirar,   e   os   estranjeiros,   mais  justos   que   nós,    de   citar. 

Como  pedagogo,  as  suas  Gramáticas  da  língua  portuguesa  abrem 
uma  época  nova  no  estado  scientífico  da  nossa  língua.  Saíram  do 
núcleo  sábio  de  professores  coimbrãos  (  Dr.  José  Maria  Rodrigues, 
actualmente  da  Faculdade  de  Lisboa,  Dr.  Gonçálvez  Guimarãis, 
distinto  naturalista  e  talvez  maior  ainda  filólogo  ;  Dr.  Sousa  Gómez 
já  falecido ),  a  quem  se  deve  a  restauração  pedagógica  da  instrução 
secundária,  especialmente  no  tocante  ao  ensino  moderno  das  línguas 
portuguesa  e  latina. 

Como  paleógrafo  e  funcionário,  deve-se-lhe  a  organização  do 
Arquivo  da  Universidade  de  Coimbra,  e  esse  milagre  de  esforço  que  é 
o  edifício  da  Faculdade  de  Letras  ( com  a  complicada  organização  do 
seu  ensino  e  os  modernos  museus  anexos  —  de  psicologia  experi- 
mental €  a  galeria  cpigráfica,  sem  exemplo  na  nossa  terra).    Os  pro- 


(68) 


fessores  da  Faculdade  de  Letras  de  Lisboa  honradamente  teem 
confessado  o  seu  assombro.  Se  se  consumar  a  sua  expulsão  desse 
edifício,  comete-se  o  maior  crime  que  se  tem  visto  ! 

Como  professor,  que  falem  ( seria  um  devido  acto  de  justiça ) 
todos  os  que  foram  seus  discípulos.  Não  há,  certamente,  em  todo 
o  professorado  superior  de  Portugal,  quem  o  seja  mais  conscienciosa, 
mais  atraentemente. 

Inteiramente  afastado  da  política,  não  lhe  teem  faltado  injustiças. 
Ainda  há  poucos  anos,  como  fizesse  a  oração  de  sapiência,  e  tivesse 
que  apreciar  a  acção  de  D.  João  III  entregando  o  ensino  aos  jesuítas, 
consoante  se  lhe  afigurava  mais  imparcialmente,  lhe  caiu  em  cima  a 
imprensa,  representada  pelos  jornais  O  Dia  e  A  Nação  ! 

O  Dr.  Mçndes  dos  Remédios  é  uma  das  mais  livres,  altivas 
consciências  de  Portugal.  Quando  na  velha  Universidade  reinava  o 
dr.  Calisto,  já  ele  dava  na  sua  aula  de  Teologia  curso  livre  !  Como 
disse,  num  momento  de  franqueza,  um  inimigo  seu  e  da  Faculdade 
de  Letras,  o  dr.  Teixeira  de  Carvalho  ( Quim  Martins  ),  confessando 
que  o  dizia  com  toda  a  alegria,  com  toda  a  sinceridade,  «  não  foi  ele 
que  foi  ter  com  a  República,  a  República  é  que  veiu  ter  com  êle  !  > 
Instâncias  para  que  aceite  a  pasta  da  instrução  não  lhe  teem  faltado 
dos  republicanos,  mas  êle,  na  nobre  intransigência  de  quem  quer  viver 
só  para  o  estudo,  tudo  tem  repelido.  O  dr.  António  José  de  Almeida 
pode  dar  testemunho  de  quanto  se  tem  esforçado  para  o  arrancar  ão 
estudioso  remanso  de  Coimbra.  Tão  jesuíta,  que,  após  o  14  de  maio, 
o  seu  nome  prestigioso  foi  lançado  pelos  jornais  ( sem  consentimento 
nem  conhecimento  seu,  diga-sf  para  sua  honra)  para  ministro  da 
instrução  do  novo  ministério  saído  da  revolução  !  Ninguém,  como  êle, 
trabalhou  tanto  pela  criação  da  Faculdade  de  Letras,  em  substituição 
da  de  Teologia  —  na  renovação  da  Universidade  de  Coimbra.  O  fale- 
cido republicano  dr.  Eduardo  de  Abreu  pugnou  brilhantemente  nas 
Constituintes  da  República  por  um  projeto  que  queria  ser  justo  e  era 
honesto,  de  separação  da  Igreja  e  do  Estado  —  era  do  dr.  Mendes 
dos  Remédios  !  Sem  sacrificar  a  sua  fé  religiosa  ( será  já  um  crime 
tê-la  ? ),  na   sua   História  da  Literatura  Portuguesa  deixou  exemplo 


(69) 


da  independência  ( que  muitos  julgarão  injusta )  com  que  apreciou  os 
jesuitas  e  a  inquisição  —  onde  os  inimigos  de  agora  contra  o  jesui- 
tismo da  Faculdade  aprenderam  as  poucas  razões  que  sabem  ao  certo 
contra  os  jesuítas. 

A  sua  obra  scientífica  é  uma  grande  obra  de  modesta  honestidade, 
sem  alardes  —  toda  consagrada  ao  amor  da  nossa  literatura.  A  sua 
História  da  Literatura  Portuguesa,  com  as  suas  pretensões  pouco 
ambiciosas,  é  o  breviário  bibliográfico  de  todos  que  se  ocupam  de 
coisas  literárias.  Poucos  apreciarão  devidamente  o  trabalho  conscien- 
cioso que  ela  representa  e  a  sua  utilidade,  ainda  que  todos  com  ela 
tenham  aproveitado. 

A  biblioteca  qne  ele  dirige  de  Subsidiou  para  a  História  da  Lite' 
ratura  Portuguesa,  benemérita  divulgação  das  jóias  da  nossa  litera- 
tura, é  uma  iniciativa  que  lhe  merece  por  si  só  a  gratidão  nacional  — 
obra  à  qual  ainda  há  pouco,  na  inauguração  do  curso  português  na 
Sorbona,  aludia,  com  elogios  ao  autor,  o  distinto  lusófilo  francês  que 
o  rege.  Historiador  dos  Judeus  em  Portugal  e  em  Amsterdam,  é  sobre- 
tudo um  pedagogo  ilustre,  que,  com  os  seus  livros  elementares 
( imitando  nisso  os  maiores  mestres  alemães )  tanto  se  tem  esforçado 
por  elevar  o  nível  do  ensino  português. 

O  que,  porém,  lhe  tem  conciliado  a  má  vontade  dos  Carvalhos  é  o 
seu  altivo,  nobre  carácter  de  antes  quebrar  que  torcer.    . 

O  Dr.  Alves  dos  Santos,  padre-apóstata,  dirige  o  Instituto  de 
psicologia  experimental  ( que  ainda  não  existe  na  Faculdade  de  Letras 
de  Lisboa )  com  um  amor  e  uma  fé,  que  não  conservou  à .  .  •  sua 
Igreja.  E  um  professor  talentoso.  Escreveu  uma  Filosofia  para  os 
liceus,  que,  se  não  é  um  monumento  de  boa  filosofia,  depõi  suficien- 
temente a  favor  de  •  .  •  quão  afastado  anda  este  jesuíta  da  filosofia 
cristã :  —  livro  aquele  que  os  pais  cristãos  não  podem  consentir  que 
por  êle  somente  estudem  os  seus  filhos. 

A  política  evolucionista,  de  que  é  marechal,  tem-no  absorvido  bas- 
tante.   E  preciso  dissolver  esse  partido  por   .  .  jesuíta  L  .  . 

O  Dr.  Oliveira  Guimarãis  é  um  espírito  brilhantíssimo  —  espí- 
rito tão  moderno,  que  tem  consagrado  toda  a  sua  vida  a  um  colégio 


(70) 


que  dirig-e,  onde  quer  adaptar  os  melhores  processos  da  pedagogia 
moderna.  É  uma  iniciativa  rasgada,  a  que  se  tem  todo  consagado, 
sem  que  se  desinteresse  ainda  da  vida  pública,  pois  que  assentou 
praça,  subindo  logo  de  posto,  num  dos  partidos  da  República. 

A  Sr.a  D.  Carolina  Michaêlis  é  nome  tão  conhecido  e  respeitado, 
em  Portugal  e  no  mundo  sábio,  que  seria  ofender  o  público  ensinar- 
Ihe  o  que  lhe  deve  o  nosso  país,  O  dr.  Leite  de  Vasconcelos,  da 
Faculdade  de  Letras  de  Lisboa,  tem  dito  dela  a  amig-os  que  é  «  a 
mulher  mais  sábia  do  mundo  ».    E  não  exagera. 

Como  investigadora  literária,  apesar  de  nascer  alemã,  é  seg-ura- 
mente  o  primeiro  português.  A  sua  obra  é  muito  vasta  para  poder 
ser  aqui  apreciada.  Basta  recordar,  entre  outras  obras  e  artigos 
publicados  em  revistas  nacionais  e  estranj eiras,  o  seu  Cancioneiro  da 
Ajuda,  no  qual  ela  descobriu  para  a  literatura  portuguesa,  revelando- 
no-los  surpresos,  os  primeiros  tempos  da  nossa  poesia,  com  uma  eru- 
dição assombrosa. 

A  dívida  de  gratidão  de  Portugal  para  com  ela  é  tão  grande,  que  o 
governo,  que  nos  levou  à  guerra,  abriu  para  ela  uma  excepção  no 
decreto  que  expulsava  os  alemães,  julgando  honrar-se  com  faze-lo  ;  e 
foi  um  governo  republicano  que  lhe  entregou  a  sua  cátedra  universi- 
tária. 

Doutora  por  universidades  estranjeiras,  esta  extraordinária  senhora, 
que  veiu  a  Portugal  desatar  tantos  obscuros  problemas  da  nossa  histó- 
ria literária,  pelo  que  lhe  rendia  os  maiores  elogios  Menéndez  y  Pelayo, 
o  maior  espanhol  moderno,  nasceu  no  meio  universitário  de  Berlim, 
onde  a  religião  que  domina  é  a  protestante,  sem  prejuízo,  aliás,  da 
maior  liberdade  scientífica. 

Alheia  ao  catolicismo,  a  Senhora  Dona  Carolina  Michaêlis  de  Vas- 
concelos é,  porem,  acusada  de  Jesuitismo  neste  sórdido  meio  politi- 
cante ! .  .  . 

O  Dr.  Eugénio  de  Castro  é  o  gentil  artista  das  melhores  jóias  da 
poesia  moderna  portuguesa.  A  sua  obra,  moldada  em  formas  perfei- 
tas de  cor  e  som,  ficará  sendo  lida,  enquanto  se  falar  a  língua  por- 


(71) 


tuguêsa  —  para  que  sempre  se  saiba  como  no  IX  ano  da  República 
portuguesa  se  tratou  o  maior  poeta  português  de  então. 

Como  deve  apreciar-se  no  estranjeiro,  onde  há  o  respeito  pela 
liberdade  do  espírito  e  o  culto  pelas  competências,  o  respeito  com 
que  em  Portugal  se  trata  o  poeta  português  lá  mais  conhecido,  tra- 
duzido e  amado  —  poeta  pagão  em  tantas  das  suas  preciosas  páginas, 
para  quem  toda  a  sua  vida  tem  sido  apenas  uma  obra  de  arte  ! 

.  .   i  E  são  estes  os  Jesuítas  que  o  jacobiiiisiiiu  e  a  incompetência 
de  mãos  dadas  atacam  ! 

(A  Época  de  27  de  Maio  de  1919). 


Uma  campanha 

Só  conheci  ura  homem  a  quem  o  tempo  não  chegava,  mesmo 
quando  nada  tinha  que  fazer.  Esse  homem,  que  ainda  vive,  e 
oxalá  viva  por  muitos  anos  e  bons,  é  o  meu  velho  e  muito  pre- 
zado amigo  José  Agostinho  Pereira  e  Sousa,  abastado  proprie- 
tário cio  Alemtejo,  diplomado  pelo  antigo  Curso  Superior  de 
Letras.  Encontrei-o,  um  dia,  há  muitos  anos,  na  Baixa,  quase 
a  correr,  e,  querendo  detê-lo  para  dois  dedos  de  conversa,  êle 
declarou-me  que  não  podia  demorar-se,  e  que  já  chegaria  tarde 
ao.  seu  destino. 

—  Que  diabo  de  homem  é  você,  José  Agostinho,-  que  nàc 
tendo  nada  que  fazer,  anda  sempre  apressado  ? 

—  E  verdade  ;  nào  tenho  nada  que  fazer,  e  nunca  o  tempo  me 
chega ... 

Não  quis  perguntar-lho  para  que  lhe  nào  chegava  o  tempo,  e 
deixei-o  ir,  quase  a  correr,  curvado  para  a  frente,  como  era  seu 
costume,  o  passo  miudinho,  desviando  muito,  para  fora,  a  ponta 
dos  pés,  como  se  precisasse,  por  motivos  de  equilíbrio,  alargar 
a  base  de  sustentação. 

A  celebração  do  centenário  do  Marquês  de  Pombal  foi  uma 
das  mais  bolas  afirmações  de  espírito  livre  que  se  tem  feito  em 


(72) 


Portugal,  e  deveu-se  unicamente  à  mocidade  das  Escolas,  par- 
ticularmente à  Academia  de  Lisboa.  O  José  Agostinho  foi  um 
dos  mais  activos  membros  da  comissão  académica,  que  promo- 
veu essa  homenagem  ao  estadista  insigne,  que  é  das  raras 
grandes  figuras  da  nossa  história  política,  tào  grande  que  ainda 
não  foi  igualada  por  nenhum  dos  seus  sucessores  na  goveriia- 
ção  pública. 

Bem  se  pode  dizer  que  a  celebração  do  centenário  pombalino 
íbi  um  protesto  do  espírito  liberal  contra  maquinações  reaccio- 
nárias, que  se  faziam  sob  a  protecção  dos  altos  poderes  do 
Estado. 

Ainda  vivem  muitos  dos  académicos  que  promoveram,  as 
festas  pombalinas,  e  o  José  Agostinho,  sempre  muito  ocupado, 
sem  ter  nada  que  fazer,  é  com  certeza  o  que  se  conserva  mais 
novo,  mais  académico,  mais  rapaz. 

Ao  contrário  do  que  sucedia  cora  êle,  o  sucede  ainda,  prova- 
velmente, o  tempo  sobeja-me  quando  não  tenho  nada  que  fazer, 
e  isso  me  aconteceu,  outro  dia,  em  Aljustrel,  onde  passei  alguns 
meses  de  abençoado  repouso,  gosando  uma  felicidade  que  mal 
conhecia,  tào  pouco  a  ela  me  habituara. 

E  como  dispusesse  de  muito  tempo,  vinte  e  quatro  horas  em 
cada  dia,  para  o  que  me  apetecesse,  dei-me  a  folhear  a  colecção 
d'^  Lacta,  que  é  assim  uma  espécie  de  cemitério,  onde  jazem 
bons  doze  anos  da  minha  vida  de  esj^írito,  sob  as  mais  variadas 
formas  literárias. 

Lá  encontrei  aquela  campanha  a  propósito  da  greve  acadé- 
mica de  1907,  greve  que  principiou  em  Coimbra  e  quase  que  a 
Coimbra  se  limitou,  não  obs cante  ter  encontrado  éco  simpático 
nas  demais  Academias  do  Pais. 

E,eli  tudo  quanto  sobre  a  greve  escrevi,  muitos  artigos,  muitos 
sueltos,  e  cheguei  ao  fim  da  leitura  satisfeito,  plenamente  con- 
vencido de  que  fizera  uma  campanha  de  moralidade  e  de  justiça. 

Por  vezes,  naturalmente,  fui  agressivo  em  demasia  para  com 
as  pessoas ;  mas  respeitei  sempre  a  verdade  dos  factos,  e  nunca 
me  guiou  a  pena  um  sentimento  ruim.    A  velha  faculdade  de 


direito  era  tal  como  eu  a  mostrava  nos  meus  artigos,  e  eu  mos- 
trava-a  como  a  tinha  visto  no  quadro  que  dela  me  faziam  alguns 
dos  seus  Mestres  e  a  maior  parte  dos  seus  discípulos. 

Nunca,  em  toda  a  minha  vida  jornalística,  fiz  uma  campanha 
èm  que  tanto  queimasse  a  alma,  apaixonado  por  uma  causa  que 
reputava  santa,  e  que  via  tratar  como  se  fosse  um  episódio  de 
boémia  académica,  os  Professores,  com  raras  excepções,  esque- 
cendo a  função  educativa  que  lhes  compete,  e  os  governantes, 
sem  nenhuma  generosidade  de  sentimentos,  sem  nenhuma  ele- 
vação, de  idéas,  esibrçando-se  por  levarem  os  rapazes  a  um 
procedimento  indigno. 

Ainda  hei-de  reunir  em  volume  quanto  escrevi  sobre  a  greve 
de  1907,  porque,  se  há  nesse  trabalho  uma  boa  porção  do  meu 
espírito,  o  meu  coração  é  que  lateja  dentro  dele,  com  as  mais 
nobres,  as  mais  alevantadas,  as  mais  generosas  das  suas  palpi- 
tações. 

Sendo  assim,  o  leitor  compreende  facilmente  que  eu  visse 
com  simpatia  a  atitude  d'A  Lucta  na  questão  da  Faculdade  de 
Letras,  transferida  de  Coimbra  para  o  Porto,  questão  grave 
desde  o  começo,  e  que  hoje  se  pode  reputar  gravíssima,  porque 
se  meteu  dentro  dela  toda  a  Academia  portuguesa. 

Em  plena  ditadura,  e  apenas  à  distância  de  quatro  dias  da 
abertura  do  Parlamento,  mutila-se  uma  Universidade,  a  mais 
antiga  das  três  que  há  em  Portugal,  tirando-lhe  uma  Faculdade, 
alegando-se,  sem  provas,  que  ela  constitue  um  perigo  para  a 
República. 

O  relatório  que  acompanha  o  famoso  decreto  de  que  se  trata, 
e  que  se  diz  ter  sido  escrito  em  Coimbra,  e  daí  enviado  para 
Lisboa,  nada  mais  contém  do  que  afirmações  de  carácter  abso- 
luto, traindo  no  seu  autor,  quem  quer  que  êle  seja,  o  vício  emi- 
nentemente português  de  ter  por  demonstrado  aquilo  que  se 
afirmou,  a  afirmação  sendo  a  prova  de  si  mesma. 

Não  se  extingue  aqui,  para  se  crear  além,  uma  Faculdade  de 
Letras,  como  se  tira  daqui,  para  a  pôr  além,  uma  secção  da 
guarda  republicana,  ou  uma  secção  do  registo  civil,  e  se  adop- 


(74) 


tarmos  a  prática  de  atribuir  méritos  scientíficos  e  dotes  pro- 
fissionais por  decreto,  como  por  decreto  se  atribuem  honrarias 
nobiliárquicas,  para  satisfação  de  vaidades  sem  mérito,  conver- 
teremos o  ensino  num  verdadeiro  perigo  nacional,  talvez  o  maior 
de  todos. 

A  defesa  da  República  ! 

r 

Dizia  a  senhora  Rolland,  marchando  para  o  cadafalso:  O  liber- 
dade !    Quantos  crimes  praticados  em  teu  nome. 

*()uantos  eiTOs,  quantos  abusos  se  teem  praticado,  em  Portu- 
gal, de  ha  anos  a  esta  parte,  sempre  em  nome  da  defesa  da 
República ! 

(A  Lucta  de  29  de  Maio  de  1919). 

Bkito  Camacho. 


Universidade  de  Coimbra 

O  que  o  sr.  dr.  Ângelo  da  Fonseca  pensa 
sobre  o  conflito  latente 

Para  podermos  informar  seguramente  os  nossos  leitores 
sobre  a  questão  da  extinção  da  Faculdade  de  Letras  da  Univer- 
sidade  de  Coimbra,  fomos  hontem  procurar  o  sr.  dr.  Angelo  da 
Fonseca,  professor  da  Faculdade  de  Medicina  da  mesma  Uni- 
versidade, que  se  acha  em  Lisboa,  tratando  da  referida  questão. 

Chegados  ao  hotel  de  Inglaterra  e  exposto  o  motivo  que  ali 
nos  levava,  aquele  professor  começou  logo  por  defender  com  par- 
ticular entusiasmo  a  antiga  Faculdade  de  Teologia,  afirmando 
que  sempre  ela  se  mostrara  liberal.  Para  o  comprovar,  o  sr. 
Angelo  da  Fonseca  fornece-nos,  mesmo,  uma  larga  exposição 
escrita,  onde  se  historiam  vários  factos  da  vida  daquela  Facul- 
dade, tais  como  a  revolta  dos  lentes  de  Teologia  contra  a  Cúria 
romana,  de  onde  resultou  que  Roma  resolveu  não  tornar  a  fazer 
bispos  dos  bacharéis  formados  em  Coimbra,  indo  escolhê-los 
entre  os  diplomados  em  Roma,  no  Colégio  Português. 


(75) 


Entende  o  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  que  o  Governo  devia  ter 
demitido  o  reitor  sr.  dr.  Coelho  de  Carvalho,  para  prestigio  da 
República,  apenas  teve  conhecimento  de  que  éle  se  achava 
incompatibilizado  com  o  corpo  docente  da  Universidade  o  com 
a  Academia.  A  República  só  tem  a  perder  tendo  à  frente  da 
Universidade  um  reitor  que  está  sendo  constantemente  exauto- 
rado  pelos  alunos. 

—  Mas,  perguntámos  nós.  v.  ex.^  pode  dizer-nos  o  que  pre- 
tende a  Universidade? 

—  A  Universidade  deseja  que  a  Faculdade  de  Letras  seja 
mantida  tal  como  a  creou  o  sr.  dr.  António  José  de  Almeida, 
porque  a  Universidade  deixaria  de  ser  Universidade  desde  que 
se  lhe  tirasse  essa  Faculdade.  O  corpo  docente  o  que  deseja  é 
que  o  Governo  mande  fazer  um  largo  inquérito,  por  pessoa  com- 
petente, para  que  sejam  severamente  castigados  os  professores 
que,  por  ventura,  não  tenham  cumprido  os  seus  deveres,  ou 
tenham  feito  politica  de  qualquer  ordem  no  exercício  das  suas 
funções  docentes.  O  que  nào  se  pode  aceitar  é  que  sejam  cas- 
tigados professores  sem  culpa  formada.  Eu  não  posso  admitir 
que  seja  demitido  qualquer  professor  sem  ser  sindicado,  e,  se  o 
fôr,  eu  demitir-me  hei  também. 

—  De  modo  que  é  só  isso  o  que  a  Universidade  deseja? 

—  Perdão,  isto  é  uma  questão  de  momento.  Eu,  por  exemplo, 
trabalho  para  que  se  faça  a  federação  geral  dos  professores  de 
ensino  superior,  para  manter  a  autonomia  das  Escolas  que  a 
tenham,  como  já  propus  na  assemblêa  geral  dos  professores. 

—  E  V.  ex.^  julga  que  a  questão  terá  rápida  solução '? 

—  Certamente.  De  resto,  desejo  que  tudo  se  faça  aberta- 
mente e  absolutamente  às  claras.  Para  isso  já  hoje  convidei  o 
dr.  Magalhães  Lima  a  ir  a  Coimbra,  acompanhado  por  quem 
melhor  entender,  para  se  certificar,  pelo  arquivo  da  Faculdade 
de  Letras,  onde  se  acham  guardados  os  sumários  de  todas  as 
lições,  do  modo  como  o  ensino  ali  é  ministrado.  Quer  dizer,  este 
convite  é  feito  à  maçonaria  portuguesa.  As  portas  da  Univer- 
sidade de  Coimbra  estão  abertas. 


(76) 


Já  Íamos  para  nos  levantar  quando  o  ilustre  professor  nos 

disse  : 

—  Quanto  à  creação  duma  Faculdade  técnica,  é  inútil  pensar 
nisso.  O  ensino  técnico  só  pode  ser  feito  com  aproveitamento 
em  Lisboa,  onde  já  existe  o  I.  S.  T.,  que  só  precisa  do  apoio  do 
Governo  para  poder  dar  cabal  cumprimento  à  sua  missão. 
A  Faculdade  técnica  do  Porto  está  condenada  a  morrer,  por 
falta  de  frequência,  e  a  de  Coimbra  não  poderá  viver,  por  maio- 
ria de  razões.  O  que  é  indispensável  é  desenvolver  o  que  está 
creado.  » 

(  O  Século  de  30  de  Maio  de  1919 ). 


Da  reforma  à  greve 

Soube-se  pelos  jornais  de  15  do  corrente,  que  a  Faculdade 
de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  resolvera  requerer  a 
suspensão  do  decreto  que  reformava  a  secção  de  filosofia,  bem 
como  o  da  nomeação  de  novos  professores  feita  nos  termos  do 
mesmo  decreto,  até  que  as  Faculdades  dessem  sobre  êle  o  seu 
parecer. . . 

Aqui  foi  dito  como  aquele  diploma  alterava  a  legislação 
vigente,  modificando :  1."  —  o  quadro  de  disciplinas  da  secção 
de  filosofia;  2.<*  —  o  modo  de  recrutamento  de  professores. 

O  quadro  de  disciplinas  foi  consideravelmente  aumentado, 
figurando,  entre  as  adições,  uma  biologia,  uma  íísica  geral  e 
uma  química  geral.  Parecerá  a  toda  a  gente  que,  sendo  as 
Faculdades  de  Letras  parcelas  das  respectivas  Universidades, 
não  havia  razão  para  as  dotar  com  tais  cadeiras,  que  em  outras 
Faculdades  já  existem.  Precisam  os  aspirantes  a  médicos  de 
conhecimentos  de  física  e  de  química  gerais,  de  zoologia  e  de 
botânica,  e  vão  colhei  os  nas  Faculdades  de  Sciências  ;  precisam 
os  futuros  diplomadas  em  Direito,  de  conhecimentos  de  medi- 
cina legal,  e  ministra-lhos  o  professor  que  rege  essa  matéria 
nas  Faculdades  de  Medicina.    Se  amanhã  julgarem,  e  pôde  ser 


I 


(77) 


que  julguem,  necessárias  aos  futuros  médicos  umas  noções  de 
lingua  grega,  ninguém  pensará,  por  certo,  em  criar  uma  cadeira 
de  grego  nessas  Faculdades.  Eles  irão  às  de  Letras  adquirir 
tais  conhecimentos.  Esta  orientação  é  razoável,  é  económica,  e 
até  já  era  seguida  no  tempo  em  que  Lisboa  e  Porto  não  tinham 
Universidades,  e  somente  Escolas  independentes. 

Pessoas,  que  escondem  o  vazio  de  pensamentos  por  trás  de 
frases  campanudas  c  de  afirmações  dogmáticas,  respondem  a 
isto  que  há  uma  fisií^a  geral  e  uma  química  geral  próprias  para 
futuros  filósofos.  É  um  argumento  que  pôde  colher  em  Cascais 
e  em  Aveiras  de  Cima. 

Mas  não  foi  propriamente  contra  a  criação  das  novas  cadei- 
ras que  representou  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  e  sim 
pelo  modo  como  foi  feita,  sem  consulta  às  Faculdades,  na  ver- 
dade sem  consulta  a  ninguém.  A  última  reforma  de  estudos 
vem  duma  ditadura,  e  as  Universidades  aceitaram-na  com 
prazer.  Mas  teve,  essa  reforma,  um  demorado  estudo  e  a  cola- 
boração de  muita  gente.  Por  exemplo,  a  dos  estudos  médicos 
teve  por  base  trabalhos  efectuados  pelas  três  Faculdades  de 
Medicina,  os  quais  duraram  por  alguns  anos.  Foi  a  final  elabo- 
rada por  uma  comissão  de  três  professores,  delegados  das 
mesmas  Faculdades,  sendo  ouvidas  ainda  a  Associação  dos 
Médicos  Portugueses,  que  havia  eleito  uma  comissão  de  estudo, 
a  Associação  Médica  Lusitana,  cremos  que  a  Associação  dos 
Médicos  do  Centro  de  Portugal,  e  até  os  estudantes.  Por  fira, 
o  sr.  Alfredo  de  Magalhães  pôz-lhe  a  sua  assinatura  . .  e  fez 
muito  bem. 

Agora  foi  o  Governo  que  decretou  de  sciéncia  certa,  sem 
querer  saber  do  Parlamento,  que  ia  eleger-se  de  aí  a  nove  dias, 
nem  tomar  conselho  com  as  pessoas  que  pela  sua  situação 
oficial  mais  garantias  dão  de  conhecer  tais  assuntos.  Decretou, 
e  nomeou  logo  quatro  professores. 

Com  aquela  proficiência  que  adquirem  todos  os  que  passam 
nas  escadas  do  Terreiro  do  Paço  perante  vénias  de  contínuos  e 
de  pretendentes,  o  Governo   também  escolheu  umas  pessoas 


(78) 


para  professores,  sem  consulta  a  ninguém,  aos  homens  de 
quem  estes  iam  ser  colegas  e  cuja  opinião  conviria  ouvir,  ainda 
que  isso  não  fosse  uma  velha  e  respeitada  tradição.  São,  natu- 
ralmente, pessoas  de  muitos  méritos  os  escolhidos ;  mas 
melhor  era  que  esses  méritos  fossem  reconhecidos  pelos  espe- 
cialistas, do  que  tão  somente  pelo  Governo. 

Representara,  pois,  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra ;  e 
logo  em  seguida,  por  um  lado  os  actuais  e  antigos  alunos  de 
idêntica  Faculdade  de  Lisboa,  por  outro  os  graduados  desta 
Universidade,  protestaram  no  mesmo  sentido.  Pediam  que 
fossem  ouvidos  os  conselhos  das  Faculdades  sobre  a  reforma, 
que  as  nomeações  de  professores  só  pudessem  sev  feitas  pelo 
anteriormente  estatuído,  que  se  cuidasse  da  selecção  do  corpo 
docente,  e  finalmente  que  fosse  revogado  o  decreto.  Passava-se 
isto  em  14  de  Maio  corrente. 

A  resposta  não  se  fez  esperar.  Seis  dias  depois  era  demitido 
do  cargo  de  reitor  da  Universidade  de  Coimbra  o  sr.  dr.  Mendes 
dos  Remédios,  e  nomeado  o  sr.  dr.  Coelho  de  Carvalho,  que  já 
exercia  esse  lugar  interinamente.  No  dia  seguinte,  era  extir- 
pada a  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra,  e 
enxertada  na  Universidade  do  Porto.  Na  primeira  daquelas 
cidades  criava-se  uma  escola  de  Belas  Artes,  à  qual,  segundo 
se  disse  mais  tarde,  se  juntariam  umas  disciplinas  de  Letras, 
não  se  sabendo  afinal,  ao  certo,  a  qualidade  daquele  enxerto  — 
se  artes,  se  letras,  se  tretas. 

Havemos  de  ver  os  motivos  destas  graves  deliberações  :  os 
constantes  do  curto  relatório  que  antecede  o  decreto,  e  os  que  a 
imprensa  trouxe  a  público,  e  que  são  inteiramente  diversos. 
A  verdade  é  que  toda  a  população  universitária,  tanto  professo- 
res como  alunos,  se  manifestou  desfavoravelmente.  O  Senado 
universitário  de  Coimbra  perfilhou  a  doutrina  expendida  pela 
Faculdade  de  Letras  ;  o  de  Lisboa  apoiou  o  de  Coimbra ;  os 
estudantes  manifestaram-se  no  mesmo  sentido.  Houve  uma 
unanimidade  de  vistas,  que  nem  sempre  se  encontra,  dos  cor- 
pos docentes  e  discentes. 


(7f) 


Os  estudantes  ouviram  do  Governo  que  não  cederia,  e  resol- 
veram a  parede,  que  começou  em  Coimbra.  Em  27  do  corrente, 
os  alunos  das  Escolas  superiores  do  Lisboa  deixavam  também 
de  ir  às  aulas. 

Ano  tão  mau  para  estudos,  cortado,  quàsi  no  começo,  por  uma 
revolução,  e  depois  por  acidentes  de  toda  a  espécie  !  Que  pre- 
paração scientífica  podem  adquirir  os  rapazes  num  ano  lectivo 
assim  cerceado,  e  agora  perturbado  ainda,  quàsi  no  seu  final? 

Esta  consideração  deve  pesar  no  ânimo  de  todos,  e  principal- 
mente no  do  Governo. 

F.    MlBA. 

/^^  i^Mcía  de  31  de  Maio  de  1919). 


  questão  universitária 
Com  vista  ao  Sr.  Ministro  da  Instrução  Pública 

I 
A  geração  de  Coimbra  de  1907  e  o  actual  Governo 

Eu  pertenci  em  Coimbra  aquela  ala  dos  irreverentes,  que 
contra  a  Universidade  de  então  tiveram  a  coragem  e  a  inde- 
pendência de  levantar  o  seu  grito  de  protesto  e  de  revolta. 

Êle  ecoou  então  por  todo  o  país  ;  e  desse  movimento  —  que 
foi  a  greve  de  1907,  cuja  memória  há  de  perdurar  na  história  da 
Universidade,  porque  foi  uma  afirmação  de  aspirações,  nobili- 
tada por  uma  afirmação  de  carácter  —  desse  movimento  saiu  a 
primeira  reclamação  da  remodelação  do  ensino  e  dos  velhos 
estatutos  universitários,  que  devia  fazer  daquele  feudo  decrépito 
uma  Universidade  digna  do  nosso  tempo. 

E  esse  grito  partiu  da  mocidade  ;  daquela  ala  de  irreverentes, 
a  que  me  orgulho  de  ter  pertencido  bambem.  E  aquele  movi- 
mento, se  nos  lembrarmos  do  encadeamento  dos  factos,  dar-lhe 
hemos  o  valor  que  lhe  cabe  na  história  da  nossa  vida  política. 

Êle  intensificou  as  campanhas  contra  o  governo  de  João 
Eranco  e  precipitou  a  sua  queda,  actuando  assim  no  desencadear 


(80) 


dos  acontecimentos,  que  representavam  o  rápido  desmoronar  da 
monarquia. 

E  essa  mocidade,  que,  integrada  no  espírito  da  sua  época, 
traduzia  e  reflectia  a  esperança  numa  organização  melhor,  foi 
a  colaboradora,  a  mais  fiel  e  desinteressada,  a  mais  entusiasta 
e  confiante,  em  todos  os  momentos  de  luta  e  de  perigo,  até  ao 
triunfo  da  República. 

E  tão  alto  e  tão  longe  ecoara  o  nosso  protesto,  tanto  êle  tra- 
duziu uma  afirmação  de  aspirações  e  de  princípios,  e  de  tal 
maneira  abalou  a  consciência  nacional,  que  um  dos  primeiros 
actos  da  República  foi  a  reforma  da  Universidade  de  Coimbra. 

Neste  simples  registo  de  factos,  não  posso  analisar  o  que 
foram  essas  primeiras  tentativas  de  reformas,  inconsistentes 
e  imperfeitas  ;  mas  elas  marcam  uma  tendência  renovadora,  e 
é  esse  todo  o  seu  valor  histórico. 

Um  dia,  mais  tarde,  os  estudantes  entraram  nas  aulas,  e  derru- 
baram a  machado  as  cátedras  e  os  velhos  bancos. 

Já  nós,  no  nosso  tempo,  tinhamos  proclamado  aqueles  actos 
violentos  de  sahotage,  sem  os  levarmos  a  efeito.  Mas  a  ideia 
subsistiu,  com  essa  independência  de  todas  as  ideias  consub- 
stanciadas, que  representam  uma  aspiração  indestructivel. 

Os  espíritos  graves  e  ponderados  haviam  de  se  ter  chocado 
—  é  justo  e  justificável  —  perante  os  excessos  da  mocidade ; 
mas,  após  a  violência  daquele  gesto,  aparece-nos  uma  Univer- 
sidade transfigurada  :  em  vez  dos  velhos  bancos  esguios  — 
carteiras  cómodas  para  cada  aluno,  como  exprimindo  o  respeito 
pela  pessoa  do  estudante  ;  e  em  vez  da  cátedra  evocando  os 
púlpitos  —  uma  simples  mesa,  com  que  o  professor  desceu  ao 
nivel  dos  seus  alunos. 

E  é  o  fundo  significado  moral  desta  simples  mudança  de 
indumentária. 

Eu  quis  evocar  rapidamente  todos  estes  factos  passados, 
para  neles  encandear,  como  remate,  os  líltimos  decretos  que 
novamente  vieram  pôr  em  foco  a  Universidade  de  Coimbra. 


(81) 


Porque  se  dá  a  circunstância  do  actual  Governo  incluir  entre 
os  seus  membros  três  estudantes  dessa  plêiade  revolucionária 
de  1907.  Um  deles,  o  ministro  das  finanças,  fora  um  dos  estu- 
dantes expulsos  ;  outro,  o  da  justiça,  fazia  parte  comigo  da 
comissão  da  Academia,  encarregada  de  ir  a  Lisboa  apresentar  o 
seu  protesto  ao  Parlamento. 

Foi  uma  gloriosa  jornada  aquela,  em  que  nós  fomos  deante 
do  ditador,  com  toda  a  insolente  altivez  da  nossa  idade,  e  com 
o  desassombro  das  nossas  convicções,  lêr  as  reclamações  da 
Academia  de  Coimbra. 

E  o  que  nós  reclamávamos  era  isto. . .  apenas  :  a  remode- 
lação do  ensino  e  dos  estatutos  universitários,  em  harmonia 
com  as  novas  aspirações,  a  as  tendências  e  as  necessidades  da 
nossa  época. 

Poderá  parecer  que  um  ódio  velho,  uma  espécie  de  fobia 
latente  contra  a  Universidade  de  Coimbra,  acordou  agora  na 
alma  do  Governo.   Mas  não  ;  por  certo. 

Nem  a  Universidade  de  hoje,  remodelada  já  pela  República,  é 
a  velha  Universidade  do  nosso  tempo,  nem  o  sr.  ministro  da 
instrução,  que  deve  ser  o  único  autor  dos  últimos  decretos 
(que  melhor  seria  que  tivessem  adormecido  na  sua  pasta ), 
pertenceu  a  essa  geração  revolucionária  de  Coimbra  de  1907. 

Mas,  por  considerar  nesta  circunstância  de  três  membros  do 
Governo  de  hoje  terem  sido  os  meus  companheiros  das  lutas  de 
ontem,  eu  venho  proclamar,  com  a  autoridade  que  esse  passado 
me  dá,  o  meu  desacordo  com  as  recentes  medidas  do  ministro 
da  instrução,  pelo  que  elas  têem  de  atentatório  às  garantias  e 
direitos  individuais,  à  dignidade  profissional  e  à  liberdade  da 
cátedra ;  ao  mesmo  tempo  que  representam  um  golpe  injusto  e 
extemporâneo  naquela  que  pela  tradição,  pelo  direito,  pelo 
trabalho,  por  todas  as  suas  condições,  e  ainda  por  ser  o  nosso 
estabelecimento  de  ensino  mais  conhecido  no  estranjeiro,  deve 
ficar  a  nossa  primeira  Universidade. 

Não  se  apregoe  insidiosamente,  neste  meio  em  que,  por  nosso 
mal;  as  palavras  ocas  fazem  éco  e  as  ideias  são  apanhadas  ao 
10 


(82) 


vento,  que  a  Universidade  de  Coimbra  é  retrógada,  reaccionária 
e  jesuíta.- 

E,  ai !  quantos  na  sua  servil  coerência  de  oportunismo  e  de 
covardia,  fazem  agora  coro  com  os  puritanos  simplistas,  apoiando 
o  Governo  contra  a  Universidade,  reformada  já  pela  República, 
tendo-a  bajulado  antes,  no  tempo  da  monarquia,  quando  a  regiam 
ainda  os  decrépitos  estatutos  de  Pombal ! . . . 


Os  actos  do  sr.  ministro  da  instrução  referentes  à  Universi- 
dade, como  todos  os  actos  que  representam  uma  arbitrariedade 
e  uma  violência,  e  ao  mesmo  tempo  uma  leviandade,  de  forma 
alguma  podem  orgulhá-lo,  se  êle,  calando  as  suas  paixões  e 
fugindo  às  exortações  das  turbas,  tiver  ouvidos  para  ouvir 
apenas  a  voz  da  sua  consciência. 

Teve  recentemente  o  sr.  ministro  da  instrução  o  malogro  das 
sindicâncias  feitas  a  quatro  lentes  da  Faculdade  de  Direito. 

Suspenderam-se  antecipadamente  esses  lentes,  com  o  simples 
fundamento  de  umas  vagas  acusações  anónimas,  e  indicavam-se 
ao  mesmo  tempo  já  os  nomes  que  os  substituíssem.  A  portaria, 
que  posteriormente  lhes  determinava  a  sindicância,  representou 
um  recurso  de  que  foi  preciso  deitar  mão  em  face  do  movimento 
de  solidariedade  que  se  afirmou. 

E  de  tudo  isso,  sr.  ministro,  —  deve-se  reconhecer  e  confes- 
sar, —  os  únicos  documentos  honrosos  que  ficaram,  foram  as 
«  respostas  »  dos  sindicados  I 

Não  sou  procurador  desses  lentes,  que  nem  conheço,  mas  tão 
pouco  me  retraio  em  dizer  o  que  sinto  e  o  que  penso,  lamen- 
tando que  os  nossos  homens  públicos  prosigam  em  erros  velhos, 
que  não  dignificam,  nem  aqueles  que  os  praticam,  nem  o  regime 
que  os  sanciona. 

Então  fomentou- se  no  espirito  público  que  a  Faculdade  de 
Direito  era  gcrmanófila  e  reaccionária  ;  agora  o  golpe  foi  contra 
a  Faculdade  de  Letras,  e  espalha-se  aos  quatro  ventos  que  ela 
é  retrógrada  e  jesuíta. . . 


I 


(83) 


Sempre  o  mesmo  velho  processo  das  insinuações  que  se  nâo 
demonstram,  na  certeza  de  que  elas  se  propagam  na  incon- 
sciência do  vulgo. 

—  Há  professores  que  saem  fora  da  lei  e  fora  das  suas  atri- 
buições escolares,  atentando  contra  a  Eepública  ?  Que  a 
República  os  chame  à  responsabilidade,  aplicando-lhes  as  leis 
que  ela  tem  para  se  defender. 

—  São  maus  ou  são  deficientes  os  actuais  programas  de 
ensino?  Pois  que  esses  programas  se.  modifiquem  e  se 
remodelem. 

Tudo  isto  é  justo  ;  e  é,  cumulativamente,  um  direito  e  uma 
obrigação  da  República. 

Está  bera,  e  assim  deve  ser. 

II 
Os  antecedentes  da  questão 

Chegámos  agora,  depois  deste  longo  preâmbulo  que  repre- 
senta um  encadeamento  de  ideias  e  de  factos,  à  questão  moir.en- 
tosa  da  Universidade. 

Publicou  o  sr.  mini.stro  da  instrução,  para  execução  imediata, 
nesta  altura  do  ano  lectivo  e  a  dois  passos  da  abertura  do 
parlamento  (estes  reparos  não  são  do^^cabidos),  o  decreto  que 
remodelou  os  estudos  filosóficos  na  Faculdade  de  Letras. 

E  o  decreto  n."  5:491  de  2  do  corrente.  E  tanta  pressa  se 
dava  ao  provimento  dos  lugares  creados,  que,  com  a  mesma 
data  de  2  de  maio,  se  nomeavam  os  novos  professores. 

Notemos,  sem  comentar,  esta  faculdade  que  o  ministro  agora 
se  arrogou,  consignando-a  na  lei. 

Que  autoridade  reconhecerá  o  mesmo  ministro  amanhã  a 
qualquer  sucessor  na  sua  pasta,  para  avaliar  da  competência  de 
cada  um  (é  este  o  espírito  do  artigo)  e  começar  a  nomear  pro- 
fessores como  muito  bem  lhe  parecer  e  aprouver? 

Mas  eu  não  venho  apreciar  aqui  esse  decreto  de  remodela- 
ção, porque  seria  desviar  a  questão  do  aspecto  por  que  a 
encaro,  e  do  pé  em  que  a  coloquei. 


(84) 


Sobre  esse  decreto  manifestaram- se  logo  os  estudantes  da 
Faculdade  de  Letras  de  Lisboa,  verberando  o  seu  protesto  e 
pedindo  ao  Governo  a  sna  revogação. 

Em  seguida  manifestou-se  o  Conselho  da  Faculdade  de 
Letras   da   Universidade   de   Coimbra. 

A  sua  atitude  é  altiva  mas  correcta,  e  as  razões,  que  no 
seu  protesto  alega,  calam  em  todos  os  espíritos  justos  e 
imparciais. 

«  A  Faculdade  não  pretende  apreciar  o  decreto  sob  os 
múltiplos  aspectos  em  que  ele  poderia  ser  encarado.  Não  é 
aqui  o  logar,  nem  a  oportunidade.  A  Faculdade  quere  tão 
somente  referir-se  a  considerações  de  ordem  pedagógica,  úni- 
cas que  poderiam  ter  inspirado  esse  documento.  E,  sendo 
assim,  como  explicar,  a  ponco  mais  dum  mês  do  termo  do  ano 
lectivo,-  a  publicação  desse  decreto  remodelando  uma  secção 
completa  do  quadro  das  Faculdades  de  Letras,  sem  se  ouvirem 
os  respectivos  professores  dessas  Faculdades  ?  Se  o  ano  vai 
terminar  brevemente,  se  não  bá  alunos,  nem  há  possibilidade 
de  matrículas,  como  pôr  em  prática  a  doutrina  do  decreto  ^á  710 
ano  corrente  ?  Se  foi  para  atender  a  uma  imperativa  necessi- 
dade scientífica,  dificilmente  se  explicará  a  exclusão  de  maté- 
rias mais  intimamente  relacionadas  com  as  especulações 
filosóficas,  que  algumas  das  que  figuram  com  larga  representa- 
ção e  como  privativas  do  quadro. 

«  Se  estas  considerações  são  razoáveis,  como  se  nos  afigura, 
a  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  ousa  pensar 
que  a  sua  colaboração,  se  fosse  solicitada,  só  auxiliaria  os  bons 
propósitos  de  V.  Ex.',  servindo  simultaneamente  os  altos  interes- 
ses do  ensino, 

«  Mas  a  sua  colaboração  não  só  não  foi  solicitada,  como  nem 
sequer  lhe  foi  dado  conhecimento  prévio  do  importante  diploma 
a  que  vimos  aludindo.  Tal  atitude  só  pode  ser  interpretada 
como  um  profundo  agravo  feito   à  Faculdade. 

a  E  tendo  essa  demonstração,  injusta  e  imerecida,  partido  do 
próprio  ministro  da  instrução,  até  V.  Ex.*  levamos  desassom- 


(85) 


bradamente  a  razão  do  nosso  protesto,  como  cidadãos  amantes 
do  nosso  país,  como  professores  ciosos  das  nossas  responsabi- 
lidades e,  acima  de  tudo,  orgulhosos  da  Universidade,  a  que 
pertencemos  e  em  que  fomos  educados.  » 

Não  são  menos  justas  as  observações  ao  decreto  no  referente 
à  nomeação  dos  novos  professores. 

«  E,  se  a  Faculdade  lamenta  não  ter  podido  colaborar  com 
V.  Ex.'  na  remodelação  do  quadro  das  sciéncias  filosóficas, 
maior  motivo  de  reparo  tem  por  não  ser  ouvida  quanto  à  desi- 
gnação das  pessoas  nomeadas  pelo  decreto  de  2  do  corrente. 
Claro,  que  não  se  trata  da  legalidade  das  nomeações.  Essa  está 
assegurada  pela  doutrina  do  decreto  citado,  n."  5:491,  Mas, 
tratando-se  de  professores,  que  amanhã  ingressarão  na  Facul- 
dade, porque  não  observar  com  ela,  pelo  menos,  a  simples 
deferência  duma  consulta  ? 

«  Exige  o  decreto  que  sejam  pessoas  de  reconhecida  competência 
scientifica;  mas  o  facto  é  que  os  professores  da  Faculdade  labo- 
ram no  mais  profundo  desconhecimento  dos  méritos  dos 
nomeados,  tornando-se,  por  isso,  indispensável  que  lhes  tivesse 
sido  dada  notícia,  pelo  menos,  dum  simples  curriculum  vitae 
para  sua  elucidação.  Nestes  termos  recorrer  à  nomeação 
directa,  pura,  simples,  formal,  sem  proposta  nem  consulta  da 
Faculdade,  pode  ter  precedentes  com  que  se  abone,  mas  não  se 
nos  afigura  a  mais  conforme  com  os  interesses  do  ensino,  o 
prestígio  da  Universidade,  e  o  bom  nome  dos  próprios  agra- 
ciados. » 

O  sr.  ministro  da  instrução  melindrou-se  com  aquele  curri- 
culum vitae,  que  traduziu  -çor  folha  corrida. 

Substituímos  os  nossos  comentários  pelos  próprios  do  Con- 
selho da  Faculdade  de  Letras,  porque  nada  tendo  a  juntar,  eles 
servem  para  demonstrar  ao  mesmo  tempo  os  termos  «  desres- 
peitosos e  ofensivos  »,  em  que  a  sua  representação  foi  con- 
cebida. 


(86) 


III 

A  desanexação  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra 
e  a  suspensão  do  reitor 

Como  se  castigam  meninos,  o  sr.  ministro  da  instrução  pública 
respondeu  àquela  representação  com  um  decreto  demitindo  o 
reitor,  e  com  outro  desanexando  da  Universidade  de  Coimbra  a 
Faculdade  de  Letras. 

E  não  se  poderá  também  chamar  a  isto  um  verdadeiro  abuso 
do  poder? 

São  incitamentos  à  subserviência  tanto  um  como  outro  decreto, 
porque  é  essa  subserviência  afinal  que  se  proclama,  ao  taxar- se 
de  ofensivo  e  desrespeitoso  o  protesto  desassombrado,  mas 
sereno,  dos  professores  da  Faculdade  de  Letras,  na  legítima  e 
justa  defesa  dos  seus  direitos  lesados,  e  no  uso  de  livre  aprecia- 
ção, exclusivamente  profissional ! 

Só  a  má  fé  pode  atribuir,  no  decreto  de  demissão  do  antigo 
reitor,  a  atitude  dos  professores  de  Letras  de  Coimbra  a  um 
«  acto  intencional  de  indisciplina  »  e  nele  filiar  a  atitude  dos 
seus  alunos. 

Anteriormente  aos  estudantes  e  aos  professores  de  Coimbra, 
já  se  tinham  manifestado  os  estudantes  de  Lisboa. 

As  causas  justas  têem  este  poder  coesivo,  mostrando  assim 
que  a  justiça  não  é  apenas  uma  palavra  vã. 

E  que  orientação  criteriosa  é  essa,  a  que  plano  ponderado  se 
pode  ter  obedecido,  quando,  decretando  ainda  em  2  de  maio  a 
remodelação  do  grupo  de  filosofia  da  Faculdade  de  Letras  na 
Universidade  de  Coimbra,  se  vem  já  em  10  de  maio  (oito  dias 
apenas  mais  tarde  ! )  desanexar  da  mesma  Universidade  de  ' 
Coimbra  aquela  Faculdade  de  Letras?! 

E  a  incoerência  de  todas  as  coisas  que  se  escrevem  leviana- 
mente sobre  o  joelho ;  ao  mesmo  tempo  que  se  evidencia  o  espí- 
rito de  vindicta  que  presidiu  à  factura  daqueles  decretos. 

# 

E,  no  fim  de  contas,  com  todos  aqueles  considerandos  em  que 
se  baseia  a  extinção  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  esse 


(87) 


decreto  ( de  10  de  maio  do  corrente  ano )  é  o  mais  honroso 
atestado  que  o  ministro  lhe  podia  passar. 

De  facto,  reconhece-se  ali,  «  que  a  cidade  de  Coimbra  é  um 
meio  essencialmente  universitário,  vivendo  o  professorado  e  o 
corpo  docente  da  Universidade  como  que  insulados  no  seu  tra- 
balho especulativo,  literário  e  scieutifico  »  (3."  considerando  ), 

Reconhece-se  tam.bém  «  que  a  Faculdade  de  Letras  da  Ilni- 
versidade  de  Coimbra  tem  orientado. . .  notavelmente  a  cultura 
dos  seus  alunos  »  ( õ."  e  ultimo  considerando) ;  com  quanto  se 
acrescente  que  essa  orientação  tende  a  dar  «  preferencia  à  eru- 
dição livresca  sobre  as  especulações  originais  do  espírito 
moderno,  manifestando- se  na  filosofia,  revelada  nas  obras  dos 
seus  principais  professores  e  alunos  laureados,  uma  quasi  com- 
pleta orientação  tomista  de  forma  escolástica  ». 

( O  sr.  ministro  queria  talvez  dizer  antes  «  orientação  esco- 
lástica de  forma  tomista  »  ). 

O  certo  é  que  os  ecos,  propagados  ao  vento,  já  espalharam 
esta  afirmação  de  s.  ex.». 

Hoje,  uma  boa  dose  da  opinião  pública  já  está  realmente 
convencida  que  sim,  que  a  Universidade  de  Coimbra  é  germa- 
nófila,  escolástica  e  tomista  ! 

Muito  proveitoso  é  o  éco  ! 

# 

Mas  afinal,  sr.  ministro,  daqueles  dois  considerandos  do  decreto, 
e  ainda  mais  do  outro  que  salienta  que  «  as  condições  sociais  da 
cidade  do  Porto  sào  de  mais  larga  actividade  que  as  de  Coimbra  » 
^4."  considerando ),  o  que  se  deduz  é  exactamente  o  contrário  do 
que  o  decreto  deduziu  : 

Que  na  cidade  do  Porto,  meio  social  em  que  as  mais  variadas 
manifestações  da  actividade  se  exercem,  deve  ficar  a  Faculdade 
Técnica  e  a  Escola  das  Belas  Artes  ;  e  em  Coimbra,  meio  essencial- 
mente universitário,  mais  próprio  para  o  trabalho  especulativo,  lite- 
rário e  scientifico,  deve  ficar  a  Faculdade  de  Letras,  que  nada 
tem  que  ver  com  o  movimento  das  docas,  ou  das  praças,  a 
indústria  ou  o  comércio  de  vinhos  finos. 


(88) 


*. 


Para  nada  faltar  às  razões  que  o  decreto  alega  para  a  extin- 
ção da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  resta  apenas  referir  o 
l.*'  considerando,  onde  se  fala  no  professorado  liceal,  e  o  2."  consi- 
derando, que  eu  não  traduzo  em  português  corrente  para  lhe 
não  tirar  o  sabor  original. 

Diz  assim  : 

«  Convindo  que  quem  se  destina  ao  ensino  secundário  —  que 
é  neste  que  se  forma  o  carácter  dos  alunos  e  porque  não  pode 
ser  bom  educador  quem  não  tenha  o  conhecimento  prático  da 
vida  —  siga  os  seus  estudos  superiores  num  meio  social  em  que 
as  mais  variadas  manifestações  da  actividade  se  exerçam  ». . . 

Não  sei  se  o  leitor  poudé  seguir  bem  o  fio  da  ideia  através  da 
escabrosidade  da  prosa ;  mas  é  o  que  lá  está. 


J 


Quanto  à  tal  orientação  tomista  de  forma  escolástica  ( eu 
embirrei  com  isto,  como  o  sr.  ministro  embirrou  com  o  curri- 
culum vitae)  é  lá  com  os  professores.  Eles  que  se  expliquem. 
Mas  com  respeito  à  erudição  livresca,  eu  não  a  vejo  realmente 
mais  justificada  do  que  numa  Faculdade  de  Letras.  E,  de  resto, 
essas  tais  especulações  originais  do  espirito  moderno,  que  o  decreto 
apregoa,  também  não  as  compreendo  sem  os  livros. 

O  que  vejo  afinal  nestas  frases  todas,  sr.  ministro  —  é  apenas 
uma  filarmónica  de  instrumentos  de  sopro. 


Abre-se  o  decreto : 

«  E  desanexada  da  Universidade  de  Coimbra  a  Faculdade  de 
Letras,  creada  em  substituição  da  extinta  Faculdade  de  Teo- 
logia. . .  u  Cá  está  o  alçapão,  a  ratoeira,  aqui,  logo  à  entrada  da 
porta. 

A  opinião  alarma-se  com  esta  revelação  tremenda. 

Mas  acalmem- se  !  São  apenas  quatro  os  professores  vindos 
da  Faculdade  de  Teologia,  e  durante  já  quasi  nove  anos  de  Repú- 


(89) 


blica,  e  sob  os  Governos  mais  radicais,  ainda  lhe  não  tinham 
desmerecido  a  sua  confiança  nem  negado  o  seu  concurso. 

Um  jornalista,  baralhando  datas  e  ideias,  chegou  a  aclamar 
este  decreto,  por  êle  ter  extinguido  a  Faculdade  de  Teologia ! 

E  a  Faculdade  de  Teologia  fora  extinta  em  1910 ! ! 


Mas,  continuando... 

—  Com  a  incoerente  aplicação  dos  seus  fundamentos,  o  decreto 
fechava  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  ( art.  1.°  do  dec. ). 

—  No  desprezo  absoluto  pelos  direitos  creados  à  custa  de 
trabalho  e  ao  abrigo  da  lei,  punham- se  professores  na  disponi- 
bilidade, transferiam-se  outros  para  o  Porto,  atirava-se  com 
outros  para  bibliotecas  e  arquivos  (  se  chegassem  a  mandá-los 
para  lá )  e  nomeavam-se  professores  novos  ao  belo  prazer  do 
ministro  !  (  artt.  2.»  e  3.» ). 

—  Os  alunos,  se  terminavam  o  curso,  que  fossem  para  Lisboa 
fazer  os  seus  exames  ;  aos  outros,  dispensavam-se-lhes  as  pro- 
vas finais  !  (art.  4."). 

—  Aplicava-se  a  uma  instituição  diferente  um  edifício  não 
concluído  ainda,  e  propositadamente  estudado  e  construído  para 
a  Faculdade  a  que  se  destina,  com  as  suas  aulas  montadas  já  e 
a  sua  biblioteca  privativa,  uma  das  mais  interessantes  do  país ! 
(  artt.  5.0  e  6.»  ). 

—  E,  finalmente,  para  se  prover  a  esta  tão  urgente,  tão  impe- 
riosa e  tão  radical  transformação,  aumentam-se  as  despesas, 
arrogando-se  o  Governo  a  faculdade  de  abrir  para  isso  os  crédi- 
tos especiais  necessários  !  (  art.  7.** ). 

E  é  isto  o  glorioso  decreto,  cuja  precipitação  chega  a  fazer 
vertigem,  tão  urgente,  tão  inadiável  era  a  sua  execução,  nesta 
altura,  a  dois  passos  do  fim  do  ano  escolar,  sem  ao  menos  haver 
tempo  para  se  efectivar  toda  esta  tranquibernia,  e  quando  nem 
se  podiam  já  abrir  matrículas,  quer  nas  novas  escolas  de  Coimbra, 
quer  na  nova  Faculdade  do  Porto. 


(90) 


Parece-me  que  se  tem  realmente  abusado  muito  dos  concei- 
tos dinâmicos  do  futurismo. 

Eu  procurei  seguir  o  encadeado  desenrolar  dos  factos  ;  e,  a 
respeito  dos  últimos  decretos,  que  nenhum  aspecto  e  nenhum 
ponto  escapasse  à  minha  atenção. 

Peço  desculpa,  sr.  ministro  da  Instrução  Pública,  se  me  faltou 
ainda  dizer  mais  alguma  coisa  contra  eles. 

Está  finalmente  satisfeita  esta  grande  aspiração,  aparecida 
assim,  de  chofre,  no  ix  ano  da  República ;  e,  como  garantia,  lá 
teem  um  reitor  de  absoluta  confiança  na  Universidade  de 
Coimbra ! 

«  Da  absoluta  confiança  da  República  »,  sim !  E  o  decreto 
que  o  diz. 

Não  sei  ( mas  que  importa  que  eu  não  saiba  ? )  de  que  mila- 
gre ou  artes  mágicas  surdiu  esta  inopinada  confiança. 

Desde  que  o  proclama  quem  sabe,  isto  basta  para  que  todos 
o  reconheçam. 

E,  por  isso,  numa  explosão  de  gáudio,  estrugem  o  ar  os  vivas, 
as  aclamações,  as  apoteoses. 

E  um  delírio ! 

—  Valha-nos  o  Reino  dos  Céos,  onde  essas  vozes  não  chegam, 
6  que  é  ainda,  neste  século  de  crença  apagada,  o  refúgio  de  tan-    . 
tos  espíritos  ! ! 

IV 
Ultimas  considerações 

Perante  o  atentado  feito  não  só  à  Universidade  de  Coimbra, 
mas  ao  ensino  português,  devemos  registar,  consoladoramente, 
a  nobre  solidariedade  do  Senado  Universitário  e  da  Academia  • 
das  três  cidades. 

Contudo,  não  fique  ao  mesmo  tempo  sem  reparo,  que  com 
tristeza  fazemos,  a  atitude,  ou  dúbia  ou  subserviente,  dos  que 
neste  momento  palpitante  deviam  ser  os  primeiros  a  firmar  o 
seu  protesto,  altiva  e  desassombradamente. 


(91) 


Mas  ai !  a  noção  do  que  a  nós  próprios  devemos,  acima  de 
tudo,  pela  nossa  probidade  intelectual  e  moral,  representa  real- 
mente uma  qualidade  de  raros  ;  é  dos  eleitos  apenas. 

* 

O  reitor,  que  deve  zelar  pelos  interesses  da  Universidade  ;  a 
Câmara,  que  deve  zelar  pelos  interesses  do  município  ;  o  gover- 
nador civil,  que  deve  zelar  pelos  interesses  do  distrito  ;  —  sáo 
precisamente  estas  entidades  ( ressalvadas,  individualmente, 
algumas  excepções  da  Câmara)  que  saíram  da  sua  ambiguidade 
apenas  para  se  manifestarem  pelo  Governo,  contra  os  interesses 
que  lhes  cumpria  defender. 

—  Quanto  ao  actual  reitor  da  Universidade,  basta  o  que  se 
diz  na  mensagem  do  dia  25,  dirigida  ao  sr.  Presidente  do  Minis- 
tério e  ao  sr.  Ministro  da  Instrução,  divulgada  pelos  jornais,  e 
assinada  por  todos  os  professores  que  se  encontravam  em 
Coimbra,  à  excepção  apenas  de  dois. 

—  Da  Câmara  Municipal,  consta-me  que  no  início  deste  movi- 
mento fora  rejeitada  uma  proposta,  pedindo  que  uma  comissão 
se  encarregasse  de  elaborar  uma  representação  ao  ministro. 

Da  mesma  Câmara  municipal,  dão  os  jornais  a  notícia  deste 
protesto  raquítico  consignado  no  seguinte  telegrama  : 

«  Ex.'"»  Ministro  da  Instrução  —  Lisboa  —  Como  presidente 
do  município,  significo  a  v.  ex."  que  a  cidade  de  Coimbra  não 
concorda  com  a  desanexaçâo  da  Faculdade  de  Letras,  e  reclama 
a  conservação  desta  escola  no  organismo  universitário  —  Ahea 
dos  Santos  ». 

( O  sr.  dr.  Alves  dos  Santos  era  também  professsor  da  Facul- 
dade de  Letras. . .  e  é  deputado. ) 

—  Do  governador  civil,  os  jornais  falam  em  proibição  de 
manifestações  à  Universidade,  e  incidentes  desagradáveis. 

Nada  mais  sei. . .    mas  basta. 


O  que  porém  sobre  tudo  me  fere,  a  mim  que  vivo  longe  das 
turbas  e  alheado  da?   paixões,  é  a  inconsciência  com  que  se 


(92) 


atiram  ao  vento  palavras  ocas,  que  perderam  o  seu  sentido,  de 
tal  maneira  se  abastardaram  das  ideias  que  representam ;  este 
impudor  ou  leviandade,  com  que  se  afirma  sem  se  saber,  e  se 
cirtica  o  que  se  não  conhece ;  tudo  isto  enfim  que  constitue  um 
sintoma  do  nosso  tempo,   e  dá  a  medida  moral  do  que  nós 

somos  ! 

* 

E  agora  quero  terminar,  rematando  com  o  comentário  mais 
sentido,  e  com  um  apelo  o  mais  veemente. 

Dirijo-me  aos  estudantes  republicanos,  àqueles  que  não 
acompanharam  o  grosso  da  Academia  no  justo  protesto  que  a 
sua  solidariedade  firmou. 

Verbero  o  seu  procedimento,  e  apelo  para  a  sua  mocidade. 

Que  perante  a  inutilização  dos  homens  de  hoje,  possamos  ao 
menos  ter  esperança  ainda  nas  gerações  de  amanhã. 

Da  moção  aprovada  por  uma  pequena  minoria  (valha-nos 
isto ! )  de  estudantes  republicanos  da  Faculdade  de  Sciéncias 
de  Lisboa,  extratâmos  estes  considerandos  : 

«  considerando  que  todos  os  actos  de  indisciplina  são 
prejudiciais  ao  regímen  e  ao  destino  da  Pátria. . .  que  a 
política  não  é  extranha  a  este  movimento . . .  que  a  aca- 
demia só  pôde  defender  os  seus  interesses  mantendo-se 
alheia  a  todas  as  lutas  políticas . . .  que  a  única  entidade 
a  quem  compete  discutir  perentóriamente  os  actos  do 
poder  executivo  é  o  Parlamento .. .  que  o  conselho  da 
Faculdade  de  Letras  foi  o  próprio  a  reconhecer  a  legali- 
dade com  que  o  sr.  ministro  da  instrução  tem  conduzido 
a  questão  com  a  mesma  Faculdade. . .  » 

Mas  tudo  isto  é  degradante,  como  documento  de  subserviên- 
cia, de  sofismas,  de  contrasenso  e  de  chicana  política,  para 
uma  mocidade  republicana  que  devia,  se  um  verdadeiro  espírito 
republicano  a  inspirasse,  ser  a  primeira  a  clamar,  a  pugnar, 
pelas  justas  reivindicações. 


(93) 

E  em  vez  disso,  que  pruridos  de  ordem  e  de  legalismo !.  .  ■ 

Que  desconsolo ! 

Mas  faltou  o  último  considerando : 

«  considerando  que  uma  greve  nesta  altura  pode  ter 
graves  consequências,  não  só  para  a  academia,  como 
para  o  pais. .  .  » 

E  é  também  com  este  fundamento,  de  recearem  as  conse- 
quências graves  para  a  Academia,  evocado  e  declarado  publi- 
camente, sem  pejo,  por  esses  estudantes  republicanos,  que  eles 
resolvem  rejeitar  ioda  e  qualquer  proposta  de  greve  com  o  fim  de 
secvndar  os  movimentos  iniciados  ! 

Eles  podem  declarar-se  republicanos,  mas  falta-lhes  a  condi- 
ção fundamental,  essencial,  estrutural,  para  o  serem,  como  a 
República  requere  que  eles  sejam  e  como  precisa  deles  para 
bem  a  servirem ! 

28  de  Maio  de  1919. 

J.  M.  DE  Sant'Iago  Fkezado. 

(Gazeta  da  Figueira  de  31  de  Maio  de  1919). 


Elogio  da  Faculdade  de  Letras 
na  Academia  de  Sciências  de  Portugal       * 

O  sr.  dr.  António  Ferrão  comunica  que  visitou,  na  recente  ida  a 
Coimbra,  o  edifício  da  Faculdade  de  Letras  desta  cidade,  na  compa- 
nhia do  director  e  de  alguns  professores  do  estabelecimento.  Con- 
fessa que  não  podia  ser  mais  lisonjeira  a  impressão  que  lhe  ficou 
dessa  visita,  quer  pelos  métodos  de  ensino  ali  seguidos  e  que  lhe 
foram  descritos  pelos  professores  presentes,  quer  pelais  instalações  de 
que  já  dispõe  essa  florescente  escola.  Pelo  que  viu,  pode  concluir  que 
essa  Faculdade  não  deseja  limitar-se  a  fornecer  a  preparação  scientí- 
fica  para  as  profissões  de  professores  do  ensino  secundário,  mas  tra- 
balha para  preparar  investigadores. 


(94) 


Descreve  a  aula  de  paleografia  e  de  diplomática,  com  o  seu  magni- 
fico mostruário,  que  classifica  de  uma  autêntica  maravilha  da  iniciativa 
e  do  esforço  portugueses ;  fala  com  minúcia  da  aula-museu  de  epigra- 
fia, que  sendo  já  alguma  coisa  de  importante,  apesar  de  ainda  se 
encontrar  em  construcção,  será  de  futuro,  certamente,  um  belo  museu 
de  ''  monlages  »  para  o  ensino  da  arqueologia  e  da  arte  antiga  e 
moderna ;  refere-se  à  aula  e  gabinete  de  psicologia  experimental,  de 
que  é  professor  o  sr.  dr.  Alves  dos  Santos,  gabinete  esse  que  é  já 
alguma  coisa  de  prometedor,  e  que  muito  mais  progressivo  estaria,  se 
a  guerra  não  viesse  tornar  impossível  a  acquisição  de  aparelhos  ;  e 
descreve  a  biblioteca  privativa  da  Faculdade  e  as  pequenas  bibliotecas 
especializadas  das  aulas  e  salas  de  trabalho,  que  ainda  convém  des- 
envolver mais. 

Ouviu  louvar  as  instalações  das  aulas  de  geografia  do  professor 
Ferraz  de  Carvalho,  mas  não  as  visitou. 

A  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra,  pelo  que  é  já  e  pelo  que 
promete  vir  a  ser,  é  a  primeira  Faculdade  de  Letras  do  país,  podendo 
mesmo  dizer-se  que  é  a  única  «  em  instalações  e  material  didático 
que  temos  possuído  até  hoje  ». 

A  seguir,  traça  o  perfil  scientífico  de  alguns  professores  dessa 
Faculdade,  falando  especialmente  da  obra  notável  da  sr.»  D.  Carolina 
Michaelis,  e  dos  trabalhos  dos  srs.  drs.  António  Ribeiro  de  Vascon- 
celos, Gonçalves  Guimarãis,  Mendes  dos  Remédios,  Alves  dos 
Santos,  etc. 

Faz  notar  que  todos  os  professores  da  Faculdade,  com  quem  falou, 
se  lhe  confessaram  sumamente  gratos  para  com  a  República,  no  que 
não  fazem  mais  que  ser  justos,  pois  o  novo  regime,  além  de  crear  a 
Faculdade  de  Letras  e  de  conceder  à  Universidade  a  mais  rasgada 
autonomia  pela  constituição  universitária  de  1911,  uma  das  mais  belas 
obras  do  Governo  Provisório,  tem  sido  enormemente  generosa  nas 
verbas  concedidas,  tanto  para  a  melhoria  das  condições  de  vida  do 
professorado,  como  para  as  instalações  escolares. 

A  seguir,  o  sr.  dr.  António  Ferrão  faz  notar  que  sendo  as  Acade- 
mias de  Scíências  a  verdadeira  cúpula  de  todo  o  organismo  scientí- 
fico de  uma  nação,  e  que  convindo  dar,  neste  momento,  uma  realização 


(95) 


prática  às  nossas  aspirações  de  correlação  de  esforços  entre  as  Aca- 
demias e  as  Universidades,  não  pode  a  Academia  de  Sciências  de 
Portugal  ficar  indiferente  ante  o  conflito  entre  o  Governo  e  a  Univer- 
sidade de  Coimbra,  conflito  esse  que  bem  pode  generalizar-se  e  agra- 
var-se  mais,  se  não  fôr  desde  já  solucionado.  A  Academia  deve 
intervir,  pois  tal  estado  de  cousas  é  maximamente  prejudicial  ao 
ensino  e  ao  progresso  scientífico. 

A  seguir,  diz  o  sr.  dr.  António  Ferrão  que  o  Governo  tem  todo  o 
direito  —  e,  mais  do  que  isso,  o  incontestável  dever  —  de  defender 
a  República  dos  seus  inconciliáveis  inimigos  ;  mas  necessário  é  que  se 
apure  onde  eles  estão,  e  se  prove  quem  são,  para  que  um  gesto, 
melhor  intencionado  que  conduzido,  não  venha  a  ter  consequências 
contraproducentes. 

Termina  por  dizer  que,  sendo  do  maior  interesse  para  o  prestígio 
do  regime,  para  o  sossego  público,  para  a  boa  marcha  do  ensino,  e 
para  o  progresso  da  sciência  portuguesa,  solucionar  o  actual  conflicto, 
que  pôde  agravar-se,  entende  o  orador  que  esta  Academia  deve 
oferecer  ao  Governo  a  sua  interferência,  no  sentido  de  ser  solucionado 
desde  já  o  lamentável  incidente,  sem  o  mais  leve  menoscabo  para  o 
prestígio  da  República,  e  sem. quebra  de  continuidade  no  alto  ensino 
das  sciências  de  erudição  na  Universidade  de  Coimbra. 

O  sr.  dr.  António  Cabreira  diz  que  o  sr.  dr.  António  Ferrão  tem 
tríplice  autoridade  para  tratar  do  assunto,  por  ser  um  perfeito  conhe- 
cedor dos  organismos  universitários,  por  ser  o  chefe  da  Repartição 
pedagógica  da  Direcção  geral  de  Instrucção  superior,  e  porque  é  um 
antigo,  intemerato  e  integro  republicano. 

(A  Época  de  31  de  Ma'o  de  1919 ). 

JSm    torno   do   conflito   universitário   de   Coimbra 

A  Faculdade  de  Teologia  era  reaccionária  ? 

Interview  com  o  professor  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca 

A  momentosa  questão  da  Faculdade  de  Letras,  que  veio  pro- 
vocar ura  conflito,  ainda  nfto  sanado,  entre  os  eleu.entos  acadé- 


(96) 


micos  do  país  —  estudantes  e  professores  universitários  —  su- 
geriu-nos  naturalmente  desejo  de  ouvir  alguém,  que  no  assunto 
pudesse  manifestar  o  seu  parecer  com  a  independência  e  a 
autoridade  que  tão  necessárias  se  tornam  em  questões  como  a 
de  agora,  visto  implicarem  com  o  ensino  e  naturalmente  cora 
os  interesses  morais  e  materiais  do  país. 

Soubemos  que  estava  em  Lisboa  o  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca, 
e  logo  aí  vimos  a  fonte  a  que  cumpria  recorrer. 

Solicitando  do  ilustre  catedrático,  que  é  uma  das  mais  pres- 
tigiosas mentalidades  da  sciéncia  médica  portuguesa,  uma 
interview  sobre  tão  momentoso  assunto,  amavelmente  anuiu  ao 
nosso  pedido,  convidando-nos  a  procurá-lo  no  Grande  Hotel  de 
Inglaterra,  onde  se  acha  há  dias  hospedado. 

Abandonado  o  telefone,  a  que  impertinente  o  haviamos 
retido,  pouco  depois  tínhamos  o  prazer  de  ser  recebidos  na 
sala  do  elegante  hotel,  pelo  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca,  que 
vindo  ao  nosso  encontro,  nos  disse  : 

—  Um  instante  apenas . . . 

E  foi  com  efeito  o  tempo  necessário  para  uma  última  troca 
de  palavras  e  de  cumprimentos  com  dois  amigos,  que  aprovei- 
tamos observando  a  animação  do  largo  de  Camões,  ainda  risonha 
nesta  véspera  de  deserção  para  as  viligiaturas. 


Por  fim  sentamo-nos  no  sofá  —  o  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca, 
delicadamente,  emfira,  á  nossa  disposição,  e  o  autor  destas 
linhas. 

—  Sabe  V.  ex."  ao  que  vimos. . . 

O  insigne  homem  de  sciéncia  sorriu  e,  como  se  no  diálogo  de 
ha  pouco  ao  telefone  não  tivesse  havido  solução  de  continui- 
dade, disse  : 

—  Para  compreender  todo  este  incidente,  convém  fazer  um 
exame  retrospectivo. . . 

Não  pediamos  tanto. 
Es.  ex.«  continouu  : 


I 


(97) 


—  Estamos,  pois,  em  1885,  a  2  de  outubro. . .  Foi  na  sessão 
ordinária  do  Conselho  Superior  de  Instrução  Pública  desse  dia 
que  o  vogal,  dr.  Damásio  Jacinto  Fragoso,  lente  de  Teologia, 
fez  duas  propostas  que  deviam  ficar  memoráveis  :  uma  para 
que  de  futuro  os  lugares  de  professores  dos  seminários  não 
pudessem  ser  providos  senão  por  concurso  de  provas  públicas, 
no  qual  só  tivessem  ingresso  os  formados  pela  Faculdade  de 
Teolçgia  com  informações  de  Bom  ou  de  Muito  bom ;  outra  para 
que  ninguém  fosse  provido  em  dignidades  eclesiásticas  e  em 
canonicatos  sem  a  dita  formatura. . . 

Percebendo  que  á  nossa  inteligência  escapava  a  importância 
destas  propostas,  o  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  apressou-se  a 
acentuar : 

—  E  fácil  de  vêr  o  alcance  das  propostas  do  dr.  Damásio 
Fragoso. . .  Tratava-se  de  obrigar  a  frequentar  a  escola  oficial 
do  Governo,  onde,  sob  a  inspecção  deste,  se  ministrava  o  ensino 
da  religião,  todos  os  que  aspirassem  ás  funções  de  ensino  ou  de 
governo  na  igreja. 

—  E  os  lentes  de  teologia  ?  inquirimos. 

—  Os  lentes  de  teologia,  em  congregação,  felicitaram  o  seu 
colega,  e  fizeram  suas  as  propostas. 

—  E  o  bispo-conde  ? 

—  Quanto  a  esse,  numa  longa  carta  dirigida  ao  Núncio 
Apostólico  em  Lisboa,  monsenhor  Vicente  Vanutelli,  insurgiu- 
se  contra  tais  projDOstas,  pretendendo  que  a  Faculdade  de 
Teologia,  parte  integrante  de  um  estabelecimento  de  ensino,  — 
a  Universidade,  —  fundada  na  sua  diocese,  estivesse  sujeita  à 
sua  jurisdição  ordinária  como  prelado  diocesano,  censurando-a 
por  ter  perfilhado  aquelas  propostas  sem  consentimento  seu,  e 
censurando-a  de  querer  ingerir- se  no  governo  das  dioceses  e 
pôr  peias  aos  bispos  na  livre  escolha  dos  professores  dos  semi- 
nários e  das  dignidades  eclesiásticas.  Era  isto,  no  parecer  do 
bispo,  uma  insurreição  dos  lentes  de  teologia  contra  êle . . . 
E  claro  que  estes  repeliram  energicamente  esta  ingerência,  que 
o  prelado  pretendia  arrogar-se  em  assuntos  de  ensino  universi- 

11 


(98) 


tário,  e  proclamaram  alto  a  isenção  da  Universidade,  da  juris- 
dição episcopal.  E  aqueles  lentes,  que  eram  também  professo- 
res do  seminário,  demitiram-se  deste  cargo. 

A  narrativa  interessava-nos,  e  tanto  que,  como  se  receás- 
semos que  ela  ficasse  suspensa,  á  guisa  áefeuiUeton,  fizemos  : 

—  E  depois. . . 

O  snr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  prosseguiu  : 

—  Seguiu-se  uma  enérgica  campanha,  que  durou  anos,  em 
que  o  bispo  recorreu  a  todos  os  meios,  inclusive  á  consulta  ás 
congregações  romanas,  sentenças  da  Santa  Sé,  por  ele  provo- 
cadas, contra  a  doutrina  regalista  dos  lentes,  condenação  e 
inclusão  no  Index  dos  livros  por  eles  publicados,  etc,  etc.  ;  pelo 
seu  lado  os  lentes  mantiveram-se  energicamente,  apesar  de  todas 
aquelas  condenações,  sem  tergiversarem,  embora  se  encontras- 
sem sempre  desajudados  dos  Governos.  Sabe  ?  A  bibliografia 
desta  questão  é  tão  larga,  quanto  interessante.  .  .  E  dela  resalta 
o  vigor  com  que  a  Faculdade  de  Teologia  vitoriosamente 
combateu  sempre  a  doutrina  ultramontana.  Por  fim  o  bispo  e 
Roma  viram  que  nada  obtinham,  e  calaram-se  ;  mas  a  Facul- 
dade sofreu  os  ataques  da  vingança  e  do  ódio,  surdos,  anó- 
nimos, vindos  sempre  da  sombra,  implacáveis. . . 

E  nunca  mais  desde  aquela  data  saiu  nenhum  bispo  da 
Faculdade  de  Teologia.  Os  lugares  de  professores  dos  semi- 
nários eram  prosados  em  sacerdotes  educados  e  graduados  em 
Roma,  para  onde  iam,  por  missão  dos  bispos  portugueses,  os 
estudantes  mais  inteligentes  dos  seminários.  Eram  os  doutores 
romanos  preferidos  para  os  mais  elevados  cargos  das  dioceses, 
e  os  de  Coimbra  desprezados,  afastados,  obtendo  por  vezes  com 
dificuldade  uma  das  mais  pobres  paróquias.  Como  resultado  a 
Faculdade,  abandonada  dos  Governos  e  perseguida  pelos  bispos, 
viu-se  cada  vez  menos  frequentada. 

—  Assim,  quando  o  Governo  Provisório  da  República  a 
extinguiu. . . 

—  ...  Já  ela  estava  quasi  morta  por  ter  tido  o  atrevimento 
do  resistir  ás  ordens  de  Roma. . . 


(99) 


Infelizmente  aproximara- se  o  momento  de  uma  conferencia, 
pelo  que  o  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  teve  de  estender-nos  a 
mão. 

—  Pode  contar  o  meu  jornal  com  a  continuação  de  tão  inte- 
ressante narrativa  ?  preguntámos. 

Ao  que  amavelmente  o  nosso  ilustre  interlocutor  volveu  logo: 

—  Da  melhor  vontade. 

(À  República  de  1  de  junho  de  1919), 


O  caso  de  Coimbra 

O  mandado  de  despejo  da  Faculdade  de  Letras 
e  uma  Faculdade  Técnica  surgindo  na  Via  Latina 

Nova  interview  com  o  professor  sr.  dr.  Ângelo  da  Fonseca 

Quiz  ter  o  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  a  amabilidade  de  apra- 
zar para  domingo  um  novo  encontro,  para  prosseguir  na  interes- 
santíssima exposição  que,  ácêrca  da  Faculdade  de  Letras  de 
Coimbra,  os  leitores  da  República  já  conhecem. 

E  tão  vivo  era  da  nossa  parte  o  interesse  de  ouvir  a  conti- 
nuação da  narrativa,  que,  desta  feita,  fomos  contra  a  feição  por- 
tuguesa,  pontualíssimos,não  tendo  feito  aguardar  o  sr.  dr.  Angelo 
da  Fonseca  um  minuto  sequer  por  nós. 

Como  se  vai  vêr,  o  que  o  ilustre  professor  disse  não  desme- 
receu de  tamanho  interesse. 

# 

—  Quando  era  1911  o  ministro  do  Governo  provisório  sr.  Antó- 
nio José  de  Almeida  criou  a  Faculdade  de  Letras  em  Coimbra, 
—  começou  o  nosso  entrevistado,  —  fê-lo  não  só  no  intuito  de 
satisfazer  a  uma  velha  aspiração  universitária  da  extinta  Facul- 
dade de  Teologia,  mas  também  para  atingir  um  fim  pedagógico 
notável.  De  facto,  os  professores  da  Faculdade  de  Teologia, 
possuidores  de  uma  alta  competência  e  de  uma  vastíssima  cul- 


(100) 

tnra  hlimanista,  conhecendo  profundamente  as  línguas  mortas, 
a  história,  a  literatura,  etc,  achavam-se  em  condições  admirá- 
veis para  com  eles  ser  organizado  o  núcleo  da  futura  Faculdade 
de  Letras.  Homens  de  tradições  liberais,  tendo  rompido  com  a 
reacção  —  na  mais  violenta  das  campanhas — na  defeza  da  supre- 
macia GO  poder  civil,  constituíram  em  tempos  a  elite  intelectual 
da  Universidade  de  Coimbra.  Procedeu,  portanto,  muito  bem  o 
sr.  dr.  António  José  de  Almeida,  permitindo-lhe  o  ingresso  na 
Faculdade  de  Letras  então  criada. 

—  E  todos  o  fizeram? 

—  Nem  todos.   Muitos  desses  lentes  não  aceitaram  o  convite. 

—  Assim  presentemente. . . 

—  Presentemente  na  Faculdade  de  LetrAs  quatro  apenas  são 
os  professores  da  extinta  Faculdade  de  Teologia  :  —  o  dr.  Alves 
dos  Santos,  deputado  evolucionista;  o  dr.  Mendes  dos  Remédios, 
que  não  é  padre  como  por  aí  se  diz,  pois  somente  possui  a 
ordem  de  subdiácono,  que  era  o  indispensável  para  tomar  o 
grau  de  doutor  e  apresentar-se  a  concurso  ;  o  dr.  Eibeiro  de 
Vasconcelos,  professor  notabilíssimo,  e  que  foi  um  dos  principais 
vultos  na  defesa  das  regalias  universitárias  contra  o  poder 
episcopal ;  o  dr.  Oliveira  Guimarãis,  que  se  acha  filiado  em  um 
dos  partidos  da  República.  Ora,  sendo  de  mais  de  vinte  o  qua- 
dro dos  professores  da  Faculdade  de  Letras,  apenas  quatro 
vieram,  por  conseguinte,  da  antiga  Faculdade  de  Teologia. 

O  ilustre  catedrático,  que  de  quando  em  quando  voluntaria- 
mente interrompe  a  sua  calma  e  interessantíssima  exposição,  a 
fim  de  nos  deixar  apontar  nomes,  datas,  outros  detalhes,  que  à 
memória  escapariam,  —  e  tudo  isto  num  assunto  desta  natureza 
'  convém  fixar,  —  prosseguiu,  com  a  mais  amável  e  encantadora 
das  paciências  : 

—  Até  1911  a  Universidade  de  Coimbra  não  era  uma  verda- 
deira Universidade.  Faltava-lhe  o  ensino  das  Letras.  E  foi  sem 
dúvida  para  satisfazer  a  esta  indicação  de  ordem  puramente 
pedagógica,  que  o  sr.  António  José  de  Almeida  a  criou.  Dis- 
cutia-se  então,  acaloradamente,  se  conviria  ou  não  reunir  numa 


(101) 

s6  faculdade  o  ensino  das  Sciéncias  e  das  Letras,  como  sucede 
em  dezassete  das  vinte  Universidades  alemãs  ( Faculdade  Filo- 
sófica )  e  nas  Universidades  americanas  (  Colégio ) ;  ou,  pelo 
contrário,  se  conviria  manter  as  duas  Faculdades  separadas,  à 
maneira  francesa.  Optou-se  por  esta  última  forma,  sendo,  por- 
tanto, as  Faculdades  de  Sciéncias  e  Letras  os  ensinos  funda- 
mentais duma  Universidade. 

E  com  mágua-  num  tom  mais  vivo,  acrescentou  : 

—  O  que  se  fez  agora  à  Universidade  de  Coimbra,  não  passa 
de  uma  barbara  mutilação,  que  nada  compensa  sob  o  ponto  de 
vista  pedagógico. 

—  Não  há  então  séria  razão  para  exaltar-se  a  instituição 
duma  Faculdade  técnica  ?  preguntámos. 

O  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  volveu  : 

—  As  escolas  profissionais  não  podem  constituir  núcleos  de 
Universidade.  Elas  são  da  mais  variada  natureza.  Se  na  Europa 
as  Faculdades  profissionais  se  reduzem,  na  grande  maioria  dos 
casos,  ao  Direito  e  à  Medicina,  na  América  há-as  diversíssimas, 
chegando  a  existir  na  Universidade  de  Colúmbia  uma  escola  de 
jornalismo,  devida  a  um  donativo  de  um  milhão  de  dolars  do 
director  do  World.  Por  outro  lado,  a  Universidade  de  Princeton, 
de  que  Wilson  foi  reitor,  reduz-se  simplesmente  ao  Colégio 
(  ensino  de  Sciéncias  e  Letras  ).  ' 

A  Escola  Técnica  e  a  Escola  de  Belas  Artes,  prometidas  a 
Coimbra,  em  vez  da  sua  Faculdade  de  Letras,  não  correspondem, 
meu  amigo,  a  uma  necessidade  nacional. 

—  Mas ... 

O  eminente  professor,  adivinhando  o  que  poderíamos,  respei- 
tosamente, observar  sobre  a  importância  do  ensino  técnico  num 
país  como  o  nosso,  em  que  o  trabalho  tanto  deixa  a  desejar,  tanto 
pelos  seus  métodos  como  pela  sua  productividade,  interrompeu 
logo: 

—  Há  já,  como  sabe,  uma  Faculdade  técnica  no  Porto,  e. . . 
infelizmente  a  sua  frequência  é  reduzidíssima.  Para  que  crear 
outra  no  centro  do  país,  num  centro  de  tão  altas  tradições 


(102) 

humanistas?. . .  Ora  vamos  agora  crear  tantas  Escolas  Técni- 
cas Superiores  e  Escolas  de  Belas  Artes,  quantas  as  Universi- 
dades. Mas  tal  coisa  não  tem  precedente  em  qualquer  país  do 
mundo. 

E  por  último  : 

—  E  um  erro,  sabe?  —  o  supôr-se  que  a  frequência  duma 
Universidade  é  proporcional  ao  número  dos  seus  ensinos. 
E  preferivel  ter  poucos,  mas  bem  organizados.     Não  acha?. . . 

Que  havíamos  de  responder  ? 

Falava  um  dos  mais  doutos  professores,  e  a  sua  pregunta  era 
apenas,  na  sua  tão  natural  e  insinuante  delicadeza,  uma  ama- 
bilidade. 

(República  de  3  de  Junho  de  1919). 


A  questão  de  Coimbra 

Ponho  hoje  um  parêntese  nas  considerações  sobre  a  política 
nacional,  para  me  ocupar  do  conflito  universitário.  A  questão 
oferece  múltiplos  aspectos  ;  mas  só  tratarei  daqueles,  sobre  os 
quais  possuo  dados  seguros  de  apreciação. 

As  origens  do  conflito  parecem  ter  sido  o  decreto  que  refor- 
mou a  secção  de  filosofia  das  Faculdades  de  Letras,  e  as 
nomeações  dos  novos  professores.  Pelo  que  respeita  à  reforma, 
há  a  considerar  a  reforma  em  si  mesmo,  e  o  modo  como  ela  foi 
decretada,  sem  um  estudo  prévio  por  pessoas  competentes,  sem 
a  consulta  às  Faculdades  interessadas. 

A  reforma,  em  si,  é  muito  discutivel,  e,  como  todas  as  coisas 
discutíveis,  devia  ter  sido  largamente  discutida  por  quem  tem 
competência  para  o  fazer. 

Em  primeiro  logar,  a  tendência  para  multiplicar  o  número  de 
cadeiras  sem  motivo  justificável,  vício  este,  de  resto,  comum  a 
todo  o  nosso  ensino  superior,  como  se  o  nosso  país  sofresse  de 
uma  pletora  de  sábios  sem  trabalho.    E  a  eterna  confusão  entre 


(103) 

cadeiras  e  cursos.  A  designação  de  «  cadeira  »  corresponde  a  um 
ramo  especializado  do  saber ;  o  «  curso  »  é  uma  série  de  lições 
sobre  um  assunto  determinado.  O  número  de  cadeiras  varia 
com  o  movimento  da  especialização  scientííica;  o  número  de 
cursos  varia  com  as  necessidades  do  ensino.  Assim,  por  exem- 
plo, quando  os  anatómicos  eram,  ao  mesmo  tempo,  histologis- 
tas,  anatomia  e  histologia  constituíam  uma  só  cadeira ;  a 
histologia  adquiriu,  porém,  no  fim  do  século  xix,  um  desenvolvi- 
mento tal,  que  se  tornou  difícil  ao  mesmo  individuo  abranger  a 
anatomia  e  a  histologia  como  objecto  de  estudo  aprofundado; 
logo  começou  a  aparecer  nalgumas  Faculdades  a  cadeira  de 
histologia.  A  cadeira  é  única,  mas  o  seu  ensino  pode  desen- 
rolar-se,  ou  num  curso  único,  exaustivo,  ou  num  curso  funda- 
mental e  cursos  complementares,  ou  em  vários  cursos  parciais ; 
histologia  geral,  histologia  do  sangue,  histologia  do  sistema 
nervoso,  etc. 

Já  na  reforma  dezembrista,  da  história  da  filosofia  se  fizeram 
três  cadeiras  :  história  da  filosofia  antiga,  história  da  filosofia 
medieval,  história  da  filosofia  moderna  e  contemporânea.  Por- 
quê?  Desenvolveram-se  então,  entre  nós,  com  uma  exuberân- 
cia tal,  os  estudos  de  história  da  filosofia,  que  já  não  possam 
caber  dentro  do  crânio  do  nosso  filósofo  ? 

Agora,  pela  última  reforma,  temos  ainda  mais  cadeiras  : 
uma  cadeira  de  teoria  da  experiência^  uma  cadeira  de  metafísica, 
e  outras  mais.  Será,  realmente,  de  mais  cadeiras,  que  o  nosso 
ensino  superior  está  precisado?  Não  chego  mesmo  a  compreen- 
der como  é  que,  num  Estado  republicano,  se  pode  ensinar  a 
matafísica,  a  não  ser  historicamente,  na  cadeira  de  história  da 
filosofia.  Ensinará  o  professor  a  sua  metafísica  ?  Haverá  uma 
metafísica  do  Estado  f 

Também  não  chego  a  compreender  muito  bem  a  creação  das 
cadeiras  de  matemáticas  gerais,  física  geral,  química  geral  e  biolo- 
gia. Compreendo  que  S.  Ex.*  o  ministro  da  instrução  tenha 
querido  dar  aos  estudantes  da  secção  de  filosofia  uma  educação 
scientifica,  mais  completa  do  que  aquela  que  levam  do  liceu. 


(104) 

tnas,  ô  (jUô  nâo  compreendo  é  que,  mantendo  a  divisão  em 
Faculdade  de  Sciéncias  e  Faculdade  de  Letras,  vá  introduzir 
nesta  última  matérias  scientíficas,  que  pertencem  ao  quadro  da 
primeira.  Esta  colocação  de  matérias  só  é  indiferente  naquelas 
Universidades  em  que  as  duas  Faculdades  estão  reunida 
nuraa  só,  denominada  Faculdade  das  ArieSj  como  na  Inglaterra, 
ou  Faculdade  de  Filosofia^  como  na  Alemanha. 

Tudo  isto  mostra,  sem  entrar  em  muitas  outras  questões 
que  o  problema  implica,  que,  por  mais  ponderosas  que  fossem 
as  razões  de  S.  Ex.^  o  ministro  para  decretar  a  sua  reforma,  as 
Faculdades  interessadas  deviam  ser  ouvidas,  tanto  mais  que 
assim   o   exigem  os  modernos  métodos  de  governar. 

Também  a  forma  como  foi  feita  a  nomeação  dos  professores 
não  pôde  ser  aprovada.  Quem  escreve  estas  linhas  teve  a 
honra  de  ser  convidado  por  S.  Ex.'"  para  professor  de  uma  das 
novas  cadeiras,  convite  que  muito  o  penhorou,  —  tanto  mais  que 
não  era  das  relações  pessoais  de  S.  Ex.*,  mas  que  declinou,  sem 
manifestar  a  sua  discordância,  porque  não  tinha  sido  para  isso 
que  S.  Ex.*  o  convidava. 

Passo  á  extinção  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra.  E-me 
de  todo»  impossível  aprová-la.  Muito  antes  da  E-epública,  criti- 
quei a  organização  e  o  espírito  pedagógico  da  Universidade  de 
Coimbra,  contestando-lhe  o  carácter  de  Universidade,  visto  fal- 
tur-lhe  aquela  Faculdade  que  dá  às  Universidades  as  suas  cara- 
cterísticas principais. 

Não  são  as  Faculdades  de  Medicina  e  Direito,  Faculdades 
profissionais  e,  portanto,  especiais,  que  dão  à  Universidade  o 
sou  carácter  de  Universidade  ;  é  sim,  a  «  Faculdade  das  Artes  », 
a  «  Faculdade  de  Filosofia  »  que  reúne  a  universalidade  do  saber 
geral,  aqueles  studia  gentralia,  que  constituem  o  tronco  de  que 
todos  os  outros  são  ramos  e  de  onde  tiram  a  seiva  que  os  ali- 
menta. E  nessa  Faculdade  fundamental,  para  onde  convergem 
todos  os  estudos?  Para  o  conhecimento  do  homem  e  dos  pro- 
dutos do  espírito  humano  —  as  línguas,  us  religiões,  as  scién- 
ciaSj  as  estéticas,  as  instituições,  os  deveres,  os  costumes. 


(105) 

Nos  países  que  seguiram  a  orientação  da  França,  a  Facul- 
dade de  Filosofia  encontra-se  dividida  em  Faculdade  de  Sciéncias 
( sciéncias  matemáticas,  físicas  e  biológicas)  e  Faculdade  de 
Letras  (sciéncias  psicológicas  e  sociais).  A  Universidade  de 
Coimbra,  que  tinha  tudo  o  mais  que  era  necessário  para  ser  uma 
Universidade,  faltava-lhe,  pois,  a  Faculdade  de  Letras.  Fiel  ao 
meu  ponto  de  vista,  no  plano  geral  de  reorganização  de  ensino 
mandado  elaborar  pelo  ministro  do  interior  do  Governo  provisó- 
rio, o  sr.  dr.  António  José  de  Almeida,  apressei-me  a  introduzir 
na  organização  da  Universidade  de  Coimbra  a  Faculdade  que 
tanta  falta  lhe  fazia,  muito  embora  ela  a  não  sentisse 

A  verdade  é  que,  assim  como  as  sciéncias  físicas  e  biológicas 
são  a  base  indispensável  dos  estudos  médicos,  as  sciéncias  psi- 
cológicas e  sociais  são  o  alicerce  dos  estudos  jurídicos. 

Para  se  vêr  a  importância  que  tem  nos  outros  países  a 
Faculdade  de  Letras,  citarei  o  seguinte  caso  :  Tinha  eu  fre- 
quentado em  Paris  o  curso  de  psicologia  experimental,  regido 
pelo  sr.  Vaschide,  chefe  dos  trabalhos  práticos  de  psicologia  da 
Escola  dos  Altos-Estudos,  e  Vurpas,  médico  do  Asilo  de  alie- 
nados de  Villejuif.  O  sr.  Vaschide,  que  era  o  secretário  da 
redacção  do  Index  philosophique,  publicação  destinada  a  dar 
noticias  de  todas  as  obras  de  filosofia  e  psicologia  do  mundo 
inteiro,  convidou-me  para  ser  o  correspondente  do  Index  em 
Portugal.  Aceitei,  mas  fui-lhe  logo  dizendo  que  a  colheita 
seria  muito  escassa,  que  aparte  alguns  raros  trabalhos  sobre 
sistema  nervoso  e  psichiatria,  o  movimento  psicológico  e  filo- 
sófico em  Portugal  era  nulo.  —  Mas  os  senhores  têem  uma 
Faculdade  de  Letras  em  Lisboa.  —  Tive  que  lhe  dizer  o  que  era 
nesse  tempo  ( 1903 )  o  Curso  Superior  de  Letras,  ainda  sem  con- 
sciência do  seu  destino  próprio.  —  Et  votrc  vieille  Université  de 
Coimbra  ?  il  y  a  lá  une  Faculte  de  Philosophie.  —  Sim,  uma  Facul- 
dade filosófica  natural^  no  sentido  que  se  dava  a  estas  palavras 
no  século  xviii ;  filosofia  é  coisa  que  lá  se  não  ensina.  Expli- 
quei-lhe  o  que  constituía  a  esse  tempo,  a  Faculdade  de  Filosofia 
em  Coimbra,  disse-lhe  que  a  única  filosofia  que  se  ensinava  na 


(106) 

Universidade  era  a  teologia.  O  meu  interlocutor  não  manifestou 
a  mínima  censura,  mas  conheci  que,  aos  seus  olhos,  todo  o  pre- 
stigio da  nossa  vieille  Université  de  Coimbra  se  tinha  evaporado. 
Eis  porque  não  posso  aprovar  a  mutilação  da  Universidade 
de  Coimbra.  Mas  há  ainda  outra  razão  :  são  os  serviços  pre- 
stados ao  país,  no  domínio  da  filologia  e  da  história,  pela  sua 
Faculdade  de  Letras,  a  publicação  apreciável,  sob  todos  os  pon- 
tos de  vista,  das  obras  de  Damião  de  Góes,  Garcia  de  Rezende, 
Camões,  a  colecção  dos  Subsídios  para  o  estudo  da  história  da 
literatura  portugueza,  dirigida  pelo  sr.  dr.  Mendes  dos  Remédios. 

José  de  Magalhães. 
(A  Lucta  de  3  de  Junho  de  1919). 


A  questão  de  Coimbra 

Está  ainda  para  resolver  a  questão  de  Coimbra.  E  sempre 
assim  entre  nós  :  questões,  que  seria  facílimo  solucionar  em 
vinte  e  quatro  horas,  protelam-se  indefinidamente,  como  se  não 
houvesse  consciência  dos  inconvenientes  que  daí  resultam,  ou 
como  se  nós  vivêssemos  em  tão  fastienta  tranquilidade,  que 
fosse  necessário,  de  vez  em  quando,  quebrar-lhe  a  monotonia 
com  uma  agitação  episódica.  Com  o  adiamento,  a  questão  com- 
plica-se,  enreda-se,  repercute-se,  azeda-se  e  alastra ;  e,  o  que 
era  no  começo  uma  questão  especial,  técnica  ou  profissional, 
converte-se  numa  questão  politica. 

Esta  marcha  dos  fenómenos  sociais,  que  se  caracterizam  pela 
luta  de  crenças,  de  opiniões  e  de  dopejos  opostos,  é  uma  coisa 
conhecida,  uma  lei  geral ;  não  í  nisso  que  está  a  nossa  par- 
ticularidade. Todas  as  vezes  que  uma  das  correntes  que  con- 
stituem a  actividade  social -económica,  jurídica,  pedagógica, 
linguistica,  religiosa,  estética,  scientifica,  diplomática,  militar, 


(107) 

etc.  —  é  embargada  ou  sobreexcitada,  o  abalo  produzido  reper- 
cute-se  em  todo  o  corpo  social,  e  a  questão  deixa  de  ser  mera- 
mente técnica  para  ser  política.  Foi  assim  que  a  condenação 
de  Dreyffus,  simples  fenómeno  jurídico,  no  começo,  veiu  a  dar 
na  questão  Dreyffus;  foi  assim  que  entre  nós,  o  tratado  de 
Lourenço  Marques,  negociação  diplomática,  se  converteu  em 
questão  política  ;  foi  assim  que,  mais  recentemente,  o  emprego 
das  línguas  alemã  e  tcheque  na  Bohemia,  simples  divergência 
linguística,  passou  a  ser  a  questão  das  línguas^  e  a  fundação  de 
uma  Universidade  tcheque,  questão  pedagógica  e  administrativa, 
tomou  desde  logo  um  aspecto  político. 

A  agitação,  determinada  pela  transformação  de  uma  diver- 
gência técnica  em  questão  politica,  tem  como  efeito  :  ou  a  con- 
vergência unânime  das  vontades  numa  direcção  determinada 
—  como  no  caso  de  ruptura  de  relações  diplomáticas  —  ou  o 
que,  infelizmente,  é  o  caso  mais  geral  —  a  divisão  do  agregado 
nacional  em  dois  grandes  blocos  irreductiveis,  intratáveis,  um 
que  diz  perentòriamente  —  sim  — ,  outro  que  diz  perentòria- 
mente  —  não. 

Por  aqui  se  vê,  que,  aparte  os  casos  raros  de  primeira  cate- 
goria, favoráveis  à  coesão  nacional,  convém  aos  governantes 
evitar  o  mais  possivel  que  as  discordâncias  técnicas  ou  profis- 
sionais se  transformem  mais  em  questões  politicas.  Meramente 
técnico,  o  conflito  é  uma  pequena  fenda,  facilmente  reparavel ; 
tornado  questão  politica,  é  uma  racha  funda  apanhando  o  edifí- 
cio de  lado  a  lado,  e,  por  vezes,  também,  de  cima  a  baixo. 

Se  algumas  ve^es  vemos  os  governantes  praticarem  questões 
politicas,  é  com  o  fim,  ou  de  despertarem  um  sentimento  ador- 
mecido —  agitações  fomentadas  contra  os  judeus  em  Portugal, 
no  século  XV r,  contra  os  huguenotes  em  França,  —  ou  de  fazer 
diversão  a  uma  questão  politica  mais  grave.  Em  qualquer  dos 
casos  o  objectivo  imediato  do  governante  é  aumentar  a  coesão 
nacional,  dirigir  as  correntes  de  crenças  ou  de  interesses,  de 
desejos  ou  de  receios,  no  sentido  da  sua  maior  convergência 
(primeiro  caso)  ou  da  sua  menor  divergência  (segundo  caso). 


(108) 

Qual  êj  então,  a  nossa  particularidade  ?  E  que,  em  geral,  os 
nossos  governantes  e  os  seus  partidários,  em  vez  de  procurarem 
evitar  que  as  divergências  técnicas  se  transformem  em  ques- 
tões politicas,  fazem  todo  o  possivel  para  que  assim  aconteça. 
Compreende-se  que  o  façam  os  adversários,  porque  está  no  seu 
plano  criar  dificuldades  ao  regime,  e  imbecilidade  seria  espe- 
rar deles  outro  procedimento. 

Mas  quer  seja  a  imprensa  governamental,  quer  sejam  os 
próprios  ministros  que,  em  discursos  públicos,  venham  esca- 
motear a  questão  meramente  técnica,  para  nos  fazerem  vêr  nela 
uma  questão  política,  eis  o  que  é  original. 

Que  diriamos  nós  de  um  troço  de  bombeiros  que,  em  presença 
de  um  incêndio  ainda  limitado,  em  vez  de  o  circunscreverem, 
se  pusessem  a  atiçá-lo,  a  generalizá-lo,  com  a  ideia,  por  ventura, 
de  cometerem  façanha  mais  retumbante,  combatendo  um  pavo- 
roso incêndio  ? 

—  Que  há  por  detrás  da  questão  do  Coimbra  uma  especula- 
ção política,  dizem.  Que  ingenuidade  !  Como  se  os  governantes 
não  tivessem  obrigação  de  saber  que  a  questão  politica  aparece 
sempre  que  tem  um  pé  para  aparecer.  Para  que  dão  azo  a  que 
ela  apareça?  Porque  não  fazem  as  coisas  como  elas  devem  ser 
feitas?  Porque  tratam  com  tanta  sem-cerimónia  as  normas 
jurídicas  e  sociais  mais  elementares  ?  Porque  desprezam  os 
métodos  scientificos  de  governar?  Porque  não  colocam  as 
questões  nitidamente  no  terreno  técnico,  embargando,  por  esta 
forma,  todas  as  veleidades  de  especulação  politica  ? 

A  verdade  é  que  a  questão,  em  si,  nada  tem  de  politica,  é 
meramente  técnica.  Quer-se  evitar  que  dela  se  faça  especula- 
ção política  ?  E  muito  simples,  é  recolocá-la  no  seu  verdadeiro 
terreno  :  o  terreno  pedagógico  no  que  se  refere  à  Faculdade  de 
Letras,  o  terreno  jurídico  no  que  respeita  aos  professores.  E  o 
caso  do  ovo  de  Colombo  ?   Pois  é  assim  mesmo. 

José  de  MagaluIep. 
(A  Lncta  de  9  de  Junho  de  1919  ). 


(109) 


C  ódio  à  Universidade  de  Coimbra 

Suplemento  ao  cadastro 
dos  «  jesuítas  »  da  Faculdade  de  Letras 

A  Época  publicou  há  dias  o  Cadastro  dos  .  .  jesuítas  da  Facul- 
dade de  Letras  de  Coimbra,  que  afinal  se  viu,  se  pecavam,  era  pelo .  .  • 
contrário.  Esse  artigo,  que  punha  a  nú  a  mais  miserável  mentira  que 
em  Portugal  se  tem  espalhado  em  certa  imprensa  sem  escrúpulos,  fez 
no  País  a  maior  impressão.  Hoje  damos  mais  algumas  notas  — 
para  que  se  veja  como  na  nossa  terra  se  conspira  contra  a  verdade. 


Acusa-se  a  Faculdade  de  Letras  de  ser  uma  reedição  da  extincta 
Faculdade  de  Teologia.  —  Ora,  o  corpo  docente  da  actual  Faculdade 
de  Letras,  entre  professores  provisórios,  professores  contratados,  e 
assistentes,  compõe-se  de  19  membros  (não  contando  o  dr.  Teixeira 
de  Carvalho,  que  o  é,  indevidamente,  de  uma  cadeira  anexa ) ;  e  os 
professores  que  o  foram  da  gloriosa  Faculdade  de  Teologia  são 
apenas  4 ! 

Mesmo  que  o  tivessem  sido  todos,  estes  não  são  todos  os  profes- 
sores que  o  eram  da  Faculdadp  de  Teologia  ao  tempo  em  que  foi 
extincta,  pois  só  foram  chamados  a  ensinar  na  de  Letras  os  que  pelos 
seus  trabalhos  ou  Índole  de  estudos  revelaram  especial  competência 
(  ficando  de  fora  os  doutores  Silva  Ramos,  Bernardo  de  Madureira, 
Lino,  Araújo  e  Gama,  aliás  ilustres  teólogos ). 

O  seu  amor  pelos  estudos  literários  era  já  tão  provado,  que,  ainda 
no  tempo  da  Monarquia,  no  ministério  João  Franco,  representaram  ao 
Governo  a  favor  da  criação  de  uma  Faculdade  de  Letras  —  pelo  que 
desencadearam  contra  eles  uma  grande  parte  da  opinião,  que  queria 
a  conservação  da  Faculdade  de  Teologia,  a  qual  tinha  gloriosíssimas 
tradições. 

E,  que  esse  amor  não  era  um  capricho  de  padres  com  desejo  de 
se  .  .  .  despadrarem,  aí  estão  a  atestar  a  competência  em  assuntos 
literários  desses  ilustres  professores  —  fructo  de  muitos  anos  de  tra- 


(110) 

balho  —  as  suas  obras,  todas  anteriores  à  criação  da  Faculdade  de 
Letras :  a  D.  Isabel  de  Aragão  e  o  Francisco  Suárez,  ( como  obras 
históricas  citadas  no  estranjeiro  e  apreciadas  em  Portugal  por  escri- 
tores como  Sampaio  Bruno  e  José  Caldas  )  e  as  Gramáticas  da  língua 
portuguesa  (  como  trabalho  filológ-ico,  que  renovou  o  ensino  secundário 
então  antiauado )  do  dr.  António  Garcia  Ribeiro  de  Vasconcelos  ;  os 
Judeus  em  Portugal,  a  História  da  Literatura  Portuguesa,  com  a 
benemérita  biblioteca  de  Subsídios  para  o  seu  estudo,  além  de  outros 
trabalhos  didáticos,  por  onde  teem  estudado  todas  as  novas  gerações 
portuguesas  e  brasileiras,  inclusive  os . .  .  actuais  ministros  que  ainda 
sabem  vagamente  que  tivemos  um  . . .  Luís  de  Camões,  do  dr.  Mendes 
dos  Remédios ;  os  trabalhos  sobre  a  nossa  Escola  e  a  história  da 
instrução  primária,  não  falando  na  sua  passagem  pela  Inspecção  do 
Círculo  escolar  de  Coimbra,  do  dr.  Alves  dos  Santos  ;  a  obra  de  peda- 
gogo, a  que  se  tem  consagrado  inteiramente  e  até  ...  o  sr.  Homem 
Cristo  louva  no  seu  jornal,  onde  escreve  em  vez  de  escrever  nas  . . . 
paredes,  do  dr.  Oliveira  Guimarãis. 

Eis  os  quatro  teólogos  que,  na  Faculdade  de  Letras,  fazem  perigar 
o  ensino  .  .  .  aos  olhos  dos  que  nos  Liceus  ainda  ensinam  ( os  que 
ensinam  .  . .)  pelos  seus  livros  !  De  alguns  destes  e  de  outros  partiu, 
quando  ainda  não  havia  Faculdade  de  Letras,  o  movimento  de  restau- 
ração e  renovação  filológica,  então  conhecido  pelo  nome  ridículo  de 
os  kikeros,  mas  que  tão  bons  resultados  produziu.  A  alguns  destes 
se  deve  a  melhor  e  a  maior  parte  do  levantamento  pedagógico  do 
•  nosso  ensino  médio. 

P.  S.  —  O  dr.  Teixeira  de  Carvalho,  um  dos  que  tem  dirigido 
a  campanha  contra  a  Faculdade,  escreveu  na  Província,  jornal,  repu- 
blicano de  Coimbra,  em  20  de  Junho  de  1913,  o  seguinte,  a  respeito 
do  dr.  Mendes  dos  Remédios :  «  Não  foi  êle  que  reconheceu  a  Repú- 
blica. Foi  a  Republica  que  o  reconheceu  a  êle  no  lugar  que  ocupava 
dos  que  trabalhavam  na  vanguarda  pelo  progresso  deste  pais,  defen- 
dendo a  causa  principal  da  Instrução  A  Faculdade  de  Letras,  em 
que  hoje  é  professor,  foi  da  criação  da  República,  mas  de  iniciativa 
sua  em- pleno  ultramontanismo  monárquico. 


(111) 

2o  Suplemento  ao  Cadastro 
dos  «  Jesuítas  »  da  Faculdade  de  Letras 

Continuámos  a  publicação,  à  imitação  dos  suplementos  do  Diário 
do  Governo  com  leis  novas  com  data  atrazada,  das  notas  que  tanta 
impressão   tem  feito.     Os  nossos  suplementos  não  trazem  aumento 

de  despesa   .  . 

*     * 

•  .  .  Acusa-se  a  Faculdade  de  Letras  de  ser  um.  coió  de  jesuitismo. 
—  Que  o  fosse,  só  seria  para  louvar  os  seus  mestres,  pois  que  a  gente 
que  o  odeia  costuma  chamar  nomes      -ao  que  é  bom. 

Bom  ou  não  ( é  bom  ),  a  Constituição  da  República  garante  a  todo 
o  cidadão  a  completa  liberdade  de  consciência,  ninguém  podendo  ser 
perseguido  por  motivo  de  crença  religiosa.  Na  Sorbona  há  professo- 
res que  são  católicos  praticantes  e  militantes,  como,  por  exemplo, 
Strowski,  e  como  o  era  o  chorado  filosofo  Victor  Delbos  ;  nas  Uni- 
versidades francezas  (  do  Estado  )  ensinam  padres-apostolos  com  o  zelo 
de  um  J.  Guiraud,  o  valente  historiador  e  polemista,  que  tem  evisce- 
rado os  livros  oficiais  adoptados  pelo  Governo  —  sem  que  lá  se  pense 
lícito,  nem  útil,  nem  possível,  privá-los  de  um  direito  que  a  lei  reco- 
nhece a  todos.  .  .  que  tenham  talento  e  competência. 

O  Estado  não  é  uma  igreja,  que  opõe  a  sua  doutrina  a  outra, 
definindo-a  no  ministério  da  instrucção  :  não  há  ensino  republicano, 
como  não  há  ensino  monárquico ;  o  ensino  do  Estado,  ministrado  pelas 
Universidades,  só  pode  ser  scientíflco. 

Mas  é  falso  que  a  Faculdade  de  Letras  propendesse  para  o .  .  . 
jesuitismo.  Não  é  ela  a  redução  da  de  Teologia ;  mas,  se  fosse,  o 
dr.  Domingos  Pereira,  bacharel  nas  letras  sacras,  pode  testemunhar 
como  a  tradição  dessa  Faculdade  ( que  vinha  de  longe )  era  anti- 
jesuítica,  e  aí  o  está  a  afirmar  a  notável  memória  do  lente  Mota 
Veiga,  Esboço  histórico-literário  da  Faculdade  de  Teologia.  Basta 
dizer  que  dos  quatro  lentes  que  o  foram  de  Teologia,  SÓ  um  se  não 
secularizou ;  mandando  a  justiça  que  se  diga  que  outro  não  se  chegara 
a  ordenar .  . .  mesmo  para  entrar  nessa  Faculdade,  e  que  apostatou 
francamente  um  deles ! 


(112) 

Não  há  seguramente  na  velha  Universidade  (  nem  porventura  em 
qualquer  das  duas  mais  )  outra  Faculdade  que  ofereça  o  espectáculo 
das  mais  variadas  opiniões,  aparte  o  ser  talvez  a  única  onde  se  não 
aponta  um  monárquico  militante.  Entre  os  dezanove  elementos  de  que 
se  compõe  o  seu  corpo  docente,  conta-se  um  padre-apostata  (  Dr. 
Alves  dos  Santos)  e  outro  secularizado  ( Dr.  Oliveira  Guimarãis); 
dois  protestantes,  a  menos  que  a  segunda  seja  racionalista  (John 
Opie  e  D.  Carolina  Michaelis);  dois  que,  tendo-a  começado,  desisti- 
ram de  seguir  a  vida  sacerdotal  ( Drs.  Mendes  dos  Remédios  e 
Simões  Neves);  doIs  llvres-pensadores  reconhecidos.  ( Drs.  Joa- 
quim de  Carvalho  e  Simões  Ventura ) ;  e  não  sabemos  quantos  que 
não  praticam  a  religião ...  E  católico-praticante  (  com  muito  orgulho 
o  dizemos )  o  sábio  naturalista  e  filólogo  dr.  Gonçalves  Guimarãis, 
que  gerações  sucessivas  de  estudantes  teem  admirado  e  respeitado  — 
mas  o  seu  valor  impõe-se  tanto,  que,  quando  ministro  da  Instrucção, 
o  dr.  Domingos  Pereira  o  mandou  louvar  em  portaria. 

Os  professores  da  Universidade  de  Coimbra  ainda  teem  a  inge- 
nuidade de  crerem  que  o  Estado  lhes  paga .  •  .  para  cumprirem  as 
suas  obrigações.  Não  pensa  assim  o  ministro  (e  com  ele  e  a  sua 
imprensa),  que  entendem  que  é-  .  •  para  se  inscreverem  em  centros 
políticos.  Vivendo  para  o  estudo,  alheios  às  refregas  políticas,  ( sem 
aliás  hostilizarem  a  República,  como  se  demonstrou),  não  admira  que 
sejam  poucos  os  que  teem  larga  folha  de  serviços  políticos.  Ainda 
assim  talvez  nenhuma  outra  Faculdade  possa  apresentar  uma  propor- 
ção de  republicanos  militantes  egual  à  de  Letras.  —  Quanto  ao  dr. 
Mendes  dos  Remédios,  «  não  foi  êle  que  reconheceu  a  República,  foi 
a  República  que  o  reconheceu  a  êle  »,  como  disse  o  dr.  Teixeira  de 
Carvalho :  instado  pelos  republicanos  de  todos  os  matizes  para  que 
aceite  os  mais  altos  cargos,  tudo  tem  repelido,  havendo  duas  cousas 
que  será  incapaz  de  atraiçoar :  o  seu  dever  de  professor,  e  a  sua  fé 
de  cristão.  O  dr.  Alves  dos  Santos  c  marechal  do  evolucionismo. 
O  dr.  Oliveira  Guimarães  está  à  frente  de  outro  partido  republicano. 
O  dr.  Joaquim  de  Carvalho,  com  a  autoridade  de  quem  lutou  arden- 
temente na  mesma  barricada,  acusa  o  sr.  Leonardo  Coimbra  de  ter 
atraiçoado  a  obra,  em  que  já  se  encontraram  ambos. 


(113)_ 

• 

O  Mundo,  enfim,  apresentou  há  tempo,  num  eco,  a  terrível  prova 
do . . .  jesuitismo  da  Faculdade  :  —  o  dr.  Simões  Neves  não  foi  pro- 
posto para  professor  por  . . .  tendo  ordens  sacras,  haver  pedido  ao 
Papa  licença  para  casar !  —  Ora  o  caso  é  o  seguinte  :  o  dr.  Simões 
Neves  foi  condiscípulo  do  dr.  Simões  Ventura,  ambos  assistentes  de 
Filologia  Clássica.  Nenhum  deles  tem  ainda  concurso,  se  bem  que  o 
primeiro  tenha  já  começado  as  suas  provas,  faltando  o  segundo  por 
motivo  de  doença.  Sucede  ainda  que  só  há  uma  vaga  na  secção,  e  o 
segundo  concorrente  é  mais  classificado  que  o  primeiro.  Considere-sc 
por  último  que,  enquanto  o  dr.  Neves  pede  de  Roma  licença  para 
casar  (com  tanto  aplauso  do  Mundo),  o  dr.  Ventura  não  se  casou 
religiosamente  e  nem  sequer  tem  o  filho  baptizado  ! .  . .  Por  onde  se 
conclue  que  a  Faculdade  não  propôs  um  . .  .  católico,  para  não  preju- 
dicar um  . . .  que  o  não  é :  —  donde  se  vê  o  jesuitismo  da  Faculdade  ! 

(A  Época  de  10  de  Junho  de  1919). 


A  questão  universitária 
O  procedimento  do  ministro 

No  dia  29  de  Maio  o  ministro  da  instrução  recebeu  a  comissão 
dos  professores  da  Universidade.  A  conferência  foi  longa  e 
manteve-se,  de  principio  a  fim,  num  tom  de  absoluta  correcção 
e  cortesia.  Quanto  á  questão  principal,  que  era  a  conservação, 
da  Faculdade  de  Letras  ern  Coimbra,  a  comissão  procurou 
demonstrar  que  não  ha  hoje  Universidade  bem  cons<"<ituida,  e 
que  mereça  rigorosamente  o  nome  de  Universidade,  em  que  não 
apareça  o  ensino  das  Letras,  ou  organizado  era  Faculdade 
autónoma,  ou  associado  ao  ensino  das  Sciências.  As  Letras  e 
as  Sciências  são  os  dois  ensinos  fundamentais,  o  núcleo  essencial 
de  unia  Universidade,  havendo  até  Universidades  americanas 
formadas  exclusivamente  por  esses  dois  ramos  da  alta  cultura. 

Em   nome  destes   princípios,   exclusivamente   scientificos  e 
pedagógicos,  é  que  a  comissão  pedia  a  conservação  da  Facul- 
12 


(114) 

dade  dè  Letras,  para  que  a  Universidade  de  Coimbra  nâo  ficasse 
mutilada  num  dos  seus  ensinos  fundamentais.  O  ministro  nada 
objectou  ás  razões  da  comissão,  e  declarou  perentòriamente 
que  a  Faculdade  de  Letras  seria  restabelecida  em  Coimbra. 
Passados,  porém,  três  dias,  vai  ao  Coliseu  dos  Recreios,  e 
aproveita  uma  sessão  de  festa  de  homenagem  a  Magalhães 
Lima,  para  lançar  sobre  a  Faculdade  extinta  e  sobre  a  Univer- 
sidade de  Coimbra  arguições  e  doestos,  que  um  ministro  não 
tem  o  direito  de  fazer  de  ânimo  leve,  porque  só  os  pode  produzir 
quando  tenha  meio  de  os  provar.  Se  o  sr.  Leonardo  Coimbra 
tivesse  falado  no  Coliseu  como  simples  orador  de  comícios,  com 
as  responsabilidades  inerentes  apenas  ao  seu  nome,  a  sua 
verrina  contra  a  Universidade  nào  teria  importância  ;  discursou, 
porém,  como  ministro  da  instrução,  e  isto  é  que  imprime  gravi- 
dade ás  acusações.  Constituiu-se,  assim,  o  ministro  no  dever 
indeclinável  de  fazer  a  prova  do  que  avançou,  sob  pena  de 
deixar  entrever  um  estranho  conceito  a  respeito  das  responsa- 
bilidades do  poder  executivo. 

Afinal  o  que  se  apura  é  que  o  ministro  procurou  transformar 
uma  questão  pedagógica  numa  questão  politica,  de  caracter 
sectário  e  truculento.  Não  podendo  defender  a  sua  obra,  ou 
antes  a  obra  de  Coelho  de  Carvalho,  no  puro  domínio  das  razões 
e  dos  princípios,  foi,  perante  a  multidão  apaixonada,  agitar  o 
espectro  da  reacção  e  áo  jesuitismo,  para  colher  efeitos  políticos, 
para  recobrar  a  força  que  sentia  faltar-lhe,  e  para  excitar  contra 
a  Universidade  os  ódios  dos  que  a  não  conhecem.  Estes 
processos  são  familiares  aos  agitadores,  aos  profissionais  da 
desordem  e  do  motim  ;  usados  por  um  ministro  de  Estado, 
deve  reconhecer- se  que  é  inédito  e  edificante ! 

Akgelo  oa  Fonseca. 

( De  A  Manhã  de  12  de  Junho  de  1919 ). 


I 


(115) 


Õ  que  quer  a  Universidade  de  Coimbra? 

A  sua  atitude  para  com  o  Governo.   A  sua  atitude 
para  com  o  Reitor 

Explica-o  o  sr.  dr.  Ângelo  da  Fonseca 

Pois  que  a  quevStão  da  Universidade  de  Coimbra  continua  na 
ordem  do  dia,  sendo  de  confessar  que  a  série  de  informações 
sobre  o  assunto  dadas  à  publicidade,  não  raro  contraditórias, 
em  vez  de  concorrerem  para  esclarecer,  só  teem  concorrido  para 
a  tornar  menos  compreensivel  das  pessoas  que  estão  fora  dela, 
o  que  não  quer  dizer  que  ela  não  as  interesse,  aproveitámos  a 
cjrcunstánoia  da  chegada  a  Lisboa  do  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca, 
para  tornar  a  ouvi-lo  sobre  o  assunto,  no  sentido,  porém,  de 
principalmente  o  colocar  era  termos  que  todos  o  percebam. 
Assim,  começámos  por  lhe  preguntar  : 

—  Qual  é,  em  última  análise,  a  atitude  da  Universidade 
perante  o  Governo  e  o  Reitor? 

—  Estimo  —  respondeu-rae  o  nosso  entrevistado  —  ter  ensejo 
de,  através  da  grande  publicidade  do  Século,  poder  esclarecer  o 
país  sobre  esse  e  ainda  outros  pontos  da  questão. 

Pela  leitura  de  alguns  jornais,  fica-se  com  a  impressão  de 
que,  ou  o  Governo  quer  jogar  as  cristas  com  a  Universidade,  ou 
a  Universidade  com  o  Governo.  Pois,  posso  assegurar-lhe  que 
não  é  esse  o  espírito  com  que  na  Universidade  se  olha  e  espera 
a  «  suite  »  do  conflito. 

—  O  que  há  então  de  fundamental  nesse  conflito? 

—  Apenas  isto  :  O  Governo  reformou  a  secção  de  filosofia  e 
nomeou  professores  sem  concurso  para  a  Faculdade  de  Letras 
de  Coimbra,  sem  ouvir,  oficial  ou  oficiosamente,  a  Faculdade. 

—  Foi  contra  isso  que  a  Faculdade  representou  ? 

—  Justamente  —  e  tão  somente.  As  leis  universitárias  esta- 
belecem que  as  nomeações  de  professores  devem  ser  feitas  por 
concurso  e  só  abrem  excepção  para  o  caso  das  Faculdades,  em 


(116) 

proposta  fundamentada  e  aprovada  por  Ys  dos  seus  professores, 
apresentarem  ao  Governo  o  nome  de  individualidades  eminentes 
para  professores.  Por  outro  lado,  estabelecem,  como  é  natural, 
que  as  Faculdades  sejam  ouvidas  sobre  a  reforma  do  ensino, 
Pode,  é  evidente,  o  ministro  discordar  do  seu  voto  ;  mas  nào  há 
memória,  em  tempos  próximos,  de  ser  reformado  o  ensinb  de 
uma  Faculdade  sem  ela  ser.  ouvida. 

—  E  que  se  seguiu  ? 

—  A  Faculdade  representou  ao  Governo  contra  um  e  outro 
decreto,  solicitando  a  sua  suspensão,  em  nome  dos  princípios 
estabelecidos  no  Estatuto  Universitário.  E  foi  então  que  o 
Governo  enviou  um  decreto  de  censura  à  Faculdade,  anun- 
ciando que  tomaria  medidas  para  que  o  facto  não  viesse  a 
repetir-se.  ^ 

—  E  extinguiu-a,  não  é  verdade  ? 

—  Deveria  dizer-lhe  que  sim. . .  mas  vejo-me  forçado  a  dizer- 
Ihe  que  não ... 

—  Como  assim  ? 

—  E  que  se  dá  a  particularidade  extravagante  da  Faculdade 
ter  sido  extinta  por  um  decreto  de  10  de  maio  de  1910,  e  ser  cen- 
surada a  19  de  maio,  por  causa  duma  representação  feita  em  14 
de  maio.    Compreende  isto  ? 

—  Compreendo  ;  ou,  melhor,  suspeito  que,  naturalmente,  para 
extinguir  a  Faculdade  era  precisa  uma  lei,  e  o  Governo  só  teve 
poderes  legislativos  até  10  de  maio. 

—  Vejo  que  se  dispensou  de  ir  a  Coimbra  para  saber  direito 
E  bem  natural,  em  tempos  de  perdão  de  acto  ! 

—  Extinta  a  Faculdade,  que  se  seguiu  ? 

—  O  Senado  Universitário  reuniu  e  deu  toda  a  sua  adesão  á 
representação  da  Faculdade  de  Letras,  por  a  achar  em  termos 
absolutamente  correctos  e  conformes  ao  Estatuto.  A  breve 
trecho,  reunia  também  o  Senado  Universitário  de  Lisboa  e  fazia 
sua  a  moção  do  Senado  Universitário  de  Coimbra,  acrescentan- 
do-lhe  reputar  inadmissível  qualquer  procedimento  contra  pro- 
fessores que  nâ,o  se  baseasse  em  processo  regular. 


(117) 

—  Qual  era  o  sentido  deste  voto  ? 

—  Era  bem  claro.  Tendo  extinguido  a  Faculdade  de  Letras 
em  Coimbra,  com  fundamentos  ou  considerandos  que  mostram, 
ao  contrário,  ser  Coimbra  o  meio  adequado  para  o  ensino  e 
cultura  das  letras,  o  Governo  reservou-se  o  direito  de  colocar 
na  disponibilidade  os  seus  professores.  Nào  averiguou,  e  todos 
os  meios  tinha  ao  seu  alcance  para  o  fazer,  se  o  ensino  era 
tendencioso  ou  confessional.  Julgou  por  autoridade  própria, 
sem  ouvir  professores  e  alunos,  e  íirredou  assim  da  efecti- 
vidade do  serviço  muitos  professores,  todos  de  merecimento,  e 
alguns  sem  par  entre  nós  :  a  dr."  D.  Carolina  Michaêlis,  os 
drs.  Mendes  dos  Bemédios,  Gonçálvez  Guimarãis,  António  de 
Vasconcelos,  etc. 

—  Mas  não  houve  qualquer  procedimento  disciplinar  ? 

—  Nenhum.  E  é  a  respeito  desse  modo  de  proceder  que  as 
Universidades  manifestam  a  sua  oposição. 

—  E  qual  a  atitude  do  reitor?  E  certo  que  regressou  a 
Coimbra? 

—  Seria  inverosímil  a  suposição,  e  é  certo  o  facto.  Está  em 
Coimbra.  Tais  faltas  cometeu  no  exercício  do  seu  cargo,  que  a 
Universidade,  em  representação  assinada,  teve  de  apontá-lo  ao 
público  como  pessoa  destituída  da  honorabilidade  pessoal  neces- 
sária para  dirigir  uma  Universidade.  Esse  homem  não  terá 
hoje,  em  Coimbra,  senão  um  ou  dois  professores,  que  lhe 
apertem  a  mão,  ou  que  condescendam  em  o  ouvir.  Disso  teve 
já  a  prova,  ha  perto  de  três  semanas,  o  sr.  Coelho  de  Carvalho, 
no  dia  em  que  o  Senado  teve  de  reunir  por  direito  próprio. 

—  E  então  verdadeiro  o  facto  de,  ao  passarem  pelo  seu  gabi- 
nete para  a  sala  do  Senado,  os  membros  deste  não  lhe  haverem 
falado  e  terem- se  limitado  a  passar  através? 

—  Em  absoluto.  E  apenas  lamento  nào  ter  sido  dos  que  se 
limitaram  a  passar  através  .  .  Mas  posso  e  devo  acrescentar 
que  a  Universidade  não  disse  ainda  ao  Governo  e  á  nação  tudo 
quanto  esse  reitor  tem  feito  na  Universidade.  Ha  noticia  e 
rumores  de  faltas  bem  graves,  em  assuntos  particulares  e  em 


(118) 

assuntos  oficiais,  de  natureza  tão  delicada,  que  a  Universidade 
quis  poupar  a  sua  divulgação. 

—  O  que  quer  então  a  Universidade  ? 

—  Já  ela  o  expôs,  em  conferência,  ao  Governo,  e  não  tenho 
dúvida  em  lho  revelar  aqui :  a  Universidade  insta  pela  demis- 
são do  reitor,  e  reclama  seja  revogado  o  decreto  que  extinguiu  a 
Faculdade  de  Letras  em  Coimbra.  A  Universidade  significa  ao 
Governo  que  os  professores  desta  Faculdade  não  podem  conti- 
nuar na  disponibilidade,  sofrendo  uma  pena,  sem  haverem  sido 
julgados  nem  ouvidos. 

—  A  Universidade  reclama  então  que  todo  o  corpo  docente 
da  Faculdade  de  Letras  volte,  desde  já,  ao  exercício  das  suas 
funções  ?  Não  admite,  sequer,  que  o  Governo  ordene  uma  sin- 
dicância ao  seu  ensino,  e  apure  se  há,  realmente,  professores 
que  fazem  ensino  confessional  ou  tendencioso? 

—  Perdão  !  Mas  reconheço,  uma  vez  mais,  que  não  se  conhece, 
em  Lisboa,  o  verdadeiro  objeto  das  reclamações  da  Universidade. 
Ela  não  tem  a  estulticia  de  negar  ao  Governo  o  direito  de  refor- 
mar o  ensino,  e  de  o  fiscalizar  o  sindicar  com  todo  o  rigor,  quer 
sob  o  ponto  de  vista  político,  quer  sob  o  ponto  de  vista  pedagó- 
gico. Há  notícia  de  que  o  ensino  de  qualquer  professor  é  ten- 
dencioso ou  confessional,  contrário,  por  isso,  à  neutralidade  do 
ensino  oficial,  que  a  Constituição  Universitária  é  a  primeira  a 
exigir?  Provado  isso  no  processo,  posso  assegurar-lhe  que  nem 
um  momenro  mais  a  Universidade  lhe  prestará  a  sua  solidarie- 
dade. Uma  vez  mais  indico:  a  Universidade  não  está  a  jogar  as 
cristas  com  o  Governo.  A  Universidade  de  Coimbra,  como  a 
Universidade  de  Lisboa,  apenas  luta  pelo  respeito  a  este  prin- 
cípio !  um  professor  não  deve  ser  dimitiuido  na  sua  dignida^^e  e 
honorabilidade  profissional,  nem  nas  suas  vantagens  materiais, 
se  não  em  seguida  a  um  processo  disciplinar,  em  que  seja  arguido 
e  ouvido.  Ordena  o  Governo  a  formação  de  processos  discipli- 
nares por  pessoa  de  idoneidade  moral  e  intelectual,  e  exerce  a 
sua  acção  disciplinar  em  harmonia  com  as  leis  e  regulamentos, 
(j^ue  não  faltam?   A  Universidade  nada  terá  a  opor,  garanto-lhe, 


(119) 

e  limitar-se  há  a  aguardar  08  acontecimentos.  Vendo-a  assim, 
apenas  na  defesa  legal  dos  seus  professores,  haverá  quem  a 
acuse  de  rebelde,  ou  de  instigadora  à  rebeldia? 

Considerávamos  a  entrevista  concluída,  e  iamos  a  retirar-nos, 
quando  o  sr.  dr.  Angelo  da  Fonseca  nos  reteve  : 

—  Já  agora,  depois  das  explicações,  um  pequeno  desabafo. 
Deixe-me  acrescentar  quanto  tristemente  me  impressionou  a 
manifestação,  levada  a  efeito  ontem,  em  frente  do  Avenida- 
Palace,  aliás  por  um  reduzido  número  de  indivíduos  que  soltavam 
morras  à  Universidade  de  Coimbra,  na  presença  do  presidente 
Epitácio  Pessoa.  Como  eu  me  senti  vexado.  Sou  do  tempo  em 
que  a  Coimbra  eram  enviados  os  alunos  mais  distintos  do  Bra- 
sil para  se  formarem  em  Direito.  Citarei  um  apenas  :  Pinto  da 
Rocha,  o  poeta  e  jurisconsulto  de  tão  grande  nomeada.  Sabe- 
riam os  manifestantes  que  o  presidente  Epitácio  Pessoa  é  um 
jurista,  e  que  não  há  jurista  algum  do  Brasil  que  não  ame  a 
Universidade  de  Coimbra,  e  não  cite  sempre  os  trabalhos  dos 
antigos  e  actuais  professores  de  Direito  dessa  mesma  Univer- 
sidade?. . .  » 

(  O  Século  de  12  de  junho  de  1919  ). 


A  questão  da  Universidade 

O  ensino  na  Faculdade  de  Letras 
Uma  curiosíssima  entrevista 

O  eminente  Poeta  e  professor  Eugénio  de  Castro 
fala  a  um  redactor  do  «  Diário  de  Noticias  » 

A  questão  da  Universidade  e,  especialmente,  a  do  ensino  na  Facul- 
dade de  Letras  de  Coimbra  tem  sido  largamente  tratada  em  toda  a 
imprensa.  Ainda  não  foi  ouvido  nenhum  dos  professores  dessa  FacuI- 
dade.    Embora  pouca  gente  o  saiba,  Eugénio  de  Castro,  o  glorioso 


(120) 

poeta  da  Constança,  o  artista  original  e  raro  dos  Oaristos,  faz 
parte  do  corpo  docente  dessa  Faculdade.  Nâo  é  fácil  imaginar  na  sua 
cátedra  de  magister  duma  Universidade  o  rebelde  e  precioso  artífice 
do  verso,  o  mago  da  poesia  estranha  e  decadente,  que  hoje  se  trans- 
formou no  clássico  e  no  purista  vate,  tão  português  e  sereno,  dos 
amores  e  do  passado ... 

Mas  Eugénio  de  Castro  não  nos  falou  como  poeta.  Falou-nos  como 
professor  —  e  eis  o  que  ele  nos  disse,  na  sua  linguagem  nobre  e  literária. 

—  A  despeito  dos  meus  já  bem  experimentados  cinquenta  anos, 
da  serenidade  com  que  há  muito  me  habituei  a  presenciar  os  aconte- 
cimentos mais  absurdos,  confesso  que  caí  das  nuvens  ao  ver  desenca- 
dear-se  contra  a  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  a  furiosa  campanha 
dos  seus  inimigos.  Porque  essa  campanha  não  tem  a  justificá-la  um 
só  facto  positivo  —  e  fácil  era  aos  que  a  promovem  assistir  às  lições 
dadas  perante  os  cursos,  ouvir  os  alunos  e  examinar  os  programas  e 
sumários  das  lições,  rigorosamente  conservados  na  Faculdade. 

A  Faculdade  está  organizada  em  cinco  secções:  Filologia  clássica, 
filologia  românica,  filologia  germânica,  sciências  históricas  e  geográ- 
ficas, e  sciências  filosóficas.  Como  compreende,  as  duas  únicas  secções 
comportando  disciplinas  que  azadamente  se  prestariam  a  explorações 
tendenciosas  são  as  duas  últimas. 

—  Pode  descrever-nos  o  ensino  feito  nelas  ? 

—  Com  inteiro  prazer  e  verdade.  Deixe-me  porém  dizer-lhe  que, 
ainda  nas  outras  secções,  todos  os  meus  colegas,  os  professores 
Mendes  dos  Remédios,  D.  Carolina  Michaélis,  o  saudosíssimo  Carlos 
de  Mesquita,  Gonçálvez  Guimarãis,  e  os  assistentes  Ventura,  Neves, 
Pimentel,  e  Providência  orientaram  sempre  rigorosamente  o  seu  ensino 
na  leitura  conscienciosa  e  comentada  dos  textos.  Perdoe-me  falar-lhe 
de  mim,  neste  instante,  para  dizer  que  nem  um  momento  me  abando- 
nou, na  regência  dos  meus  cursos,  a  preocupação  de  velar  discreta- 
mente os  meus  pontos  de  vista  pessoais,  deixando  assim  aos  meus 
alunos  a  máxima  liberdade  de  emoção  e  de  crítica,  e  discorrendo  no 
mesmo  tom  sobre  os  escritores  que  mais  admiro,  como  Racine,  e 
sobre  aqueles  que  mais  aborreço,  como  Boileau.  Mas  perguntava-me 
como  era  feito  o  ensino  nas  outras  secções  ? 


(121) 


A  secção  de  história.    Os  arquivos,  galerias 
e  museus  da  Faculdade 

—  Comecemos  pelo  de  história.  Este  estudo  é  apoiado  no  exame 
directo  das  fontes,  iniciando  assim  os  alunos  nos  processos  de  inves- 
tigação histórica.  Na  cadeira  de  História  de  Portugal,  que  servirá  de 
exemplo,  os  exercícios  marcados  ou  versam  trabalhos  no  Arquivo  da 
Universidade,  ou  monografias  de  história  local  das  terras  da  naturali- 
dade dos  alunos.  Devo  indicar-lhe  que  existem  algumas  notavelmente 
interessantes.  A  Faculdade  tem  oito  anos  de  vida :  nesses  oito  anos, 
através  dos  quais  tudo  teve  de  criar-se  —  até  o  próprio  edifício  — 
construiu-se  o  -salão  de  trabalhos  práticos  de  paleografia,  a  aula  de 
paleografia  e  a  galeria  epigráfica  com  um  material  tão  rico  de  repro- 
duções em  gesso  dos  monumentos  epigráficos  do  centro  do  país,  que 
é  o  permanente  assombro  daqueles  que  um  dia  visitam  a  Faculdade. 

Em  seguida  o  requintado  poeta  e  erudito  professor  dá-nos  mais 
pormenores  sobre  o  museu  que  ainda  há  pouco  foi  visto  pela  pri- 
meira vez  pelos  srs.  drs.  Barbosa  de  Magalhães,  Lino  Neto  e  António 
Ferrão,  e  constituiu  para  eles  uma  verdadeira  surpresa  e  um  deslum- 
bramento. Não  é  apenas  um  museu  para  prender  a  atenção  exterior : 
é  uma  verdadeira  sala  de  trabalhos,  assim  como  a  aula  de  epigrafia, 
anexa  ao  Arquivo  da  Universidade.  Desta  última,  teem  já  saído  tra- 
balhos de  valor,  e  prometem-se  outros,  em  via  de  publicação.  E  o 
nosso  entrevistado  destacou,  em  trabalhos  de  alunos,  o  quadro  estatís- 
tico da  frequência  da  Universidade  desde  a  reforma  joanina  até  à 
pombalina,  e,  do  assistente  Dr.  Cerejeira,  a  coordenação  dos  cadernos 
de  ordenações,  até  agora  dispersos,  e  qu€  vão  desde  1400  e  1657. 

—  «  Mas  repare  que  não  aludi  ainda  à  secção  de  esfragistica  —  con- 
tinuou —  já  começada,  e  professada  a  par  da  diplomática,  com  interes- 
santes exemplares  autênticos  de  selos  portugueses  e  estranjeiros,  de 
cera,  chumbo  e  papel,  assim  como  à  de  numismática,  onde  a  Faculdade 
possui  uma  importante  colecção  de  moedas  portuguesas  e  romanas. 

«  Tudo  isso  se  deve  ao  fervor  e  à  apaixonada  devoção  do  dr.  Antó- 
nio de  Vasconcelos  pela  sua  Faculdade.    Ele  tudo  tem  sido  :  o  mestre 


(122) 

de  obras,  o  olheiro  do  edifício  e  o  organizador  de  todos  os  serviços ! 
Será  um  crime  afastá-lo  do  ensino  e  da  direcção  da  Faculdade.  As 
colecções  e  secções  por  ele  criadas,  como  estabelecimentos  da  Facul- 
dade, são  únicas  no  país  e  não  terão  par  em  muitas  Faculdades 
estranj  eiras: 

A  orientação  da  Faculdade  no  ensino  da  história 

—  «  Quanto  ao  ensino  doutrinal,  ele  é  acentuadamente  crítico  — 
crítica  das  fontes  e  dos  factos.  Dá  disso  exemplo  o  dr.  Vasconcelos, 
sempre  ansioso  de  renovar  a  matéria  dos  seus  cursos  e  algfo  de 
novo  colher  para  a  história.  » 

Em  seguida,  o  sr.  dr.  Eugénio  de  Castro,  recordou  os  escritos 
desse  professor  sobre  a  verdadeira  data  da  fundação  da  Universidade 
e  seu  primitivo  estabelecimento,  as  suas  lições  magistrais  sobre  a 
coirecção  necessária  a  dados  cronológicos  de  Fernão  Lopes  ( cerco 
de  Lisboa  de  1383  ),  sobre  classificação  de  crónicas,  e  a  revisão  dos 
dados  históricos  acerca  da  batalha  de  Ourique  e  das  lendas  que  lhe 
estão  ligadas. 

—  «O  assistente  dr.  Cerejeira  é  o  encarregado  do  curso  da  história 
medieval,  e,  em  contacto  com  o  que  há  de  mais  moderno,  tem  feito 
um  ensino  de  alta  crítica,  procurando,  como  resultado  nos  seus  alunos, 
não  tanto  saberem  história  como  compreendê-la.  Apaixonado  da 
cultura  latina,  foi  quem  primeiro  combateu  o  livro  pangermanista  de 
Chamberlain,  em  lições  ao  seu  curso.  O  professor  dr.  Alves  dos 
Santos  rege,  nesta  secção.  História  moderna  e  contemporânea.  Repu- 
gna-lhe  ensinar  história  feita  e  compraz-se,  como  despertador  de 
ideas,  em  descobrir  vocações  e  iniciar  os  seus  discípulos  na  crítica 
das  fontes  originais  e  narrativas.  A  sua  orientação  pode  talvez  resu- 
mir-se  em  duas  palavras :  síntese  e  crítica. 

A  orientação  filosófica  da  Faculdade 

—  Quanto  ao  ensino  na  secção  de  sciências  filosóficas  ?  —  inter- 
rogámos. 


(123) 

—  Creio  ser"  a  secção,  politicamente,  mais  combatida.  Terá  havido 
o  elementar  cuidado  de  reparar  em  que,  havendo  nessa  secção  só 
dois  nomes,  o  do  professor  Alves  dos  Santos  e  o  do  asssistente  dr. 
Joaquim  de  Carvalho,  precisamente  sucede  que  as  convicções  políticas 
destes  professores  não  se  prestam  a  equívoco  nem  suspeição  ? 

A'  arguição  de  livresco  feita  a  esse  ensino,  posso  replicar  que  o 
professor  Alves  dos  Santos  não  usa,  recomenda  nem  adopta  compên- 
dio, nem  aos  alunos  sugere  livros,  cuja  leitura  satisfaça  para  o  exame. 
Criou  na  Faculdade  um  laboratório  de  psicologia  experimental,  onde 
realiza  estudos  de  psicologia  quantitativa,  designadamente  do  fenó- 
meno da  atenção,  memória  e  trabalho  mental,  e,  como  documento 
ainda  da  sua  orientação  scientífica,  há  que  apontar  o  estudo  sobre 
O  crescimento  da  criança  portuguesa.  Acrescente  que  na  cadeira  de 
Lógica  a  sua  orientação  é  afim  do  empírio-criticismo  de  Mach  e 
Pearson,  e  que  no  curso  de  Moral  procura  ainda  e  sempre  nos  factos 
solução  ao  problema  da  obrigação  moral.  O  assistente  desta  secção, 
o  dr.  Joaquim  de  Carvalho,  foi  um  aluno  distintíssimo,  verdadeiramente 
notável.  Não  é  um  escolástico,  e  com  brilho  o  demonstrou  recente- 
mente, no  seu  folheto  A  minha  resposta,  pois  é  um  neo-kantista.  Tem 
a  seu  cargo  os  cursos  práticos  de  Moral  e  rege  há  dois  anos  o  curso 
de  História  da  filosofia  moderna. 

Naqueles,  comenta  Kant  e  Guyau,  e,  versando  neste  a  filosofia  do 
renascimento,  estuda  a  obra  de  Descartes,  através  da  qual  chamou  a 
atenção  dos  seus  alunos  para  alguns  problemas  de  metafísica. 

Sinceramente  me  pregunto  neste  instante  o  que  fica  de  tudo  isto, 
para  que  o  ensino  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra  possa  ser 
taxado  tão  indignadamente  de  mil  vícios  imaginários  . . , 

Ao  concluir  o  último  período,  era  visível  o  cansaço  do  nosso  emi- 
nente entrevistado.  Só  então  notámos  quanto  excessivamente  havia 
sido  aproveitada  por  nós  a  sua  indulgência  em  nos  ouvir.  Agradece- 
mos a  sua  amabilidade ;  e  o  glorioso  Poeta,  num  sorriso  cortês, 
inclinou-se  numa  invencível  modéstia. 

(Diário  de  Notícias  de  12  de  Junho  de  1919). 


(124) 


A   questão  da    Universidade 

A  Universidade  de  Coimbra,  não  combate  nem  põe  qual- 
quer obstáculo  à  criação  de  uma  Faculdade  de 
Letras  no  Porto :  apenas  reclama  a  conservação 
da  sua 

Diz- nos  o  sr.  dr.  Ângelo 

A  questão  da  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de 
Coimbra  atingiu  neste  momento  o  seu  auge.  Discutem-na  as 
Universidades,  a  Imprensa  e  o  Parlamento.  Não  tendo  lugar 
no  Parlamento  nenhum  dos  membros  da  comissão  que  os  pro- 
fessores da  Universidade  de  Coimbra  constituíram  para  os 
representar,  e  defender  os  seus  interesses,  dirigimo-nos  ao  sr. 
dr.  Angelo  da  Fonseca,  ilustre  presidente  dessa  comissão,  para 
nos  elucidar  sobre  o  estado  actual  da  questão. 

Sua  Ex.**,  recobendo-nos  com  toda  a  gentileza,  imediatamente 
se  prontificou  a  esclarecer-nos  sobre  este  assunto. 

—  Deixe-me  dizer-lhe  em  primeiro  lugar,  para  evitar  todo  o 
mal  entendido  e  pôr  imediato  cobro  a  intrigas  persistentes  e 
daninhas,  que  a  Universidade  de  Coimbra,  lutando  por  que  lhe 
seja  restituída  a  sf/a  Faculdade  de  Letras,  não  se  opòe,  por  forma 
alguma,  à  idea  de  a  Universidade  do  Porto  ser  completada  com  uma 
Faculdade  de  Letras. 

Como  sabe  c  repetidas  vezes  se  tem  dito,  o  ensino  das 
Letras  e  das  Sciéncias  é  que  caracteriza  uma  verdadeira  Uni- 
versidade. Ora  se  tirassem  o  ensino  das  Letras  à  Universidade 
de  Coimbra  —  só  no  nome  esse  instituto  continuaria  a  ser  uma 
Universidade,  pois  de  facto,  deixara  de  o  ser  desde  esse  dia. 
Pela  mesma  razão,  dando-se  à  Universidade  do  Porto  o  ensino 
das  Letras  —  ês«e  estabelecimento  passa  a  ser.  real  e  efectiva- 
mente, uma  Universidade. 


(125) 

Os  outios  ensinos  (direito,  medicina,  institutos  politécni- 
cos) sào  de  carácter  profissional  e  nào  indispensáveis  para 
que  uma  escola  tenha  o  nome  de  Universidade. 

—  Nesse  caso  e  a  manter-se  o  actual  estado  de  coisas, 
passaria  a  haver  em  Portugal  duas  verdadeiras  Universidades  : 
a  de  Lisboa  e  a  do  Porto.    A  de  Coimbi  a,  deixou  de  existir ! 

—  Clnro  que  sim.  E  veja  o  absurdo,  absurdo  que  se  torna 
ridículo  à  vista  dos  considerandos  ou  das  razões,  que  o  legisla- 
dor enumerou,  para  tran>>ferir  a  Faculdade  de  Letras  de  Coim- 
bra  para  o  Porto,  e  que,  como  corre  ter  dito  o  dr.  Álvaro  de 
Castro,  dào  a  impressão  de  que  o  legislador  queria,  ao  contrário, 
justificar  a  transferência  de  unia  Faculdade  de  Letras  do  Porto 
para  Coimbra !  , 

E  portanto,  para  não  deixar  de  ser  nunca  uma  verdadeira 
Universidade,  que  a  Universidade  de  Coimbra  reclama,  com 
todas  as  suas  forças,  a  sua  Faculdade  de  Letras. 

—  E  o  Porto  não  pode  ter  também  uma  Faculdade  de  Letras  ? 

—  Claro  que  sim.  Não  se  combate  nem  se  dificulta  de  modo 
algum  que  a  Universidade  do  Porto  obtenha  uma  Faculdade  de 
Letras.  Esta  opinião  não  é  d'hoje  :  é  a  de  sempre,  e  posso 
provar-lho  completamente.  No  ano  lectivo  de  1912-1913  coube 
ao  prof.  António  de  Vasconcelos  fazer  a  liçào  inaugural  do  ano 
lectivo  na  Universidade  de  Coimbra.  Escolheu  para  tema,  sabe 
o  quê  ?  —  Faculdades  de  Letras. 

Essa  oração  está  publicada  desde  1912,  e,  nessa  altura, 
houve  alguém  que  na  imprensa  entendeu  serem  demais  duas 
Faculdades  de  Letras  em  Portugal  e  propôs  a  extinção  da 
da  Universidade  de  Coimbra. 

E  quer  ouvir  o  que  a  esse  propósito  disse,  na  sua  lição,  o 
director  da  Faculdade  de  Letras  de  Coimbra?  Reproduzo  lho 
textualmente,  porque  tem  toda  a  oportunidade,  parecendo 
escrito    para   o    momento    act' ai : 

«  Que  se  propuses.se  a  criação  de  uma  terceira  Faculdade  huma- 
nística na  Universidade  do  PortOy  nada  teria  de  estranháveis  e pode- 
ria sustentar-íie  tal  proposta  com  razões  plausíveis. 


(126) 

«  Dizer-se  porém  que,  depois  de  conquistada  pela  antiga  e 
benemérita  Universidede  de  Coimbra  a  tantas  vezes  reclamada 
Faculdade  de  Letras,  se  lhe  deve  tornar  a  tirar,  com  o  funda- 
mento da  exiguidade  do  país,  eis  o  que  parece  um  simples 
gracejo. 

«  Menor  extensão  territorial  tem  a  Bélgica,  entretanto  man- 
têm quatro  Faculdades  de  Letras  ;  e  quatro  existem  também 
na  Holanda,  cujo  território  pouco  ultrapassa  a  um  terço  do  de 
Portugal.  Na  Suissa,  que  tem  metade  da  extensão  territorial,  e 
menos  de  metade  da  população  do  nosso  país,  funcionam  acti- 
vamente sete  destas  Faculdades.  » 

Se  a  Universidade  de  Coimbra  falou  sempre  assim,  como 
haveria  agora  de  contrariar  a  pretensão  da  Universidade  do 
Porto?  De  forma  alguma  1  Simplesmente,  a  Universi  ade  de 
Coimbra  reclama  que  não  seja  à  custa  da  sua  Faculdade  de 
Letras  que  a  Univei  sidade  do  Porto  passe  a  ser,  de  verdad,  uma 
Universidade  e  a  de  Coimbra  deixe  de  o  ser. 

—  Entretanto  o  Porto  pretende  também  uma  Universidade, 
de  facto. 

—  Perfeitamente,  e  essa  pretenção  é  justa ;  mas  não  é  justo 
que  a  consiga  à  custa  da  mutilação  da  Universidade  de  Coim- 
bra. Tenha  o  Porto  uma  nova  Faculdade  de  Letras  e  não  a 
desanexada  da  Universidade  de  Coimbra.  Esta  seria  no  seu 
organismo  um  corpo  estranho,  dolorosamente  arrancado  a 
outra  Universidade.  Seria  uma  chaga  permanente...  se  as 
cousas  neste  país  fossem,  por  natureza,  duradoiras. 

Mas  não  é  assim.  E,  visto  que  não  é  assim,  porque  não  há 
de  proceder-se  já  como  viria  a  proc-  der-se  fatalmente  dentro  de 
pouco  ?  O  Porto  terá  a  sua  Faculdade  de  Letras,  mas  não  a  da 
Universidade  de  Coimbra,  que  deverá  ser-lhe  restituida.  A^sim, 
as  duas  Universidades  poderão  progredir  e  brilhar,  lado  a  lado, 
sem  ressentimentos  nem  emulações. 

Assim  deve  ser  —  assim  há  de  ser,  espero-o  bem ! 

(  O  Primeiro  de  Janeiro  de  27  de  Junho  de  1919 ). 


índice 


I  —  A  Faculdade  de  Letras  da  Universidade  de  Coimbra  tem 

o  dever  moral  de  falar  

II  —  Sig-nificado  do  seu  protesto 

III  —  O  Sr.  Ministro  da  Instrução  responde 

IV  —  O  Reitor  Sr.  Coelho  de  Carvalho 

V  —  Supostas  acusações  à  Faculdade,  —  isto  é  —  a  4  dentre  os 

seus  19  Professores  e  Assistentes  I 

VI  —  Da  Faculdade  de  Teologia  à  Faculdade  de  Letras 

VII  —  O   Dr.    António  José  de  Almeida  cria  a  Faculdade  de 

Letras        

VIII  —  O  «  Curriculum  vitae  *  dos  19  Professores  c  Assistentes 
da  Faculdade  de  Letras       

IX  —  Dois  Assistentes       

X  —  Uma  scena  histórica 

XI  —  Orientação  do  ensino  da  Faculdade     • . 

XII  —  Material  de  ensino  e  instalações  da  Faculdade 

XIII  —  Concluindo 


Phíí. 

5 
6 
8 
9 

12 
13 

16 

17 
19 
22 
23 
49 
53 


Apênòices 

Apêndice  I  —  «  Curricula  vitae  »  dos  Professores  e  Assistentes  (3) 

Apêndice   II  —  Documentos       (29) 

a)  —  Decreto  que  reformou  a  secção  de  filosofia           •  (29) 

b)  —  Decreto  de  nomeação  de  professores (31) 

c)  —  Representação  da  Faculdade  de  Letras  contra  os 
Decretos  anteriores (31) 

d)  —  Decreto  demitindo  de  Reitor  o  Dr.  Mendes  dòs 
Remédios • .  (34) 

e)  —  Decreto  desanexando  a  Faculdade,  da  Universidade 

de  Coimbra (35) 

f)  —  Excerpto  da  acta  da  última  sessão  do  Conselho  da 
Faculdade  de  Letras      • (37) 

g)  —  Telegrama  dirigido  ao  Ex.»"o  Presidente  da  Repú- 
blica pelo  Conselho  da  Faculdade  de  Letras  a  21  de 
maio (41) 

hj  —  Moção  do  Senado  da  Universidade  de  Coimbra    (41) 


(128) 


Pág. 

i)  —  Representação    dos    Professores    da   Universidade 

contra  o  Reitor  .  (43) 

j)  —  Representação  ao  Parlamento (50) 

kj  —  Carta  aberta  ao  Ex.^°  Presidente  da  República  do 

Prof.  Ângelo  da  Fonseca (54) 

l)   —  Ofícios   da  Academia  de  Sciências  de  Portugal  à 
Faculdade  de  Letras  de  Coimbra (60) 

m)  —  Nova  publicação,  rectificada,  do  art.  2°  do  Decreto 
n.o  5:491,  de  2  de  maio  de  1919 (63) 

n)  —  Rectificações  ao  art.  2.°  do  Decreto  n.o  5:770  de  10 

de  maio  de  1919 (63) 

Apêndice    III  —  A   Imprensa    e    a  Faculdade       (65) 

a)  —  Universidade  de  Coimbra (65) 

b)  —  O   ódio  à  Universidade  de  Coimbra  —  Cadastro 

dos  «  jesuítas  »  da  Faculdade  de  Letras (66) 

c)  —  Uma  campanha  (  Brito  CAMACHO  ) (71) 

d)  —  Universidade  de  Coimbra.    Entrevista  com  o  Dr. 

Ângelo  da  Fonseca (74) 

e)  —  Da  reforma  à  g-réve  ( F.  MlRA  ) (76) 

/)  —  A  questão  universitária.    Com  vista  ao  sr.  Ministro 

da  Instrução  Pública  (J.  M.  DE  SaNT'IaGO  PrEZADO  •  (79) 
g)  —  Elogio  da  Faculdade  de  Letras  na  Academia  de 

Sciências  de  Portugal  ( ANTÓNIO  FeRRÃO  )  -  .  •  (93) 
h)  —  Em  torno  do  conflito  universitário  de  Coimbra.  — 

A  Faculdade  de  Teologia  era  reacionária  ?    Interview 

com  o  Prof.  Dr.  ÂNGELO  DA  FONSECA (95) 

í)  —  O  caso  de  Coimbra.     Nova  interview  com  o  Prof. 

Dr.  Ângelo  da  Fonseca  (99) 

j)  —  A  questão  de  Coimbra  (  JOSÉ  DE  MAGALHÃES  )  .  (102) 
k)  —  A  questão  de  Coimbra  ( JOSÉ  DE  MAGALHÃES  )  •  •  (106) 
Z)  —  O  ódio  à  Universidade  de  Coimbra.     Suplemento 

ao  cadastro  dos  «  Jesuítas  »  da  Faculdade  de  Letras      (109) 
m)  —  A  questão  universitária.    O  procedimento  do  Mi- 
nistro (Prof.  Ângelo  da  Fonseca )      (113) 

n)  —  O  que  quer  a  Universidade  de  Coimbra  ?     Expli- 

ca-o  o  Dr.  Angelo  da  Fonseca •  (115) 

o)  —  A  questão  da  Universidade.     O  ensino  na  Facul- 
dade  de   Letras.     Entrevista  com  o  Dr.  EUGÉNIO  DE 

Castro      (119) 

p)  —  A  questão  da  Universidade.    Entrevista  com  o  Dr. 

Ângelo  da  Fonseca (124) 


4 


NOTA 

A  extrema  escassez  de  tempo  não  deixa  publicar  aqui 
outros  documentos  de  importância  relativos  à  questão  da 
Faculdade  de  Letras,  alguns  muito  honrosos  para  a 
Universidade  de  Coimbra.  Especializam-se  os  dima- 
nados da  Universidade  de  Lisboa  e  da  respectiva  Fede- 
ração Académica.  Publicar-se  hão  oportunamente  em 
suplemento. 


FeZ'Se  deste  folheto  uma  tiragem  de  1.500 
exemplares,  sendo  500  para  a  venda  pelo 
custo  de  $40  e  o  produto  liquido  destinado 
à  Sociedade  Filantrópico' Académica. 


V 


PLEASE  DO  NOT  REMOVE 
CARDS  OR  SLIPS  FROM  THIS  POCKET 

UNIVERSITY  OF  TORONTO  LIBRARY 


BRIEF 


LP 

0000723